Dicionário ilustrado: Quantidade

Notícias Magazine

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dedicado a Stelarc

Investe como um touro contra os hábitos, a tecnologia é isto: um animal que organiza expressivamente, e de maneira material, o ódio ao passado.
Esse ódio torna-se visível, é concreto, existe no espaço da sala; não é apenas um ódio de subterrâneo, não é sentimental nem lírico, nem apenas projecto de más intenções; tem corpo, comprimento, largura e volume, tem botões, alavancas; é, pois, um ódio organizado; um sentimento que se tornou impessoal e portanto útil, utilizável: uma nova invenção é a manifestação utilizável de um ódio ao passado, eis uma expressão possível.
E ter três braços deixou de ser uma mitologia horrorosa para passar a ser, da parte dos maluquinhos-por-tecnologia, um poema útil, um poema fisiológico que se atira deste ponto para o futuro: e que tal ter três braços pousando em bom ritmo sobre as teclas do piano e arrancando dele a melodia perfeita em aceleração imprevista?
Porque a beleza do som do piano pode aumentar quando o pianista tem três braços, em vez de dois, eis o que alguns poderão dizer. Belo é um índice que vem dos deuses, é certo, mas mesmo assim não será imune à quantidade. 3 é 3, 2 é 2.

Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
Publicado originalmente na edição de 7 de setembro de 2014