A Colômbia é o segundo maior produtor de flores do mundo. Oitenta por cento dos trabalhadores são mulheres. Sobretudo mães solteiras, ou divorciadas, ou vítimas de violência doméstica. É trabalho duro, mas também é tábua de salvação para quem quer reconstruir a vida.
Viviana Bravo tem as unhas pintadas de vermelho, mas os dedos sujos de terra e cheios de feridas. Anda de volta das roseiras desde as seis da manhã, mas está grávida de seis meses e por isso cansa-se mais depressa, não consegue cortar ramadas tão rápido como as colegas. «O meu problema é que elas vão andando e levam o rádio, fico sem música», lamenta-se. De facto, as companheiras de Viviana já levam de avanço uma vintena de corredores naquela estufa. A batida da salsa, com o volume no máximo junto ao grupo, não é mais do que um fio de som junto à que vai de esperanças. «Com música trabalha-se melhor, até as rosas dançam para os cestos.»
Tem 32 anos, dois varões e uma rapariga em casa, mais outra a caminho. O marido batia-lhe, batia nos gaiatos e um dia bateu-lhes tanto que ela lá arranjou coragem de sair de casa. «Foi por eles, não foi por mim.» Refugiou-se na casa da mãe, primeiro, «e como é que agora vou alimentar estas bocas todas?» No dia em que encontrou trabalho no El Tantil, uma das maiores empresas de floricultura do país, descobriu que estava grávida. «Pensava que iam despedir-me, mas deixaram-me ficar. É trabalho muito duro, mas ganho o mínimo.» O mínimo são 580 mil pesos, pouco mais de 200 euros. Dá para pagar a renda e pôr feijão na mesa.
A Colômbia é o segundo maior exportador de flores do mundo, atrás da Holanda. Todos os anos, a indústria fatura mais de mil milhões de euros, sobretudo em vendas para os Estados Unidos e a Europa, e também para Portugal. Quase todos os cravos, crisântemos e rosas que encontramos nas nossas floristas vêm do outro lado do Atlântico, embalados a frio e transportados por avião. Perto de dez mil hectares de terreno são cultivados intensamente por cem mil trabalhadores, sobretudo na zona de Bogotá.
As mulheres constituem oitenta por cento da força laboral da indústria florícola colombiana. «Uma boa parte são pessoas em situação de risco», diz Sandra Herrera, diretora de Recursos Humanos do El Tantil. «Esta indústria é um refúgio para as mães que foram vítimas de maus-tratos ou abuso dos maridos. Muitas não conseguem abandonar as casas porque não têm competências e não sabem como vão alimentar os filhos, se deixarem os agressores.» Ali o trabalho é duro, mas não é qualificado. Todos os dias chegam dezenas de mulheres pobres, sem competências, desesperadas.
Organizações de direitos das mulheres como a Women Network reconhecem a tábua de salvação que a indústria florícola representa para as mulheres colombianas, mas também condenam a dureza do trabalho e o abuso de direitos laborais a que as trabalhadoras estão sujeitas. «Estas mulheres trabalham de acordo com objetivos de produtividade, em contratos que duram de três a seis meses. Muitas ficam doentes e algumas têm abortos espontâneos, cuja causa pode estar relacionada com os pesticidas», lê-se num relatório de 2011 da Amnistia Internacional. Um ano mais tarde, a Colômbia reforçava as leis de sanidade laboral e obrigava ao uso de máscaras de gás durante a aplicação dos pesticidas e o isolamento das estufas no período imediatamente a seguir.
À volta das estufas há grandes aldeias de casas pobres, construídas apressadamente para acolher quem lá trabalha. «Venho todos os dias de bicicleta», diz Angela Triviso, 34 anos, as unhas também pintadas e os dedos também cortados por cicatrizes. «Às seis já estou na estufa, com a tesoura de poda.» Cortar a ramada da flor, limpar os espinhos e atirá-la para os cestos de plástico. Quando estão cheios, os caixotes são recolhidos por uma carroça puxada a cavalo e levadas para a unidade de transformação. Mas já lá vamos.
