A “minha” Moda LX

Notícias Magazine

Não era a primeira vez que ia à ModaLisboa, mas era dia de estreia para mim. E estreia dupla, ainda por cima.

Quando comecei a cantar profissionalmente, percebi que seria melhor estar informada acerca do trabalho dos criadores nacionais e internacionais, pa­ra que pudesse escolher a roupa que melhor me assentava. Conheci o trabalho do Ricardo Preto, um dos criadores de moda mais interessantes do país, em 2012. Desde aí, ele tem-me vestido para o palco e desenvolvemos uma amizade forte. Encontrei finalmente um parceiro em quem confio a construção de uma imagem que seja fiel à minha essência.

Há já um tempo que falava de me ter num desfile seu a cantar. Neste ano, o Ricardo teve a honra de poder fazer o seu desfile para a ModaLisboa no edifí­cio da Câmara Municipal de Lisboa, no salão nobre dos Paços do Concelho. Era, pois, uma ocasião especial e perfeita para me desafiar a cantar.

Foi assim que me meti em mais uma aventura. Juntamente com o Carlos Morgado, dos Micro Audio Waves, e com o Zé Pedro Leitão, da Deolinda, conce­bi a banda sonora do desfile. Há imensas variáveis a considerar quando se faz mú­sica para um desfile de moda. Primeiro, o ritmo, uma vez que as modelos têm de ter uma base segura e potente para poderem andar com confiança e atitude. De­pois, o tempo. Tem de se saber quantos coordenados vão passar na passerelle e de quanto em quanto tempo sairá uma modelo. Fazem-se as contas e dará o tempo aproximado do desfile. Claro que todas estas variáveis são isso mesmo: variáveis.

Assim sendo, fazer uma banda sonora na qual teria de entrar no final a cantar seria sempre um exercício de pontaria. Outra questão essencial se­ria coordenar o ambiente musical com o tema da colecção. Como a colecção que o Ricardo iria apresentar se chamava Contemporary Warriors, ou seja, Guerreiras Contemporâneas, com casacos e calças camuflados, por um la­do, e xailes tradicionais de Viana, por outro, pensei em fazer uma primeira parte que remetesse para um ambiente mais aguerrido, com um trabalho de desconstrução sobre a canção Where Have All the Flowers Gone?, de Pete Seeger, e uma segunda parte que trabalhasse a tradição portuguesa, desconstruindo-a tam­bém por meio da canção Laurindinha. Os beats ficaram a cargo do Carlos Mor­gado, o baixo, do Zé e as vozes, a meu cargo. Foi uma experiência incrível poder aventurar-me pelo campo da música electrónica e chegámos a um resultado in­teressante, que servia as roupas do Ricardo.

No dia do desfile, os trabalhos de maquilhagem e cabelos começaram pelas 18h00. As modelos foram chegando de outros desfiles e logo se foi enchen­do a sala de roupa. Pouco menos de uma hora antes do desfile, a azáfama inten­sificou-se. Começaram as provas de roupa e decidiu-se que modelos ficariam com que coordenados. A equipa de costura entrou em cena, para que tudo ficas­se imaculado na hora de desfilar.

Pouco antes das 23h00, começou o desfile. O meu nervoso miudinho crescia ao ouvir as primeiras notas da música. Num ápice, a fila indiana onde es­tavam as modelos que iam entrando na passerelle ficou mais pequena e era hora de eu própria entrar. Nunca na minha vida pensei poder pisar uma passerelle. Mas aí estava o momento de andar e cantar.

Não queria andar muito rápido para poder desfrutar do momento, mas os nervos pediam às pernas que andassem mais depressa. De repente, sem perceber bem como, já estava na sala principal, a andar com alguma desenvoltura e a can­tar sem me enganar na letra. Correu tudo bem. Voltei a entrar com a Cláudia Efe, musa do Ricardo, e com o próprio Ricardo Preto para agradecer a todos.

Foi bonito. Foi, sobretudo, mais um momento muito bonito que irei guar­dar na caixinha de memórias que voltarei a abrir quando for velhinha e quiser recordar a incrível viagem que é uma vida.

Ana Bacalhau escreve de acordo com a antiga ortografia

Publicado originalmente na edição de 19 de outubro de 2014