Sabemos que quase toda a gente teme o fracasso, aquela derrota difícil de assumir, a sensação de incapacidade e de desvalor. Mas muitos também temem o triunfo, com o trabalho que dá, a ansiedade que causa, os riscos que faz correr. O que parecem dois medos muito diferentes são, afinal, dois lados da mesma moeda: a mudança.
No final década de 1960, durante o seu doutoramento, a psicóloga experimental americana Matina Horner fez um pedido simples às dezenas de rapazes e raparigas que participaram no seu estudo: deviam imaginar uma história de sucesso – eles, sobre uma personagem chamada João, elas, sobre uma personagem chamada Ana. O ponto de partida era igual para os dois grupos: o João ou a Ana eram os melhores da sua turma na faculdade de Medicina.
Acontece que 65% das raparigas contaram histórias de sucesso cheias de drama: a Ana, apesar do sucesso académico e profissional, via as suas relações pessoais deteriorarem-se, tinha uma vida solitária, sem amor. Eram histórias que previam uma quantidade incrível de consequências negativas do sucesso e a investigadora concluiu que as mulheres pareciam ter uma série de motivações para o evitarem a todo o custo.
Desde os anos 1960 muita coisa mudou e os estudos que replicam esta experiência já não encontram diferenças significativas entre homens e mulheres. Mas continuam a mostrar que a grande maioria das histórias que são imaginadas sobre o sucesso, masculinas ou femininas, contêm conceitos, imagens e narrativas que demonstram muitos medos associados à ideia de bem-sucedido.
Parece um paradoxo porque, aparentemente, ter sucesso é o que toda a gente quer. Acontece que ele, por arrasto, traz muitas vezes emoções que são menos bem-vindas. O psicólogo Nuno Gonçalves aponta três: a ansiedade, a culpa e o medo de ficar vulnerável. A ansiedade, explica, “surge da necessidade de enfrentar desafios e obstáculos que exigem mais de nós, que criam pressão e medo de não conseguir estar à altura e que podem exigir disciplina, foco e aprendizagem contínua”. A culpa – como mostra a experiência de Matina Horner – que está ligada ao medo de, “por termos uma posição de destaque, perdermos o afeto de quem necessitamos”. Já o receio da vulnerabilidade surge porque uma posição de destaque gera exposição, mais interesse e maior escrutínio dos outros. Isso significa que quem não aceitar as suas imperfeições e fraquezas receia que “se os outros conhecerem partes menos positivas da sua personalidade vão achá-la uma fraude” – um mecanismo mental conhecido como Síndrome do Impostor. São receios que mostram o outro lado do sucesso – ou de qualquer mudança, na verdade: a possibilidade de ter algumas coisas, implica o risco de perder outras.
O medo do sucesso é, em grande parte, o medo do desconhecido. A possibilidade de uma promoção profissional, mesmo que muito desejada, levanta dúvidas: será que se vai ser capaz de lidar com as novas responsabilidades? Será que o cargo novo vai implicar mais horas de trabalho que prejudicam a vida familiar? Será que a relação com os colegas vai mudar por se passar a ser chefe deles? São muitas incertezas. E nós odiamos a incerteza.
“Enquanto sociedade e, em larga medida por causa dos discursos dominantes da ciência moderna, desenvolvemos uma intolerância pela ambiguidade, pela incerteza, pelo desconhecido”, refere Ana Teixeira de Melo, psicóloga clínica e comunitária e investigadora na área dos processos de mudança do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. “O medo de sermos bem-sucedidos é muitas vezes o medo de não estarmos depois à altura dos novos papéis, dos esforços que poderemos ter que fazer, das expectativas que os outros criam para nós, ou que nós lhes criamos”, sublinha.
É isso, na sua opinião, que nos leva muitas vezes a colocar um esforço enorme não em mudar – e em ser mais bem-sucedido -, mas em manter as coisas exatamente como elas estão.
Cada um com seu medo
O misto de excitação, apreensão e ansiedade perante uma transformação que pode ser incrível, diz a psicóloga clínica Sara Ferreira, “nada mais é do que o ego a acusar o toque de que sabe que algo vai ser transformado para sempre.” Esta noção de “eu” que temos de nós mesmos é uma identidade construída durante a vida inteira e muitas vezes, alerta a psicóloga, associada a um determinado problema, autoimagem ou papel. “É por isso que detestamos mudanças de grande porte: porque, nessas mudanças, uma parte do ego acaba por morrer.”
