
Nesta semana europeia varrida por um sismo, escolho uma ondinha de choque. E acontecida no epicentro, na França que votou vencedora a Frente Nacional – «a FN não é um partido de direita, é um partido fascista», lembrou não uma personagem qualquer, mas o ministro das Finanças alemão Wolfgang Schäuble. Pois, nessa França, o líder da oposição Jean-François Copé demitiu-se porque não só o UMP, o seu partido, teve um resultado dececionante como ele próprio foi envolvido numa traficância. Um affaire de corrupção em que está enredado e ele teve a imprudência de começar por negar o que veio a revelar-se ser verdadeiro. E chegamos ao assunto. Há meses, uma colega de Copé, Nadine Morano, política assanhada e useira do Twitter, tinha escrito uma frase assassina quando um adversário político cometera os mesmos erros, de fraude e mentira. Escreveu ela, então: «Os corruptos e mentirosos devem ter uma pena exemplar e ser interditos de eleição para sempre.»
Ora, agora que o seu amigo e correligionário Copé incorreu nos mesmos pecados, do que se lembrou a cabeça quente da Nadine? Do mais infeliz e menos discreto dos gestos: foi à sua conta do Twitter e apagou a frase antiga. É como entrar em casa de madrugada, pé ante pé e com a consciência pesada, soprando um apito e batendo num bombo. O tuíte enterrado ressuscitou aos berros, porque há sempre um internauta que guarda os tesourinhos deprimentes. E quando os autores se arrependem e os tentam suprimir, alguém volta a retuitá-los com este aviso que causa escândalo: «Tentaram apagar isto!». A frase antiga de Nadine Morano, vítima de falhada tentativa de silenciamento, tornou-se um dos acontecimentos da semana. Na Internet, a tentativa de silenciar um texto, documento, foto ou vídeo é como lhe pôr um altifalante. Chama-se a isso «o efeito Streisand».
Em 2003, a cantora Barbra Streisand irritou-se por ver publicada uma foto da sua mansão imponente, quase arrogante, com piscina em forma de feijão, numa falésia sobre a praia de Malibu, em Los Angeles. Ela pôs um processo ao fotógrafo, acusando-o de violar a lei antipaparazzi californiana, que protege a privacidade das vedetas. O tribunal acabou por dar razão ao fotógrafo, que disse estar a fazer um trabalho não sobre a cantora, mas sobre a erosão da costa. Por essa altura, já a foto do casarão tinha explodido nos computadores: nos primeiros dias da queixa debatida nos tribunais, mais de quatrocentas mil pessoas a tinham visto! Apagar na internet o que quer que seja é meio caminho andado para uma ampla divulgação…
O efeito perverso ficou ainda mais claramente demonstrado quando Barbra Streisand tentou tornear as consequências. Já que lhe mostravam a mansão de forma subreptícia, ela decidiu abrir as portas, literalmente. Pagou a feitura de um vídeo com título poético (A Private Tour), uma visita privada narrada por ela própria à sua casa, com piano lânguido dedilhado ao fundo e com os portões brancos abrindo para a nossa entrada. O vídeo está há anos no YouTube e tinha 24 688 visualizações quando lá fui esta semana, um vigésimo do que fora visto há dez anos, como fruto proibido, em poucos dias… As visitas feitas pela fechadura são sempre mais populares do que as permitidas pelas portas abertas.
A internet, afinal, só veio sublinhar a lei antiga: a oposição abrupta (e o que é mais radical do que uma supressão?) é geralmente mais ineficaz do que os métodos suaves. A porta entreaberta é melhor que fechada (os empregadores dizem sempre: «Voltaremos a contactá-lo»). Com a verdade me enganas (os encontros dos amantes são mais prudentes em sítios públicos do que em ermos onde não há justificação para estar). O protelar é melhor do que desiludir («de momento não temos em stock, mas estamos à espera»). Enfim, as tolices antigas não são para tocar, apesar de ser forte a tentação de as esconder – só levanta o pó.
Publicado originalmente na edição de 1 de junho de 2014