Margarida Rebelo Pinto

O efeito Scully


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

No início da década de 1990 a série “Ficheiros Secretos” prendeu o Mundo ocidental aos ecrãs de televisão. Quem viveu a adolescência e o início da idade adulta nesta época nunca esqueceu a agente do FBI Dana Scully, interpretada por Gillian Anderson. Scully trazia algo de novo à ficção. A sua calma, capacidade analítica e inteligência combinavam na perfeição com uma beleza diáfana, clássica e intemporal. Graças a ela, o número de mulheres com carreiras nas áreas da ciência, da tecnologia, da engenharia e da matemática, tradicionalmente dominadas por homens, cresceu exponencialmente, contribuindo para a construção da imagem de uma mulher que singra profissionalmente, contrariando o estereótipo da dona de casa que se realiza na aquisição de eletrodomésticos, em cuidar dos filhos e em pôr o jantar na mesa para a família.

Os estúdios da 21st Century Fox e o Institute on Gender in Media levaram a cabo uma investigação junto da população feminina americana para avaliar o peso de Scully na tomada de decisão da escolha profissional. Dois terços das mulheres que fizeram parte do estudo disseram que a personagem serviu de “role model”, mais de 90% conheciam a série e concordaram que Scully representa uma mulher forte e uma inspiração para mulheres e adolescentes e mais de 50% que viram a série escolheram trabalhar nas áreas acima referidas. O estudo foi realizado em 2018 com um universo de cerca de duas mil mulheres com mais de 25 anos. Dana Scully contribuiu para criar uma imagem positiva das mulheres na ciência, para aumentar a autoconfiança num Mundo dominado por homens e para despertar o interesse por estas áreas do conhecimento. Os adjetivos mais citados para a caracterizar foram esperta e inteligente. Dana era guiada pelos factos e punha o trabalho à frente do romance. Claro que tinha coração, mas nunca se deixava levar por ele. Os seus fatos cinzentos, sóbrios e elegantes, ajudaram a criar a imagem de uma mulher forte, sempre a par e passo com o seu parceiro de trabalho, o agente Mulder interpretado por David Duchovny, que admirava a sua perspicácia e competência. Dana era guiada pela razão e nunca descia do salto. A série estreou em 1993, teve 11 temporadas e durou nove anos.

Cinco anos depois, em 1998, estreou outra série com personagens femininas fortes, talvez a que mais influenciou a minha geração, “O Sexo e a Cidade”. Embora muito mais focada para o universo amoroso de cada personagem, todas tinham uma carreira sólida que era a base da sua independência: uma cronista, uma galerista, uma advogada e uma relações públicas juntavam-se à mesa para falar de amor, dos homens e da vida. Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha passaram a fazer parte do quotidiano feminino. Todas inspiraram mulheres do Mundo inteiro, criando quatro estilos diferenciados: a indecisa, a romântica, a cerebral e a hedonista. Juntamente com Scully, estes novos estereótipos de mulher mudaram e enriqueceram o universo feminino. A ficção faz muita falta ao Mundo, pois sendo um espelho da realidade, revela-a com sabedoria e acaba por moldá-la.