Herdeiro do gosto do avô e do pai pela traumatologia desportiva, João Espregueira-Mendes faz do Porto um dos destinos eleitos por atletas de alta competição de todo o mundo. Alguns dos jogadores que disputam o Mundial de Futebol já passaram pela sua clínica.
Desde sempre que João Espregueira-Mendes se sente como peixe na água no Porto. É o lugar onde nasceu, brincou, estudou e se fez médico, como o pai e o avô antes dele. Cresceu com a imagem da Ribeira, do Bolhão, da Ponte Luís I. E aí se transformou: de jovem aluno promissor, com o nariz enfiado nos compêndios e cabeça sonhadora, tornou-se um ortopedista de excelência e dos maiores especialistas mundiais em cirurgia do joelho. As suas mãos fazem milagres a tratar lesões ligamentares e cartilagens articulares. E são elas que ajudam agora a colocar o Porto no mapa da medicina desportiva, fazendo da cidade um destino cirúrgico de eleição para atletas de alta competição a nível internacional.
«Nos últimos anos, temos recebido atletas para cirurgia do joelho e do tornozelo oriundos da Índia, China, Austrália, Noruega, Roménia, Croácia, Dubai, Rússia, Inglaterra, Espanha, Itália e outros países. O que marcou a diferença foi a mudança de atitude dos diversos grupos nacionais que, em conjunto, se organizaram para promover o que de melhor se faz em Portugal», adianta João Espregueira-Mendes, salientando o trabalho «de vários anos e muitos intervenientes» necessário para se chegar ao atual patamar de afirmação da medicina e traumatologia desportiva, nunca antes conseguido. «O Porto tornou-se destino cirúrgico de eleição dos atletas de alta competição com sorte, estratégia e, sobretudo, muito trabalho.»
Longe vai o tempo em que a representação de um país nas principais sociedades desportivas dependia da sua importância política e geográfica. Pela primeira vez, a presidência da ESSKA (a Sociedade Europeia de Traumatologia Desportiva) foi entregue a um português – ele próprio, a figurar no grupo dos dez ortopedistas mais influentes do mundo após o congresso deste ano. Em 2012, a Clínica do Dragão obteve o reconhecimento da FIFA Medical Centre of Excellence – a primeira da Península Ibérica, num universo de trinta no mundo –, além de ser ainda um centro oficial da ESSKA e da ISAKOS, a Sociedade Mundial de Traumatologia Desportiva. «Recebemos médicos de toda a parte para estágios de formação. Temos um equipamento único no diagnóstico de lesões ligamentares do joelho na ressonância magnética que já se encontra em utilização nos cinco continentes.»
Foi em 1986 que a Clínica Espregueira–Mendes nasceu, fruto do trabalho de três gerações de ortopedistas (avô, pai e neto) empenhados em servir os seus doentes desde 1926. A prática da medicina desportiva evidenciou-se desde o início, com a equipa a dar apoio aos atletas amadores e profissionais do Futebol Clube do Porto. Em 1995, João tornou-se o mais novo doutorado português em ortopedia, com uma média de 20 valores em todas as classificações e exames da especialidade (caso único no país). Dez anos mais tarde, assume a direção da clínica, situada no Estádio do Dragão, e transforma-a numa unidade de excelência referenciada em todos os centros médicos do mundo. «Houve vários fatores que contribuíram para isto, nomeadamente a qualidade dos cuidados prestados, o posicionamento da cidade na Europa, o prestígio do FC Porto e o reconhecimento internacional do grupo médico», enumera o ortopedista, hoje com 53 anos e mais ousadia do que quando se estreou.
A parceria com o grupo de investigação do cientista Rui Reis – o 3B (Biomateriais, Biodegradáveis e Biomiméticos) –, associado à Universidade do Minho e coordenador do Instituto Europeu de Excelência em Engenharia de Tecidos e Medicina Regenerativa, revelou-se fundamental: «Este grupo conseguiu uma patente para um novo menisco artificial que poderá ser de grande utilidade no futuro. Obtivemos um número de publicações científicas nunca antes alcançado e ainda estabelecemos parcerias com universidades em Lyon, Barcelona, Ioannina, Larissa, Istambul, São Paulo, Curitiba, Luxemburgo e Índia, com orientação conjunta de teses de doutoramento e investigação», diz.
