
A distinção que o chef Miguel Laffan recebeu acabou com o efeito de «segredo mais bem guardado da cozinha portuguesa». O homem que pôs o Alentejo no Guia fala do que muda depois de uma estrela. Muita coisa, claro está. Eis a história do chef que conquista até os que já não têm pachorra para chefs.
Ganhar um Óscar vem com encargos. Uma pessoa tem de preparar discursos, tentar não chorar e evitar beber de mais nas festas a seguir. Ganhar a primeira estrela Michelin do Alentejo não obriga a nada disso. Quando o chef de Cascais Miguel Laffan, 34 anos, conseguiu esse feito para o restaurante do hotel L’AND Vineards Resort, à entrada de Montemor-o-Novo, sentiu apenas uma enorme alegria. E não precisou de fazer discursos.
Esta distinção premeia uma nova atitude gastronómica, algures entre uma arrojada fusão de estilos e a celebração de um certo lado tradicional da comida portuguesa e, por arrasto, da gastronomia alentejana. Foi em novembro do ano passado, mas a memória nunca fica curta. «Claro que foi uma alegria enorme. Apesar de estarmos a trabalhar para a estrela, não estava a contar que fosse logo em 2013!», confirma.
De todos os prémios da indústria gourmet, as distinções Michelin são para Laffan as mais fiáveis, sobretudo pelo processo coerente. «O pessoal do Guia Michelin chega a um restaurante, come, paga e vai-se embora. Ninguém nos diz nada… Claro que eu às vezes desconfio. Um dos júris penso que foi um senhor espanhol que fez questão de se sentar sozinho numa mesa sem vista para a paisagem e que esteve a provar tudo com muita atenção. Enfim, agora fala-se muito do guia dos World’s 50 Best… Caramba, o que é isso? Uma série de jornalistas a votar por tendências? Não pode ser…»
Criado numa família de 11 irmãos (seis raparigas, cinco rapazes, ninguém cozinha, apenas a inspiração da mãe, uma hippie que viajava muito), Miguel não nasceu para ser chef. Aliás, esta entrada no mundo da alta-cozinha não foi algo que tenha surgido como desígnio de carreira, antes pelo contrário. «Sou autodidata. Um menino de Cascais que chegou a estar bem de vida… Mas a quem o ano 2000 deitou tudo abaixo. Foi no Brasil que comecei. O meu pai tinha lá um amigo, com um restaurante, que precisava de ajuda. Devo dizer que já cozinhava, embora só na brincadeira, para os amigos… Tinha 20 anos. Entretanto, regressei a Portugal para levar a vida mesmo a sério e a única coisa que sabia e gostava de fazer… era cozinhar. Trabalhei muito porque a minha família precisava, os tempos estavam extremamente difíceis e tinha um bebé para cuidar».
A crise ou as crises têm destas coisas… Hoje, o menino de Cascais diz que está apaixonado por Montemor. «Dá para relaxar e tenho uma vida muito intensa…» Sempre que pode, prefere produtos da região, em especial dos pequenos produtores que apostam em produto de qualidade.
Enquanto provamos as vieiras à brás, ouvimos Miguel a combinar um showcooking em Paris. Isso e apresentações e presenças nos media. Sim, ainda e sempre o mediatismo da estrela Michelin. De repente, Laffan tornou-se o novo chef coqueluche da imprensa. Isto apesar de não ter caído de paraquedas neste mundo. Há até uma agência a tratar da divulgação do seu nome. Ainda assim, Miguel continua a ser um chef low profile para quem é um prazer viver no Alentejo (o facto de Montemor-o-Novo estar a uma hora de Lisboa ajuda).
Mas um chef é como um treinador de futebol: tem de ter a mala sempre pronta. Antes do Alentejo, dirigiu com sucesso a cozinha do famoso Hotel Casa Velha do Palheiro, no Funchal e, na mesma cidade, a do Hotel Quinta da Casa Branca, depois de ter sido assistente em cozinhas com estrelas Michelin, como Les Jardins des Remparts, em Beune, em França, Le Clous de la Violette, em Aix-en-Provence, também em França, e no histórico Fortaleza do Guincho, mesmo ao lado da terra onde nasceu. A mala pronta significa também viagens de trabalho, porque a sua técnica é partilhável lá fora. E do estrangeiro, sobretudo da Tailândia, vem muita da inspiração para os sabores criados. Que o diga quem arriscar no menu de degustação do L’AND, que custa 70 euros.
Antes de nós, a TVE, televisão espanhola, está no restaurante para uma entrevista. Como fica o ego de um chef depois de toda esta exposição? «Pode ser mau para o ego, claro, mas tenho muito clara a noção do que é a figura do chef e de quem eu sou. Tenho também a consciência que daqui a um ano posso ser apenas mais um. Penso que neste momento se fala em demasia dos chefs. Daqui a uns tempos vamos conhecer o reverso da medalha. Não sei se já entrei para o tal clube dos chefs famosos, mas não é isso que me move.» O que o move então? Mais uma estrela? «Duas estrelas Michelin é muita fruta» dispara, com um sorriso. Bom, as sobremesas com fruta de Miguel Laffan são de comer e chorar por mais…
«Olho para os restaurantes do Villa Joya e do Ocean e torna-se difícil quantificar. Aquilo, para mim, já é para a terceira estrela…» Por agora, Miguel só pensa em dar vazão à procura do restaurante. Sim, uma estrela Michelin em pleno Alentejo é um trunfo comercial fortíssimo. O restaurante começou a encher depois da estrela, claro, e, sobretudo, a atrair muitos portugueses, a maior parte vindos de Lisboa. Alguns deles chegam desconfiados e com vontade de cobrar a distinção. «Apanho com cada um! Toda a gente acha que é perita em cozinha», desabafa o chef.
O plano, no futuro próximo, é desdobrar-se para o novo L’AND, no Alqueva, com abertura para 2015. O Alentejo arrisca-se a ser terra de estrelas Michelin. Sempre a céu aberto.