A alopecia não é uma sentença

Sandra Campos, 49 anos, tem alopecia areata. Há dois anos, parou os tratamentos e rapou o cabelo

Condição tem prevalência elevadíssima, com impacto significativo na qualidade de vida, mas há cada vez mais soluções. Diagnóstico precoce faz a diferença.

Já lá vão mais de 30 anos desde que Sandra Campos, hoje com 49, então uma miúda perdida de amores, se deparou com o primeiro sinal. Mesmo que na altura estivesse longe de o entender assim. “Com 15 anos, tive uma daquelas paixões da adolescência que acabou. Nessa altura, apareceu-me na franja uma pelada que se assemelhava a uma moeda de dois euros. Lembro-me de eu e a minha mãe vermos aquilo e dizermos: ‘Que coisa mais estranha, deve ser um fungo.’ Na altura, fui a um médico particular, ele achou aquilo estranho, lembro-me que me andou a puxar o cabelo para ver se eu sentia, acabou por me passar um combinado com tintura de iodo. Passado uns tempos, o cabelo voltou a nascer.” E portanto aquele episódio chegou a parecer um caso encerrado. Pura ilusão. Anos mais tarde, no meio do pico de stress que foi o casamento, o cabelo começou a cair-lhe por baixo. “Passava a mão e não sentia cabelo nenhum.” Quando se divorciou, o cenário repetiu-se, como se o couro cabeludo fizesse questão de lhe assinalar os momentos mais marcantes da vida. “Nessa altura, o cabelo por cima tapava, mas se fizesse um rabo de cavalo alto notava-se que não tinha cabelo por baixo, sobretudo na área circundante das orelhas.” Mas depois, sem que ela fizesse nada, ele voltava. E então foi-se habituando àquele vai e vem, sem sequer perceber a causa de semelhante fenómeno.

Foi só quando o pai adoeceu e o problema se intensificou, com as peladas a sucederem-se, que consultou outro médico e percebeu, por fim, a origem do problema. Sandra foi diagnosticada com alopecia. E no entanto continuava a saber pouco sobre a doença. “Na altura, foi há uns 20 anos, fiquei assustada. Nunca tinha ouvido falar em tal coisa e ainda não tinha acesso ao Google nem a estas coisas que hoje temos.” Começou a aplicar pomadas, o cabelo ia crescendo, mais tarde tentou os injetáveis, mas o passar dos anos e uma nova espiral de acontecimentos críticos – o pai a definhar, o nascimento da filha, depois os confinamentos – haveriam de agravar a situação. “Em 2021, há um dia em que saio do banho e, quando estou a secar o cabelo percebo que, do lado direito, já não tinha nada. Foi um choque, chorei muito, mas de alguma forma também foi um alívio.” Porque se já por várias vezes tinha pensado que o melhor seria parar a medicação e rapar, ali ganhou coragem para avançar de vez. E assim aprendeu a estar em paz com a doença. Há uns dois anos, criou até um grupo nas redes sociais – “Ser com Alopecia” – para ajudar outros como ela. Mulheres e homens, note-se.

Sandra sofre de alopecia areata, uma “reação autoimune que afeta 1% a 2% da população ao longo da vida, mais frequente na população jovem e que está por vezes relacionada com outras doenças autoimunes, nomeadamente da tiroide”, explica Isabel Correia da Fonseca, dermatologista no Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte). Manifesta-se tipicamente através de “peladas com a pele lisa e aveludada, sem eritema ou descamação”. Mas esta é só uma entre uma imensidão de possibilidades dentro da alopecia, termo amplo usado quando se verifica uma “diminuição da densidade capilar”. “Há mais de 100 tipos de alopecia”, sublinha a especialista. Ana Pedrosa, dermatologista no Centro Hospitalar Universitário de São João, acrescenta que esta “pode ser localizada ou difusa, transitória ou permanente” e que pode ter várias causas, nomeadamente “situações de carácter genético, hormonal, imune, entre outras”.

E não, a mais frequente não é a areata, com que Sandra aprendeu a viver sem angústias nem assombros. A mais comum é a androgenética, que afeta pelo menos 30% das mulheres ao longo da vida e entre 70 a 80% dos homens – a tão famosa calvície. “Este tipo de alopecia resulta de um efeito hormonal a nível do folículo piloso, causando a sua progressiva miniaturizacão e eventual desaparecimento”, faz notar Isabel Correia da Fonseca. Sendo que a manifestação da doença varia consoante o género. Ana Pedrosa especifica. “Nos homens, caracteriza-se, sobretudo na fase inicial, por perda ou rarefação de cabelo na zona frontal lateral (‘as entradas’) e na coroa (próximo do topo da cabeça), podendo evoluir, em alguns casos, para perda total de cabelo. Nas mulheres é mais característica a redução da densidade de cabelo na zona frontal, mas com preservação da linha de implantação do cabelo e, em geral, sem perda total.”