A isso, João soma mais de 300 trabalhos publicados e apresentados, além da invenção de um aparelho único no mundo: o Porto Knee Test Device (PKTD), que permite diagnosticar as lesões ligamentares do joelho na ressonância magnética, avaliar os resultados e o risco de lesão, medir a instabilidade e determinar os pacientes que necessitam de cirurgia. Em agosto de 2009, realizou no Hospital de Santa Maria, no Porto, os primeiros dois transplantes integrais de meniscos de cadáveres (para dois futebolistas amadores), juntamente com o professor Juan Carlos Monllau, de Barcelona. É professor nas universidades do Minho e Porto, recrutado amiúde pelos EUA. Ficou ainda mundialmente conhecido por elaborar uma técnica cirúrgica (GUT) que consiste em enxertar cartilagem da cabeça do perónio para aplicar na articulação do joelho. «Este enxerto usa cartilagem do próprio doente, colhida numa região do joelho em que não causa dano.» O género de intervenção que podia ter solucionado a lesão de Mantorras.
Inspirado pelo carisma do pai, protagonista da recuperação dos futebolistas Chalana, Fernando Gomes e Frasco, João Espregueira-Mendes brotou como um vento de renovação na Clínica do Dragão. A colaborar consigo está o holandês Niek van Dijk, «o melhor cirurgião de tornozelo do mundo», conhecido por operar jogadores como Cristiano Ronaldo, Pepe (Real Madrid), Robin van Persie (Manchester United), Ruud van Nistelrooy (ex-atacante holandês), David Luiz (Chelsea), Marco van Basten (treinador do Heerenveen) e Eduardo da Silva (Shakhtar Donetsk). «O desporto de alta competição solicita as articulações no limite da sua resistência», acentua o ortopedista, apontando os danos nos joelhos e tornozelos como os mais frequentes – e incapacitantes – da traumatologia desportiva. «No joelho primam as lesões ligamentares e cartilagíneas. No tornozelo as fraturas, entorses e lesões osteocondrais.»
Em trinta anos de trabalho, foram muitos os desafios e casos de grande aflição que lhe ficaram na memória. Muitas as emoções. «Lembro-me de um rapaz de 15 ou 16 anos, jogador da seleção nacional de andebol, que me procurou há vários anos com uma grave lesão ligamentar múltipla do joelho. Tinham-lhe dito que o problema não teria solução e não poderia voltar a jogar, mas mesmo assim veio à consulta com a mãe pedir uma quarta opinião, porque não se conformava em deixar aquilo que mais gostava de fazer», conta o especialista. A avaliação clínica foi catastrófica. «Confesso que tive dificuldade em saber por onde começar.» Por fim, a fé inabalável de ambos convenceu-o a operar. O rapaz excedeu-se no pós-operatório, conseguiu-se um resultado notável e ele voltou a jogar. «Escreveu-me depois uma carta de agradecimento, de uma ternura e simpatia que recompensam a escolha de ser médico», recorda.
Numa altura em que qualquer um pratica desporto sem antes se submeter a um exame de avaliação médico-desportiva, João Espregueira-Mendes defende a criação, em Portugal, de um instituto público de traumatologia desportiva que disponibilize cuidados de prevenção, alimentação, psicologia, registo epidemiológico, exames de diagnóstico e tratamentos médicos e cirúrgicos. «Somos dos poucos países europeus que não tem uma instituição pública com a globalidade destas valências, que devem ser complementadas com investigação e ensino», diz, garantindo que as lesões nas cartilagens saem mais caras aos sistemas de saúde do que os cancros e enfartes. «Não se aceita que um desportista seja tratado num hospital sem esta especialização.» Os dois milhões de portugueses que praticam exercício físico regularmente merecem o melhor.