Margarida Rebelo Pinto

Amores sem estação


Comparo os romances de verão com ir dar uma volta de barco ao lado do Campo Grande.

É sabido que o calor dilata os corpos e que a época balnear é propícia a disparates. Não é por acaso que no meio da imprensa se apelida a época de verão de Silly Season. O termo apareceu pela primeira vez no dicionário de Oxford em 1861 para caracterizar o decréscimo da qualidade de conteúdos do lendário jornal “Times” durante o período estival. Como acontece com as coisas más que governam o mundo, continua atual, embora o estado caótico do globo a vários níveis, económico, social, político, climático, ambiental e humanitário me faça pensar que a estação parva pode durar o ano inteiro, até ao fim dos meus dias. Os verões são cada vez mais quentes e longos, em breve a primavera e o outono serão recordações cristalizadas por poetas, pintores e músicos como Vivaldi. As mais belas e românticas estações do ano estão reduzidas a figuras de estilo, e o mesmo acontece com a noção de amor. Hoje já se sabe que a substância do amor se encontra nas hormonas e nos neurotransmissores. É tudo afinal bastante básico e instintivo, embora o romantismo tenha tentado endeusar essa matéria misteriosa, colocando-a no pedestal imaginário dos pensamentos nobres e dos sentimentos grandiosos.

Com as deslocações para paraísos mais ou menos idílicos, as alterações na rotina, os filhos em campos de férias ou em casa de familiares, os finais de tarde animados em bares e as noites quentes que puxam para festas ao ar livre, é natural que as almas se animem a esticar a corda, a pular a cerca, ou, no caso dos descomprometidos, a dar uma oportunidade de embarcar numa aventura, à qual os menos avisados se lembram de chamar amor. Comparo os romances de verão com ir dar uma volta de barco no pequeno lago situado no Jardim do Campo Grande: os dois entram num pequeno bote bastante instável, um rema e o outro senta-se em frente, ambos alternam a atenção entre a paisagem e o olhar do outro, duas voltas ao perímetro e está visto. Quem rema, faz o barco avançar, mas tem a impressão de estar a andar para trás. Ora também é certo que, no início de uma relação, o que mais puxa por ela, se queixa da mesma sensação. Qualquer passeio curto sabe a uma aventura falhada, algo que não chega bem a ser coisa nenhuma.

Para passear em lagos a sério, recomendo uma estadia de dois dias no Inle Lake, em Myanmar. Com 100 km de comprimento e 5 de largura, é um dos lugares do mundo onde se fabricam das mais belas sedas. A seda vem da flor de lótus que nasce no lodo, o que me faz pensar que, tal como as borboletas, por vezes é preciso passar por estágios e lugares menos bonitos para se alcançar a plenitude. As suas 17 aldeias que vivem de forma quase autossuficiente, usando todos os recursos do lago para a sua subsistência. Fazem-me pensar que uma história de amor só pode ser levada a sério se for extensa no tempo e autossuficiente à sua maneira. Quando fui à antiga Birmânia tinha planos para visitar o Laos e Camboja, mas apaixonei-me pelo país, pela sua gente simpática e afável, pela filosofia budista e por toda a paz que lá senti. Foi uma viagem inesquecível por várias razões, talvez a principal se prenda com o facto de sentir um sossego no coração, que só se sente quando se vive um amor feliz, daqueles que nunca se enterram na areia, seja qual for a estação do ano.