Tópicos, injeções, laser

Num caso e noutro, as consequências psicológicas podem ser significativas. E este é um aspeto que importa relevar. Ana Pedrosa admite isso mesmo. “A afetação da qualidade de vida e autoestima dos pacientes é muito evidente em todas as formas de alopecia, uma vez que o cabelo interfere de forma impactante na imagem corporal e na primeira impressão na relação com os outros em sociedade.” Isabel Correia concorda. Deixa, a propósito, um alerta premente. “É muito importante o diagnóstico precoce, porque permitirá o seu tratamento e evitará a progressão da doença.” Há ainda um outro aviso que lhe parece fundamental. “É crucial distinguir a queda de cabelo [o chamado deflúvio telegénico] e a alopecia androgenética.” No primeiro caso, há uma “queda exuberante de cabelo devido a uma causa concreta”. Por exemplo: uma cirurgia, um parto, uma situação de falta de ferro, um pico de stress, um evento traumático ou eventualmente a infeção por covid-19, sobretudo nos casos que o vírus provocou febres muito altas. “Afeta sobretudo as mulheres e ocorre até cerca de dois a três meses após o evento desencadeante. É muito importante um diagnóstico correto, porque, se tratar de um défice nutricional ou de uma patologia relacionada, isso pode ser corrigido, o que por sua vez vai corrigir a queda e tranquilizar o doente, uma vez que este tipo de queda regride totalmente na maioria dos casos.”

Por vezes, Sandra Campos usa peruca, por vezes não. A diferença, garante, é muito pouca. “É um simples acessório. Sou a mesma pessoa com e sem ela”

Mas voltando à alopecia androgenética, há tratamentos eficazes? De que tipo? “Há medicamentos, em comprimidos ou aplicados localmente, que se usados de forma consistente e continuada podem travar a evolução da alopecia e melhorar o estado e a quantidade de cabelo. Quanto mais precocemente for iniciado o tratamento, maior será a probabilidade de sucesso, antes de ocorrer uma progressão significativa”, reforça Ana Pedrosa. Há ainda outras opções de tratamento, que a tecnologia e a evolução da ciência têm permitido implementar. É o caso da cirurgia de transplante capilar. Sendo que, para garantir um bom resultado, “é necessário que o paciente tenha cabelo suficiente na região dadora”, ou seja, onde é feita a extração dos folículos capilares. “E deve manter-se o tratamento médico para prevenir a queda de cabelo progressiva após a cirurgia nas áreas não transplantadas.” De resto, Isabel Correia lembra que, às terapêuticas tópicas e orais, “bastante eficazes na interrupção do processo e na melhoria da doença”, podem ainda ser associados “tratamentos como micro injeções de fatores de crescimento, vitaminas e aminoácidos” ou mesmo com lasers de baixa intensidade, que vão ajudar a estimular o crescimento do cabelo. Mesmo no caso da alopecia areata, a dermatologista salienta o aparecimento recente de novos fármacos, “que vieram revolucionar o tratamento nos casos graves, com muito bons resultados”. Outra prova de que a doença não tem de ser uma sentença.

Factos & números

1/3
Das mulheres tem alopecia androgenética ao longo da vida.

Jada Smith dá que falar
A alopecia areata ganhou maior visibilidade no ano passado, na sequência de um episódio rocambolesco ocorrido durante os Oscars: Chris Rock fez uma piada a propósito da doença de Jada Smith, mulher de Will Smith; o ator não se conteve e deu um soco ao apresentador.

Jada Smith, mulher de Will Smith
(Foto: Caroline Brehman/EPA)

100
É o número aproximado de tipos de alopecia existentes. Além da androgenética e da areata, já mencionadas, destaque para as alopecias cicatriciais (quando há nascimento de tecido cicatricial que impede a produção de novos fios no couro cabeludo), para a alopecia por tração (causada por penteados que forçam excessivamente a raiz do cabelo) e para a alopecia frontal fibrosante (atinge principalmente mulheres no período pós-menopausa).