O sucesso acaba então por ser visto como envolvendo demasiados riscos que as pessoas não estão dispostas a correr. Por este motivo, Sara Ferreira costuma dizer que “há pessoas que agem com a felicidade ou com o sucesso como um cão neurótico que enterra o osso, mas que nunca o tira de lá”. Para fazermos isto, temos comportamentos, quase sempre inconscientes, de autossabotagem: procrastinamos, definimos outras prioridades, arranjamos desculpas, alegamos que a altura não é a melhor ou culpamos os outros.
O medo de ser bem-sucedido, de arriscar, quase sempre tem raízes profundas na nossa história de vida. Muitos, “especialmente se foram alvo de abuso verbal”, realça Sara Ferreira, interiorizaram uma ideia de desvalor pessoal, de desmerecimento e nem chegam a tentar seja o que for. Outros, assinala, tiveram experiências passadas de fracasso, de erros significativos ou de rejeições e têm medo as repetir. E há também os que foram educados “num ambiente onde o sucesso foi desencorajado, ridicularizado, desvalorizado ou associado a consequências negativas” ou os que têm traços muito perfecionistas e têm receio de não conseguir manter os padrões demasiado elevados e errar.
A psicóloga defende que tudo isto pode e deve ser combatido quando afeta de forma negativa a vida das pessoas. Mas o combate terá de ser diferente dependendo da causa e, por isso, no seu trabalho com pacientes que enfrentam este problema começa sempre por procurar as causas e compreender as circunstâncias individuais: o que é que se está a ganhar com os comportamentos atuais? O que se tem medo de perder se se for bem-sucedido? Trata-se de “desenvolver o autoconhecimento, uma compreensão consciente dos medos, crenças limitantes e padrões de comportamento associados ao medo do sucesso”. Depois, é aprender a gerir esse medo, seja ele qual for, de forma saudável.
Afinal, o que é o sucesso?
Não é possível falar sobre o medo do sucesso sem perguntar, afinal, o que é isso de ser bem-sucedido? Porque as ideias feitas sobre o significa também podem ser um empecilho e, desde cedo, somos expostos a um discurso dominante – assumido ou não – que nos fala quase sempre sobre dinheiro, poder, status profissional e social e, eventualmente, fama.
São discursos sobre o sucesso muito estreitos e algo opressivos. “Desde muito cedo vivemos mergulhados num conjunto de práticas que determinam as expectativas de sucesso baseando-o, por exemplo, na competição”, salienta a psicóloga e investigadora Ana Teixeira de Melo. E esclarece: “Continuamos a ter, em muitas escolas, quadros de honra e incentivos a ser-se o melhor [nas notas], por oposição, por exemplo, a ser-se solidário”.
Para a investigadora, é especialmente perigoso que se viva “sem consciência crítica das pressões geradas por estes discursos dominantes, que impõem uma ideia de sucesso muitas vezes associada a dimensões materiais, ao controlo, ao poder e à competitividade”. Paralelamente, considera, “temos poucos espaços onde existam oportunidades para refletir criticamente sobre os fundamentos das ideias de sucesso, os impactos delas, os efeitos em nós e nas relações com os outros”.
Talvez por isso, um dos grandes estudiosos do medo do sucesso, o psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970) que o batizou como o “Complexo de Jonas” preferia, sensatamente, usar as palavras autorrealização, satisfação pessoal e crescimento, frisando que o essencial é que as pessoas se concentrem nos seus próprios valores e necessidades, nas suas próprias possibilidades e limitações, e não nas expectativas alheias. Nesse sentido, defendia que o medo de ser bem-sucedido, só pode ser superado através da autoaceitação e da autodeterminação. Primeiro, precisamos de saber quem somos e o que importa para nós, só depois traçar os nossos objetivos e o nosso caminho.
É por isso que a psicóloga Sara Ferreira conclui ser “certo que há muitas razões que nos podem levar a temer o sucesso” – o medo do desconhecido, da pressão ou das expectativas externas, uma autoimagem negativa, as mudanças nas relações interpessoais -, mas, contas feitas, o medo subjacente nunca é realmente do sucesso, mas das suas consequências. “Noutras palavras, o medo do sucesso é simplesmente o medo do fracasso a um passo de distância.”