Margarida Rebelo Pinto

Livros e liberdade


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Duas efemérides marcaram a semana, a do 25 de Abril e a do Dia Mundial do Livro. Para quem nasceu depois da década de 1980, lembro que antes da Revolução dos Cravos o acesso à informação era limitado pela censura, bem como o livre acesso aos livros. Livreiros indómitos e corajosos vendiam obras proibidas pelo Estado Novo à socapa. Na lista de escritores censurados figuram nomes maiores da nossa literatura: Miguel Torga, Alves Redol, Natália Correia, Aquilino Ribeiro, Maria Teresa Horta e Vergílio Ferreira, entre outros. O mesmo aconteceu com escritores tão gigantes que contribuíram para a construção do pensamento ocidental moderno, como Jean-Paul Sartre. Portugal era um país silenciado pelo medo, vigiado por um regime ditatorial, que se vendia brando porque é essa a nossa natureza, dominado pela virgula maníaca do modo funcionário de viver, como Alexandre O’Neill tão bem descreveu. Era um país triste, impedido de respirar livremente.

Digo muitas vezes que um país sem livros é um país triste. O problema de Portugal não está hoje na falta de livros, mas na falta de leitores. Para onde vão todos os livros que não são lidos? O mercado da não ficção invadiu as prateleiras das livrarias. Hoje é mais fácil vender um livro de autoajuda ou de bolos de noiva do que um romance. A ficção, outrora território da literatura e do cinema feito para salas de cinema, foi apropriada pelas plataformas de streaming e a leitura foi substituída por posts. Um post agora é tudo, desde um pensamento filosófico até uma receita caseira para a queda de cabelo. Parece que o Mundo cabe num post. Mas não cabe, porque um romance não se revela numa frase, tal como um filme não se vê num trailer. Este afunilamento sistemático dos conteúdos está a fechar o Mundo e a afetar a atenção e o foco a nível mundial, atrofiando a inteligência. As pessoas confundem informação com entretenimento, entretenimento com ficção, realidade com fantasia, ler com ver, é o salve-se quem puder. Os livros tornaram-se objetos nostálgicos, quase de culto, como na era salazarista, por causa de um ditador embiocado que reduziu os anos de escolaridade obrigatória de seis para quatro e que acreditava que era mais importante preparar as elites do que educar o povo. Fugir ao lápis azul no tempo de Salazar era uma arte feita de subtilezas para iludir a vigilância policial.

Cinquenta anos depois da conquista da liberdade, quando já não é preciso fugir de nada nem de ninguém, o que fazemos com ela? Estamos a criar gerações reféns de ecrãs, como se não existissem outras opções. Os hábitos de leitura aprendem-se em casa, em família, ao mesmo tempo que se aprende a comer à mesa, e o amor aos livros ganha-se mesmo antes de saber ler. Se não lermos livros aos nossos filhos e netos, seremos um país cada vez mais triste. E menos livre.