Todos os dias, antes de saírem, às 14h00, há pausas e exercício físico com caráter obrigatório, uma imposição da nova lei. Angela e as colegas juntam-se à porta da estufa, formam um círculo no relvado e seguem as instruções dos professores de educação física. Levantar os braços, rodar a cintura, esticar os dedos. Há risos e empurrões, algumas retocam a maquilhagem, e agora há mulheres com pestanas salientadas a rímel e lábios coloridos, mas têm a roupa e a pele sujas de terra. «Queres casar comigo, gringo?» E riem, riem, riem.
A propriedade ocupa 650 hectares de terreno, onde são plantados 52 tipos de flores diferentes. Também há várias cantinas, onde se pode comprar uma sopa de mi abuela por pouco mais de 30 cêntimos. «Trabalham aqui 250 pessoas, têm de almoçar por turnos, senão não cabe toda a gente», explica Jorge Butraigo, o botânico que comanda as operações em El Tentil. Nas paredes alguém desenhou um «rosómetro», para avaliar o número de colheitas de cada trabalhadora. As melhores vão parar ao quadro das lebres, a pior ao das tartarugas. «Quanto mais flores apanharem, mais dinheiro recebem.»
A herdade fica a trinta quilómetros de Bogotá, a 600 metros de altitude, e às vezes faz um frio de gelar os ossos. Maria Celi já leva vinte anos de artroses e, por tudo isso, para as outras é a matriarca. Hoje vão entrar 56 novos trabalhadores no El Tentil, e a mulher leva-os para uma sala com bancos de madeira, que os primeiros dias são de formação. «Há coisas aqui que são inegociáveis e dão despedimento direto», avisa a diretora de recursos humanos para a audiência. «O álcool, as drogas, o não cumprimento de horários, as agressões e os roubos. Não roubem o almoço de ninguém. Se tiverem fome, falem com o vosso chefe que alguma coisa se há de arranjar.»
Há uma horta comunitária que serve precisamente para remendar apertos, quando falha a comida a alguém. É mantida pelas chefes de unidade e também são elas que têm de recolher a roupa de trabalho de toda a gente, para ser desinfetada ao fim de cada semana. «Aqui tomamos conta umas das outras», diz Maria Celi, com uma voz que é toda coragem. «As mulheres que aqui me chegam vêm normalmente sem amor próprio e olhos negros, e nós temos de ajudá-las a sentirem-se alguém.» Há aulas gratuitas depois dos turnos, para quem quiser aprender a ler. E é também por isso que estimulam que elas se arranjem, andem de unhas pintadas. «Pois se te sentes bonita tens menos medo, e se deixas de ter medo então começas a controlar a tua vida.»
Quando as carroças recolhem as caixas de flores elas são levadas para uma unidade de transformação que não é mais do que uma fábrica cheia de câmaras frigoríficas. «Primeiro separamos os ramos por tamanhos e nível de abertura dos botões», explica Carolina Melo, a engenheira que lidera o setor da transformação. «Depois limpamos novamente os espinhos, embalamos segundo as encomendas, humedecemos com os borrifadores e armazenamos nas câmaras frias. Só em rosas, que é a principal flor que produzimos, temos capacidade para exportar 300 mil por dia.»
A folhagem que sobra, e as flores que não prestam, são metidas em tanques e usadas mais tarde como adubo para as plantações. Dentro da fábrica, as mulheres aceleram, é preciso enviar um carregamento de rosas ainda hoje para o Canadá. E, às tantas, Aura Chinchilla, que é uma beldade de 21 anos, diz isto: «Este trabalho pode ser duro, podemos sair daqui todas arranhadas, podemos andar sempre com a roupa suja. Mas também sabemos que, no outro lado do mundo, as nossas flores estão a fazer alguém feliz.»