Margarida Rebelo Pinto

Bem-vindo ao IPortugal


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Depois de refletir longamente acerca do aumento do IUC para automóveis com matrícula anterior a 2007, pus em cima da mesa várias hipóteses sobre o fundamento de tal ideia peregrina. Sei que não é bonito especular, mas um escritor trabalha com a imaginação e elabora cenários ficcionados para desenvolver o seu trabalho, pelo que não me senti coagida a não o fazer, já que vivemos num país em que a liberdade de expressão vigora. Ainda. Então vamos lá ao aumento do IUC. Será que o Governo se lembrou de tal ideia porque quer dar o exemplo, já que possui um parque automóvel com viaturas antigas? Ah, não, esqueci-me que os carros do Estado estão isentos de IUC. Já sei: se calhar o Governo socialista, que tem ódio profundo aos ricos, ou simplesmente àqueles que ele considera ricos (sabemos que não é a mesma coisa, mas talvez no raciocínio socialista seja), visa taxar os proprietários de carros antigos de coleção que se apresentam em rallys em estimadas viaturas vintage, acompanhados de senhoras elegantes envergando lenços Hermès e cardigans de cachemira. Fui investigar. Os carros com matrícula até 1981 estão isentos de IUC. Os carros com matrícula até 1994 também, se estiverem certificados. Uma coisa é velho, outra é antigo. Um carro de coleção é património cultural, nada contra, pois também eu adoraria passear num Morgan verde escuro com uma capeline à Audrey Hepburn. Já o calhambeque (vou ficcionar um bocadinho) do senhor Antunes, funcionário reformado dos CTT, que foi fazendo a revisão no mecânico do bairro e que é usado poucas mais vezes do que para ir visitar as irmãs acamadas num lar de terceira idade, na cidade mais próxima da aldeia onde nasceu, é um chaço a abater.

Em Portugal, há sempre um imposto desconhecido que espera por si. Temos impostos em tudo e para tudo. Aliás, no próximo 10 de junho estou tentada a propor à organização das comemorações a alteração do nome do nosso querido jardim à beira-mar plantado de Portugal para IPortugal. Se o Porto nos destinos anunciados nos aeroportos é designado por Oporto, porque não aceitar esta realidade incontornável de Portugal se estar a transformar em IPortugal, o país do sol, da sardinha assada e dos impostos? Afinal, somos muito mais do que fado, Fátima e futebol. Não vendemos apenas pastéis de nata, belíssimos vinhos, cortiça, praias de areia fina e branca, hotéis para todos os gostos e apartamentos em regime Airbnb para todos os bolsos. Também somos um país que inventa impostos. Vou lançar algumas sugestões. Falta, por exemplo, um imposto para quem espirrar em público, para quem tem pássaros em gaiolas, ou para quem possui coleções de caricas ou de berlindes, porque periquitos, caricas ou berlindes não possuem a certificação de peças de coleção.

Quanto ao senhor Antunes, que ainda não foi despejado para que o senhorio arrende o apartamento a estrangeiros, gostaria de lhe poder dizer que o seu Opel Corsa, tão estimado quanto lhe é possível, não será afinal considerado um artigo de luxo, nem uma ameaça à saúde pública. Para diminuir a poluição em Portugal, nomeadamente em Lisboa, que está mais gaiteira e vaidosa que nunca, bastava retirar de circulação os paquetes de recreio e deixar o senhor Antunes continuar a estimar o seu carrito em paz e sossego, sem ter de cortar no pão ou na luz.