O objeto escolhido pelo editor e escritor Rui Couceiro.
“Muita gente sabe o que é ter a vida encaixotada. É claro que não é a vida em si que está dentro de caixotes, mas os objetos que, fazendo parte dela, ajudam a contá-la. É o meu caso. Tenho a minha biblioteca aprisionada dentro de muros de cartão, suspensa de vida e de serventia, à espera de se mudar para uma casa nova. Num desses caixotes – não sei qual – está o meu objeto favorito: uma fisga feita pelo meu pai, há mais de trinta anos, com pau de giesta e borracha de uma velha câmara de ar da motorizada de um pastor beirão. Terei de a empunhar numa outra oportunidade, para falar da minha infância. Mas, felizmente, escapou à ditadura da arrumação um outro objeto que, na minha história, remonta à mesma época e também me é querido: uns binóculos herdados do meu avô materno, que era escanção de Vinho do Porto e poeta. A partir de Gaia, apontávamo-los ao Porto nos dias de sol, tal como quando chovia espreitávamos paisagens de outras geografias através de uns fascinantes óculos View-Master. O meu avô gostava de estar atento ao Mundo. Ia buscar à observação a matéria para os poemas que escrevia. Estes binóculos trazem-mo de volta e, para mim, simbolizam, entre outras coisas, a atenção ao Mundo, a importância da observação, porque qualquer escritor tem de ser, antes de tudo, um grande observador.”
Editor e escritor
40 anos