Ela queria viver

Pode a luta contra o cancro ser também um passo para a descoberta de nós próprios? De quem somos e o que andamos cá a fazer? Foi esse percurso que encetou Vânia Castanheira quando, aos 32 anos, lhe foi detetado cancro na mama. Transformou essa luta numa experiência de vida, e partilhou-a, escrevendo um livro.

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Vânia Castanheira travou a maior batalha da sua vida ao longo de 2013, aos 32 anos. E não foi só contra o tumor ma­ligno que descobriu ter na ma­ma. Durante esse tempo ques­tionou-se sobre o percurso que tinha feito até àquele dia. O que teria corrido mal? E co­mo se resiste? Vânia percebeu, durante a fa­se mais dura da doença, que para encontrar o caminho da felicidade há que responder a três perguntas: quem sou? (o desafio de des­cobrir quem na realidade somos, o trabalho de aprender a não depender dos outros), on­de vou? (encontrarmos o propósito funda­mental da nossa vida) e com quem? (o pro­cesso de se abrir para o amor e encontrar os verdadeiros companheiros de jornada).

Estes são os conselhos do escritor e te­rapeuta argentino Jorge Bucay que Vânia subscreve e que estão na página 12 do seu li­vro O Cancro Foi a Minha Cura, que vai ser lançado no dia 17 de abril, em Lisboa. Estes conselhos ajudaram esta jovem mulher, que aos 32 anos foi colocada entre a espada e a parede, a combater a sua doença. E, mais: a descobrir quem era.

Vânia nasceu em Moçambique e cresceu em Cascais. Aos 14 anos decidiu o seu futuro até aos 30, tinha até uma daquelas listas on­de enumerara «todas as coisas que queria fa­zer antes de morrer». Formou-se em Comu­nicação Social e Cultural na Universidade Católica, fez um ano de intercâmbio em Ro­ma, trabalhou alguns meses como jornalis­ta na SIC Notícias e, seis meses depois de ter­minar o curso, mudou-se para o Brasil. Mo­rou no Rio, em São Paulo, namorou com o Pedro, casou com o Rodrigo. Hoje mora em São José dos Campos. E quando mais queria ter um filho, apareceu-lhe um cancro.

Era um caroço na mama esquerda, perto do tórax. Algo que dava para ver a olhos vis­tos e que não estava naquele sítio no mês an­terior, tal como indicara a ecografia de pre­venção que fazia anualmente. Fez exames em novembro e dezembro de 2012 e, após ter regressado ao Brasil de umas férias de Natal, começou 2013 como o «ano do fim do mun­do!». Seria a caminhada mais difícil da sua vida. Por dentro, pensava: «Será que é mes­mo a vida…a morte…não…não pode ser. Não pode acabar assim».

Vânia decidiu que não se deixaria aba­ter e que iria enfrentar tudo e todos. No li­vro, conta que jamais pensou que iria mor­rer, não queria sequer dar azo a esse tipo de pensamentos. Queria entender porque é que tinha cancro, sentir-se como uma pacien­te oncológica, mas não «uma vítima». Re­solveu dar-lhe luta. Por si e por todas as pes­soas que a amavam: pais, irmãos, marido, amigos. A sua opção foi «enfrentar os pro­blemas olhos nos olhos, com soluções, opor­tunidades, desafios. Era isso ou definhar, en­trar numa espiral negativa cuja saída seria demasiado complicada. Eu queria viver». E depois de duas cirurgias, muitas dores de ca­beça, medos e coragem, veio a quimiotera­pia, a que apelida de «rainha de copas». Te­ria de ficar careca, feia, fraca e frágil. Pensou que iria tornar-se num vegetal durante um ano. O médico aconselhou-a a congelar óvu­los. Passou por todo o processo como uma «guerreira». Havia dias que se forçava a co­mer, sobretudo coisas frescas: açai, abacate, gelados, um pouco de frango (biológico), ar­roz integral e bróculos. O tumor era agressi­vo e tendia a crescer rapidamente.

Vânia sabe, hoje, melhor que nunca, pa­ra onde vai. Prefere não focar-se numa vida de ses e centrar-se mais no futuro próximo. Aprendeu que o «ter» não traz felicidade e que o stress e a ansiedade são a principal cau­sa de males como o cancro. O testemunho que partilha com todos os leitores no livro que agora edita serve, acima de tudo, como um alerta de quem já passou por uma situa­ção que a levou a perceber o que são os limi­tes que temos de colocar a nós próprios para evitar sofrimento.

Hoje, passada a tormenta da quimio e da rádio, começa os dias com um «excelente» pequeno-almoço. O cancro de que padeceu, um triplo negativo, poderá voltar a manifes­tar-se nos dois primeiros anos e, por isso, to­dos os cuidados são poucos. «Uma forma de o combater é ter um equilíbrio entre alimen­tação, atividade física e mente. O tal corpo-mente-espírito. Por isso, este equilíbrio é ago­ra a minha prioridade», conta. Para atingir essa meta, pratica yoga (em casa) e medita­ção. «Sabermos respirar no dia a dia e nos mo­mentos mais difíceis, faz que sejamos mais assertivos nas nossas tomadas de decisões. Posso até afirmar que somos mais felizes!»

A fé também foi importante ao longo des­te último ano. Os amigos e familiares, mal souberam do diagnóstico, começaram a en­viar-lhe orações, santos, santinhos, meda­lhas, indicações para ir a determinados lu­gares… e Vânia diz que se «apegou a tudo». Mas nunca pediu nada, apenas agradeceu tanta proteção e tanta força interna que lhe foi dada pelo carinho e atenção de todos os que a rodeiam.

Principalmente pelo Rodrigo, o marido, que tem sido o seu principal suporte e que também escreve um testemunho sobre a doença da mulher nas últimas páginas do livro. «Passámos juntos por uma transfor­mação física e psicológica. A transforma­ção física é muito sensível aos olhos. Caem os cabelos, sobrancelhas, o rosto fica inchado e o metabolismo da mulher muda comple­tamente. Nesta fase você descobre natu­ralmente que o mais valioso está pulsando lá dentro…» Por isso, Rodrigo dizia todos os dias a Vânia que ela era a mulher mais bonita do mundo: «Para mim, chamá-la de linda durante todo o processo foi muito natural, linda era a vontade de viver e en­sinar a mim e aos outros como podemos dar a volta por cima na pior das situações.» Juntos passaram por cima de todas as con­trariedades e bloqueios e, sabem hoje, que o caminho dos dois é o da felicidade.

O que Vânia mais recomenda hoje a to­da a gente, quer através do blogue Minha Vida Comigo ou das palestras que dá, é que não vale a pena viver uma vida louca para «ter um carro melhor, uma roupa melhor, um blá-blá-blá melhor?! Realmente, vive­mos num mundo doente e a sociedade obri­ga-nos a esta correria. Exige que sejamos os melhores em todas as áreas. Mas será que nós temos de corresponder a essa deman­da?». Ela diz que não, não temos. E sabe bem, muito bem, porquê.