Trump será o futuro de todos nós?

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Porque não devemos atirar este fenómeno para o rol de «americanices» que não entendemos, como mais um efeito da sociedade de espetáculo.

Olhamo-lo com espanto. A ele e ao seu cabelo que não nos inspira confiança. Todos somos um pouco vítimas do preconceito – por muito que façamos para não lhe ceder – para com Donald Trump. Além do cabelo, no caso dele, a má fama tem outras raízes: a vida duvidosa do empresário imobiliário, herdeiro milionário, estrela de um descoroçoado reality show televisivo que humilhava os concorrentes. Que tudo isto tenha desembocado numa candidatura às eleições mais importantes dos Estados Unidos é absolutamente extraordinário – para usar uma linguagem tão simplista como a dele.

Mais uma vez, as eleições americanas tornam-nos analistas à força, politólogos involuntários. Está sempre demasiado em jogo para lhes passarmos ao lado. Desta vez, há motivos acrescidos de interesse, e o mais pequeno não é a pergunta básica que temos de fazer – como foi possível chegarmos aqui? Devemos fazer esta pergunta com as palmas das mãos viradas para cima e os dedos todos juntos – o oposto do gesto por que o candidato republicano tem sido conhecido nos debates e discursos, com ambos os indicadores em riste.

Qualquer que seja o resultado das eleições de dia 8, na resposta a esta pergunta estará a análise de que precisamos para perceber o presente do mundo. E ainda ir a tempo de o mudar antes que se torne o nosso futuro. Fazê-la é exatamente o contrário do que mais nos apetece, encolher os ombros e abanar a cabeça. Também há os que desvalorizam a coisa, relegando-a para a «americanice» do costume. Estão errados. Afastar este fenómeno do nosso pensamento é desvalorizar também o que o ocasionou. Trump não é só uma causa, é também um efeito. E não diz apenas respeito à América, basta ver o resultado do brexit ou o crescimento dos extremismos em países como a Alemanha, a Holanda ou a França. Trump apelou ao voto do medo, do descontentamento e da raiva. Os sociólogos políticos chamam-lhe o «voto de baixa escolaridade, maioritariamente branco». São os deserdados do sistema, desafortunados, no sentido literal de que não fizeram fortuna e ficaram na sombra do sonho americano. Levaram por tabela com tudo o que aos outros beneficiou – a globalização, a terciarização e a «financeirização» da economia. Deixados de fora da mobilidade social, ficaram a morar nos mesmos bairros onde chegaram os imigrantes, sobretudo latinos, palco primordial dos choques culturais – o mais básico, o regatón em altos berros, e o mais perigoso, as diferenças salariais (que os imigrantes ganham por estarem disponíveis para trabalhar por menos).

Quem se chocou com esta descrição, ou a quem ela sinalizou xenofobia, é porque prefere não ver o mundo como ele é. E, nessa cegueira, continua a encolher os ombros ou escuda-se em discursos filosóficos sobre democracia ou em desculpas de ignorância. Isso é exatamente o que nos trouxe até aqui. Trump é um fenómeno que tem de ser analisado, escrutinado, discutido. Sob pena de ser o futuro de todos nós.

[Publicado originalmente na edição de 30 de outubro de 2016]