
Sejamos claros: a ordem é tão necessária quanto a melancolia. Uma e outra, aliás, estão ligadas. É uma certa inclinação da memória que faz aparecer o instinto da arrumação, da ordenação, da classificação. Antes de o mundo ser mundo – variado e barulhento como é – talvez fosse apenas um ponto, e é desse tempo que a melancolia sente falta.
Contar é uma tarefa que apareceu depois de se perceber que o tempo existe. O 1, 2, 3, 4 existe porque existe espaço e tempo. A matemática apareceu porque o Homem não morreu logo no início. A espécie fundou, portanto, ao mesmo tempo, a ciência dos números e a melancolia.
Uma certa tristeza que ainda se sente quando estamos diante de uma parede coberta de números ou gráficos. Uma tendência quase exacta para cair no desespero.
O mundo humano quis introduzir, é certo, um certo lirismo em certas equações, mas o que sucedeu foi o inverso: o lirismo como que ganhou o vício da contabilidade: quanto sofri? quanto sofreu uma cidade?
Porém o sofrimento desarruma. Isto é: a humanidade continua por endireitar. O que é muito bom e muito bom.
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
[Publicado originalmente a 23 de novembro de 2014]