É, seguramente, uma das mulheres que mais sabe sobre vinhos no mundo inteiro. E as decisões dela podem influenciar milhões de consumidores – e gerar milhões de euros. Debra Meiburg, Master of Wine, admiradora confessa dos vinhos do Porto, passou recentemente por Portugal.
Nasceu na Califórnia e toda a vida teve contacto com o vinho. Cresceu em Sonoma County, zona de vinha, mas só mais tarde, já adulta, isso se tornou profissão. Acabou por se radicar no Extremo Oriente e gradualmente foi entrando no mercado do vinho e dos espirituosos. Está há 28 anos radicada em Hong Kong, onde chegou como consultora de contabilidade da PricewaterhouseCoopers. Hoje, aos 54 anos, é uma das mais conceituadas consultoras sobre vinho no mundo inteiro, com especial enfoque no mercado asiático.
Depois de anos e anos a provar muitos vinhos e a estudar os meandros de um negócio lucrativo, em 2008 obteve o título de Master of Wine, a distinção profissional – e académica – mais importante do setor, um título atribuído pelo Institute of Masters of Wine, fundado em Londres em 1955, apenas acessível a quem conclui os seis intensos anos de estudo e trabalho em redor do universo da bebida. São pouco mais de trezentas pessoas em todo o mundo, distribuídas por 24 países, que podem adicionar as letras mágicas MW após o nome. Não há nenhum português.
A especialista passa grande parte do tempo a viajar e a dar conferências a empresários e personalidades na China, sobre como perceber e gerir o valor do vinho, em termos de negócio. E fora de portas a sua atividade não é menor, com uma média de setenta eventos por ano. No primeiro Port Wine Day, celebrado a 10 de setembro – o dia em que, em 1756, se estabeleceu a região demarcada do Douro –, Debra esteve em Portugal a convite do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto.
A norte-americana é mais do que uma especialista em vinho. Tornou-se, ela própria, uma marca conceituada. Em 2012 foi considerada pelo Vinitaly, um certame central do negócio do vinho, a sétima mulher mais poderosa do mundo no setor de bebidas. Fundadora e diretora do Cathay Pacific Hong Kong International Wine & Spirit Competition, o primeiro concurso internacional de vinhos na Ásia, organiza eventos sobre regiões que lhe parecem merecedoras de atenção em todo o globo. O seu site, debramasterofwine.com, conta com milhões de visitas por ano (só na China) e os pequenos vídeos online que faz com dicas, entrevistas a produtores e enólogos e visitas a regiões demarcadas (já passou Douro) são um sucesso. Entretanto desenvolveu também produtos educacionais e de entretenimento, como as duas mil fichas de estudo «Grape Cues Collectors’ Series», destinadas a estudantes, colecionadores e apreciadores em geral.
É autora de quatro livros sobre o negócio do vinho. Debra Meiburg’s Guide to the Hong Kong Wine Trade é, possivelmente, o mais marcante. Uma espécie de Bíblia para o lucrativo negócio de vinho em Hong Kong e uma obra essencial para produtores e negociantes de vinho que pensam exportar para aquela região da China. Em 2013 editou uma versão adaptada a Xangai, um mercado bem diferente. «É difícil de explicar», diz. «Talvez um bom paralelo, ainda que imperfeito, seja a relação de Portugal com a União Europeia.» A razão é simples: Hong Kong ainda é mencionada na China continental como qualquer coisa exterior, ainda não absorvida culturalmente. «Xangai é uma espécie de Paris, Hong Kong é uma espécie de Nova Iorque. E Pequim tem um valor patrimonial, como Washington para os EUA.»
Os valores de negócios, sejam no vinho ou em qualquer outro setor, são, quando se fala do gigante asiático, enormes. «Ainda há pouco tempo um grande empresário da metrópole fez um donativo de 350 milhões de dólares à Universidade de Harvard!» São inimagináveis as fortunas que existem atualmente. E Hong Kong permanece, de qualquer forma, ainda a capital do consumo de vinho. Xangai está mais aberta a vinhos do Novo Mundo, especialmente Austrália e Califórnia, enquanto Pequim se mantém muito fiel a Bordéus.
Ao analisar o mercado e aconselhar investimentos, Debra Meiburg é, de certa forma, uma definidora de tendências. E uma avaliadora que sabe reconhecer as oportunidades de negócio que se podem abrir para empresários do vinho. Isto passa por saber reconhecer a adequação da oferta vínica de certa região ou país a cada subregião chinesa. Ao longo da última década, por exemplo, os vinhos italianos e espanhóis conseguiram marcar muitos pontos de atenção em Hong Kong, para acompanhar um prato típico, dim sum. A finger food, comida para comer com as mãos, é muito popular naquela cidade e de repente houve abertura para a conjugar com vinhos do Velho Mundo. Portugal pode ter uma palavra a dizer neste capítulo, mesmo incluindo castas internacionais. A tendência geral é mais de libertar os vinhos de excessos de estágio em madeira do que exibir estritamente castas autóctones, até porque muitas delas são totalmente desconhecidas e impronunciáveis em países distantes. Primeiro há que seduzir pela qualidade e adequação, depois então poderá dar-se a descoberta; o momento em que seremos visitados para nos conhecerem melhor.
Debra conhece Portugal mas quer conhecer melhor. Tem fascínio pelo Douro, onde fez um filme da sua série há três anos. O Porto Vintage, da sua eleição, tem muita aceitação em Hong Kong, principalmente porque representa um certo luxo e raridade, e atinge naquela praça preços bastante elevados. As outras categorias de vinho do Porto têm geralmente menos procura, à exceção de alguns tawnies clássicos, mais raros (e caros). Mas a especialista reconhece um valor forte nos vinhos portugueses, pela diversidade e especificidade das suas regiões vitivinícolas. O vinho da Madeira faz também parte da lista de preferências da Master of Wine, tendo feito harmonizações brilhantes com comida chinesa, tanto tradicional como vanguardista – a casta Boal combina bem com pato à Pequim, por exemplo, uma descoberta recente, recomendação nos seus escritos de viagem, curiosamente quase na véspera do derradeiro exame para o título de Master of Wine, em 2008.
A sensibilidade e a capacidade invulgar de Debra para encontrar utilidades gastronómicas específicas em vinhos de proveniências remotas pode significar qualquer coisa que Portugal não deve deixar fugir. Pode ser que o nome da norte-americana ainda surja por aí associado a seminários, brainstormings com produtores e líderes da fileira vitivinícola nacional.