E se as crianças se perderem?

“O ideal é que quando vão para algum sítio combinem logo com a criança, quando lá chegam, um ponto de encontro e lhe expliquem que se se perderem se deve dirigir àquele local”, explica Patrícia Firmino, comissário da PSP

O risco de os pequenos nos escaparem ao radar aumenta nestas alturas de multidões e correrias. Um guia para pais e filhos saberem o que fazer perante uma situação sempre angustiante.

Já lá vão uns meses, mas Andreia Mendes, residente em Ermesinde, ainda tem bem presentes os pensamentos petrificantes que se apoderaram dela naqueles minutos intermináveis em que não conseguia encontrar o filho de cinco anos. “Quando comecei a procurar e não o encontrei a primeira coisa que pensei foi: ‘Já me levaram o filho.’ Ou então que tinha caído de algum sítio alto.” Tudo aconteceu em maio passado, Andreia foi com o filho e o marido a uma festa de anos, o evento decorreu no Parque Aventura da Lipor, em Gondomar, havia dezenas de crianças, muitas estavam na festa, outras foram apenas ao parque para se divertir, visto que este está aberto à população em geral.

Andreia até passou parte da manhã ocupada a ajudar a mãe dos aniversariantes, estava tranquila porque sabia que o garoto estava com o pai, tudo correu de feição. Pelo menos, até à hora de ir embora. “Perto do fim, quando já estavam todos a sair, começámos à procura dele e não o vimos. Perguntei ao meu marido, mas também não sabia.” Foi esse o momento em que a aflição começou a cavalgar-lhe o peito, primeiro contida, depois desenfreada. “Parecia que tinha o coração na boca. Mas, apesar de tudo, consegui movimentar-me e ir procurar.”

E então dirigiu-se para a zona do parque de estacionamento, onde se tinham concentrado muitos pais e filhos, na esperança de que o miúdo tivesse ido para lá com algum amigo. Mas não. E aí o medo ganhou mais força. Por sorte, quando voltou ao parque, percebeu que o marido já o tinha encontrado. “Estava a brincar às escondidas com um amigo e, como o parque tinha um escorrega todo fechado, ficou lá à espera que alguém o encontrasse e não percebeu que entretanto já tinham ido todos embora.” Assim que o viu, Andreia não se conteve. “Quando percebi que estava bem, desfiz-me em lágrimas. Estava muito nervosa. Mas acabou por correr tudo bem.”

A angústia vivida por Andreia durante aqueles dez minutos “que pareceram uma eternidade” não é todo incomum. E os riscos aumentam em dados contextos, de grandes ajuntamentos, por exemplo, como os que agora se verificam em nome do consumismo natalício. Daí que seja fundamental pais e crianças estarem informados sobre o que devem fazer e como se devem comportar se algo do género suceder. A Associação Portuguesa de Crianças Desaparecidas e Vulneráveis tem até um guia para pais e educadores com dicas preciosas para estas situações. Nele, há um capítulo dedicado às regras que as crianças devem conhecer.

Uma das primeiras diz respeito a quem os miúdos se devem dirigir no caso de se perderem num local público. “Não peças ajuda a qualquer pessoa. Vai ter com um funcionário de uma caixa, com um segurança ou com o senhor do balcão das informações e diz-lhe que te perdeste ou que precisas de ajuda para encontrar os teus pais.” Há outras regras. Aos nossos olhos serão elementares, aos deles nem tanto. E portanto vale a pena recordá-los disso. Nunca entrar num carro que não conhecem, por exemplo. Nem acreditar se um adulto desconhecido lhes disser que os pais precisam de ajuda e os vai levar até eles. Ou procurar entrar rapidamente num lugar seguro se notarem que estão a ser seguidos.

Mais adiante, há dicas específicas para situações relativas a centros comerciais e outros espaços públicos, mais viradas para os pais. Ensinar aos filhos os procedimentos a observar no caso de se perderem, nomeadamente, “a encontrarem-se junto ao balcão da informação ou junto do segurança, no caso de se perderem uns dos outros”, por exemplo. Explicar-lhes “a quem deverão dirigir-se quando se perderem, precisarem de ajuda ou estiverem com algum problema”. Ter sempre uma fotografia atualizada dos garotos. Idealmente, pelo menos a partir de uma certa idade, garantir que os filhos têm a identificação dos pais e o número de contacto direto (mas nunca lhes vestir roupa com o nome deles). No caso dos mais pequeninos, sugere-se até que os pais lhes deem um apito, “para usarem se se perderem”. Além de os ensinar não aceitar guloseimas de desconhecidos, por mais apetecíveis que pareçam. E a fazer “literalmente um escândalo” caso alguém os tente levar à força. E “se o seu filho ou filha desaparecer, denuncie de imediato a situação no balcão de apoio a clientes, informação ou segurança”. Além de pedir ao centro comercial (ou outro espaço público em questão) que coloque segurança nas saídas e entradas.

