Confissão de uma mais do que inveja

Notícias Magazine

Lembram-se do filmeUp in the Air? Um tipo acumula milhas, voa 300 dias ao ano, tem métodos rápidos de dobrar o fato, usa perfume com menos de 100 ml para só precisar de malinha de cabina e, entre cada viagem exata e seca, de St. Louis a Filadélfia, passando por Miami, exerce a sua profissão: despede pessoas. O filme apareceu em 2009, o mundo já andava preocupado com ter emprego, ou não, no dia seguinte. Por isso, o título. Em inglês, up in the air diz-se de coisa muito incerta. Em Portugal o título foi razoável, Nas Nuvens, mas não se abrem crónicas com títulos razoáveis. Sabem qual foi o título do filme no Brasil? Amor sem Escalas. Não culpem o tradutor, culpem o tipo do avião, o ator: George Clooney. Basta ele no elenco para desviar um (muito bom) filme sobre um drama moderno e tentar fazê-lo aterrar numa pista xaroposa. Mete o bonitão? Então, há que alertar a espetadora para isso. Ceguinha de todo, como Ray Charles, ela vai comprar o bilhete: oh, George on my mind… Com Clooney tinha de haver «amor» no título, como a vedeta que o levou neste fim de semana pelo Grande Canal de Veneza também se chamava Amore.

Pelo lado das mulheres, estamos falados. George Clooney é um caso de suspiros galopantes. Visto pelos homens, ele é um caso muito mais interessante. Há uns anos, o brasileiro Luis Filipe Verissimo tratou do assunto numa crónica intitulada: «O Verdadeiro George Clooney». Uma crónica de cornudo, que é o que somos todos nesta matéria. Nela, Verissimo, que é gordinho, rodas baixas, careca e caixa de óculos, vingou-nos a todos. Mostrou George Clooney como ele, infelizmente, não é. Começou por dizer como ele, para mal dos nossos pecados, é: «É bonito. É charmoso. É bom ator. Faz bons filmes. Está envolvido com as melhores causas. E que dentes!» Dessa premissa, Verissimo passou para a conclusão: «Não temos defesa contra esse massacre. Só nos resta a calúnia.» E o cronista rematou: «É solteiro, portanto, claro, gay. Tem casa num dos lagos italianos, o que já é suspeito, e dizem que anda pelos seus chãos de mármore depois do banho de espuma vestindo um longo cafetã bordado e sendo borrifado com perfumes florais pelo seu amante filipino Tongo, enquanto o seu amante italiano, Rocco, prepara a salada de rúcula completamente nu.»

A crónica tem anos e, desde o passado fim de semana, estamos mais desarmados do que nunca. Agora, Clooney é casado, portanto, claro, hetero. Claro coisa nenhuma, eu sei, mas com aquele queixo firme, o raio das cãs tão bem plantadas, a ironia, os bons filmes e ainda por cima oferecendo para os pobres o dinheiro que a Hello! lhe pagou pelas fotos do casamento, basta qualquer desculpa – «I do, sim, aceito a Amal para minha mulher» – para desfazer qualquer calúnia nossa. O que fazer?

Irmãos de aspeto comum, viram Amal Alamuddin? Lindíssima, olhos negros como só os do Levante… Mas há uma foto dela, tirada de costas na festa do casamento, de casaquinho e calças brancas. A perfeição ficaria na exata média entre as medidas dela e as de Kim Kardashian. Perceberam a mensagem? Clooney não quer que tenhamos inveja dele. Inveja é cobiça por aquilo que os outros têm. Tínhamos inveja de Carlo Ponti, nem se lembram, era o marido de Sophia Loren. Careca e gordo como o Luis Filipe Verissimo. Temos inveja de Romain Dauriac, que nem sabemos se é gordo e careca, só sabemos ser o homem de Scarlett Johansson.

George Clooney quer mais do que inveja. Quer que queiramos mais do que ter o que ele tem. Não inveja, quer invejona: que queiramos, mesmo, ser ele. Bonitão, muito rico, charmoso e irónico, quando não está de laço, está de jardineira a fugir da prisão e é a única pessoa do mundo do género masculino capaz de dizer uma frase inteligente e ter os olhos pestanudos. A Lauren Bacall fazia isso mas, lá está, não podia entrar neste campeonato: eu nunca quis ser a Lauren Bacall!

 

Publicado originalmente a 5 de outubro de 2014.