Joel Neto

A segunda vida de Artur


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Houve uma altura em que tive realmente medo de que o meu filho não chegasse a andar. Primeiro passou a idade em que os nossos pais nos dizem que nós começámos – ele continuou a gatinhar. Depois os colegas da creche já andavam todos – ele ainda gatinhava. E depois já não tinha um ano, nem treze meses, nem catorze – e continuava a gatinhar.

À velocidade da luz, sim. Distraíamo-nos um segundo e já não estava onde o deixáramos. Cheguei a andar pela casa, desatinado, com medo de que houvesse caído de algum degrau (que a casa não tem), ou entrado para dentro do televisor, ou sido apanhado por um dingo. Gatinhou sempre com tal rapidez que, às vezes, eu saía para gravar, dava-lhe um beijo, pegava no carro e, de repente, parecia-me senti-lo a ultrapassar-me pela esquerda, gatinhando como um doido.

Andar, nada. É claro: eu também já tinha tido medo de que não chegasse a ter dentes. E de que não viesse a falar. E, antes disso tudo, de que não conseguisse bater palminhas, por não ser capaz de abrir as mãos em virtude de uma doença qualquer. Tende piedade deste homem: esperei muitos anos – ainda me parece incrível ter um filho saudável, inteligente e feliz. Portanto, quando no dia seguinte ele continuava sem andar, eu abanava a cabeça: pronto.

Isto desde – sei lá – os sete meses. Primeiro, todos os dias pensava que ia ser o dia. Depois, já achava que não seria nunca. Os amigos riam-se: “Ainda vais ter saudades. Ele começa a andar e nunca mais tens descanso”. E eu ria-me com eles. Mas, no sábado seguinte, levava-o à natação e não tinha onde pousá-lo sequer para despir o fato de banho molhado. Todas as semanas voltava a constipar-me. E a deixar cair as compras. E a bater com a porta do carro na do carro ao lado – enfim, esses desconfortos de quem tem um bebé que não anda.

“E não só o andar, amor”, explicava eu à Marta, já ela não sabia se devia rir ou condoer-se. “É a caminhada. O caminho. Tudo nesta vida é rumo. Nada se conclui, mas pode-se rumar. Não sabemos tudo, mas acumulamos. E, portanto, avança-se. Constitui-se memória. Cresce-se. Anda-se em frente. O que será do nosso filho se não for capaz de andar em frente?” Já o imaginava a ir de gatas para o liceu. A namorar de gatas atrás do pavilhão.

Esta semana, de repente, fez como Lázaro: levantou-se e andou. Celebrámos imenso. É divertidíssimo: vem aos tropeções e atira-se para os nossos braços, num delírio. Melhora de hora para hora – para a semana corre. Mas, claro: eu já estou com medo de que nunca mais aprenda a ler e escrever.