Joel Neto

Das mãos sapudas


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

De tudo o que nos ensinaram sobre o exercício da paternidade, o que mais gostei de desaprender foi o conselho de utilização de uma esponja para dar banho ao Artur. Chegámos a fazer um curso, a Marta e eu. Da amamentação às fraldas e das técnicas com que se pode desengasgar uma criança ao mais simples banho, não havia nada que não nos assustasse. Mas o banho, ao menos, não deixava dúvidas: bastava ter uma esponja. Eu comprei a primeira – era dura. A Marta comprou a segunda – a Colette comeu-a. Nessa noite, tive de recorrer às mãos nuas, e nunca mais fui comprar outra.

Passo bastantes horas por semana a sós com o meu filho e gosto de pensar que me ocupo de tantas tarefas como os pais mais presentes. Mas, quando se trata de escolher o momento mais cúmplice da jornada, vou com a maioria: escolho o banho. Quase todos os dias sou eu que lho dou, e é sempre divertido. Tenho sorte: sou pai de um menino fácil, adaptável, terno. Mas o que de início era apenas uma emulação dos gestos da véspera foi-se tornando, a cada dia, um espectáculo irrepetível. Durante aquela meia hora, brincamos a tudo: aos dinossauros e aos cubos de borracha, à escova de dentes, à água ensaboada, à música que sai do Spotify e à exultante salgalhada que pode resultar da combinação disso tudo.

Entretanto, lavo-o. E agora, em vez de o mitigar por debaixo de um paralelepípedo de poliéster, tenho-o nas palmas das minhas mãos – como um clínico geral, um massagista, um pai. Sinto os seus pezinhos crescerem sob os meus dedos, de dia para dia. Isolo o eczema que tem no antebraço e o pequeno hemangioma que se lhe vai dissipando na nuca, a conferir alterações. Mudo a ordem das partes que lavo, convicto de que isso o ajudará a ganhar consciência corporal, e faço-lhe cócegas para o divertir, o que às vezes resulta em gargalhadas tão desproporcionais que eu podia ficar ali o resto da noite, só a ouvir aquilo e a fazer mais cócegas para ouvir de novo.

Tenho-me perguntado várias vezes: quando foi que nós transformámos as mãos, essa incrível ferramenta de amar, esse instrumento de todos os géneros de afecto, num objecto estranho? Lembro-me de cada uma das poucas vezes que andei de mão dada com o meu pai: como era indecifrável, a sua mão – como era formal, zelosa, consciente. A minha quimera é que o meu filho continue a dar-me a mão sem consciência sequer de que ma dá. Ele a mim e eu a ele: duas mãos sapudinhas abraçadas uma à outra, uma grande e uma cada vez menos pequenina, inconscientes ambas -, e até tão tarde quanto possível. Tudo terá começado aqui, nestes banhos que os nossos pais não nos davam.