Joel Neto

O berço do machãozinho


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Às vezes pergunto-me com que grau de consciência algumas mães recentes – na verdade, muitas mães recentes – excluem ostensivamente os maridos dos cuidados dos filhos. Se tivesse de apostar, apostava num grau baixo. E é evidente que uma mulher ainda mal refeita dos tormentos da gravidez, esmagada primeiro por um caldo hormonal avassalador, logo a seguir por uma desorganização corporal desconhecida e já a braços com obrigações que jamais podia ter antecipado na totalidade, tem mais do que desculpa. Mas, ao mesmo tempo, nada disto podia acontecer sem alguma negligência.

Por exemplo, ainda não houve grupo de Messenger, WhatsApp ou e-mail, criado no âmbito da procriação recente (e da partilha de esforços e conhecimentos entre as novas famílias), em que o meu nome não aparecesse como o de um alienígena. Desde logo, são sempre as mães a tomar tais iniciativas, porque são sempre as mães a ocupar-se de tudo. E, quando chega o momento de integrar os interessados, nem lhes ocorre que, na casa ao lado, as coisas possam acontecer de outra maneira.

Resultado: é tudo das mães e para as mães. O nome da Marta aparece automaticamente. É então que esta diz: “Não se importam de juntar o Joel também? Trabalhamos os dois, e nunca sabemos quem se ocupa quando do bebé. Até ficou ele o encarregado de educação”. E as mães adicionam a nossa barra, claro: 12 mães e uma barra, “Marta/Joel”; 23 mães e uma barra, “Marta/Joel”; 35 mães e uma barra, “Marta/Joel”. No grupo da ama, no do colégio, no da partilha de equipamentos, no do ginásio – sempre uma só barra, e sempre a Marta primeiro (porque foi a adição natural).

Sem protestos audíveis, já agora: pedimos e adicionam-me. Mas também me pergunto se sem protestos de todo ou, pelo contrário, com pelo menos uma troca de olhares contrariados. Não me surpreenderia: “Esta é que é a tal?” A tal que está a lixar isto tudo, isto é. Porque isso de as mães quererem que os pais se envolvam não é igualmente verdade para todas. Ao fim de dez meses de paternidade e observação, nem sequer me parece certo que seja verdade para muitas.

Ah, claro, os homens demitem-se. Demitem-se totalmente (muitos deles), demitem-se parcialmente (alguns deles) e demitem-se cirurgicamente (quase todos os outros). Eu próprio me demito. Somos uns comodistas, uns hedonistas, uns preguiçosos. E as mulheres estão sobrecarregadas, claro. Todas elas (mas todas mesmo). Acontece apenas que a muitas também dá algum jeito estarem sobrecarregadas. Não sempre, mas vezes o suficiente para a regra se tornar um mal necessário.

Quer dizer: de que outro modo poderiam reclamar-se sacrificiais, como as suas mães se reclamaram? De que outro modo veriam validada a sua indefectível nota de censura pela dívida dos maridos? E, mais importante ainda: de que outro modo continuariam a tomar todas as decisões que importam – a não ser certificando-se de que eles ficam quietos?

São estas mães que acabam a defender os beijos dos Rubiales desta vida. Não deve surpreender-nos: estão a criar pequenos Rubiales também. Há quase sempre uma mãe por detrás de um chauvinista, aperaltando com zelo e paixão o seu machãozinho vingador – e aquilo que a este cabe vingar é quase sempre a sensação de subalternidade em que a dita combinação de conveniência própria e inércia alheia acabou por deixá-la.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)