Sem pânicos, sem dramas

Desde 2012, a PSP disponibiliza também pulseiras que podem ser solicitadas por qualquer pessoa (residentes e não residentes) que tenha filhos entre os dois e os dez anos, sem qualquer custo. O objetivo, reitera Patrícia Firmino, do Gabinete de Imprensa e Relações Públicas da PSP, é “promover o reencontro rápido” de filhos e pais. Para isso, a pulseira, que é válida em todo o território nacional e dura até ao final de cada ano civil, contém um código alfanumérico (não há quaisquer dados pessoais visíveis). A ideia é que quem encontre a criança possa ligar ao 112 e indicar o dito código, o que permitirá às forças policiais aceder à identificação dos pais e contactá-los. “Desde 2012, já conseguimos promover o reencontro de 52 crianças com os seus progenitores”, avança a responsável. Já o número de pulseiras distribuídas ultrapassa o meio milhão, ocorrendo a maior procura no período das férias escolares.

Mas haverá certamente quem não saiba que perante uma criança perdida com uma pulseira destas no braço deve contactar o 112, contrapomos. “Sim, é verdade, nem toda a gente tem conhecimento. Por isso é que nós aconselhamos os pais a explicar às próprias crianças como é que a pulseira funciona. Para se se perderem saberem que não se devem afastar muito. E de preferência procurar um polícia e pedir ajuda. Caso não haja, devem dirigir-se a um adulto e pedir-lhe que ligue o 112 e indique o código alfanumérico.” No caso de a criança não ter qualquer pulseira, quem a encontra deve tentar perceber se esta tem um documento de identificação e dirigir-se à esquadra mais próxima. “No caso dos pais, o conselho é que tentem não entrar em pânico, dentro do possível, porque o desespero é a pior coisa. O ideal é que quando vão para algum sítio combinem logo com a criança, quando lá chegam, um ponto de encontro e lhe expliquem que se se perder se deve dirigir àquele local.”

Paulo Dias, psicólogo da infância e da adolescência que trabalha nas clínicas Dr. Alberto Lopes, acrescenta uma outra nota relevante. “Devemos agir de forma preventiva, mas teremos sempre de ter em conta a maturidade e o desenvolvimento da criança. Diria que, a partir dos três anos, há algumas medidas de segurança básicas que devem ser adotadas. Desde logo, ensinar-lhes informações básicas, como o nome completo e o nome dos pais, mais tarde o número de telefone e a morada. E também é importante os pais tentarem sensibilizar as crianças para a importância de manter a calma, porque se forem tomadas pelo nervosismo bloqueiam e quase que até o próprio nome esquecem.” Princípios que são importantes também para os pais.

Paulo dá o exemplo de uma menina que acompanhou em tempos. “Devia ter uns quatro anos quando, numa altura de Black Friday, foi ao shopping com a mãe. A criança ia a fazer uma birra, a mãe entrou na loja e assim que olhou para trás já não a viu. Por sinal, até correu tudo muito bem porque passado cinco minutos já vinha o segurança com a criança pela mão. Só que, como quando se reencontraram a mãe reagiu com muito pânico e ansiedade, a criança acabou por desenvolver fobia a multidões e ansiedade de separação. A forma como os pais reagem ao encontro com a criança também é importante, porque pode levá-la a assustar-se ainda mais, às vezes é a própria reação dos pais que espoleta a ansiedade.” O especialista deixa ainda uma última dica: “Caso a criança consiga pôr em prática o que lhe ensinámos, ir ter a um ponto de referência, por exemplo, ou pedir ajuda a um segurança, devemos elogiar esse comportamento. E acima de tudo, evitar punições e castigos, que não vão ajudar nada. No limite, esperar e mais tarde, com calma, explicar o que devia ter feito”.