Vidas reconstruídas por cirurgias

Bernardino Carneiro nasceu com uma massa disforme que cresceu e lhe tapou o rosto. Com 81 anos, feitos ontem, voltou a ver jogos da bola com os amigos no café. Rosa Gracinda viveu com parte da cara paralisada mais de 50 anos. Nunca largou a esperança. Marco André ficou com a orelha esfacelada, andou com uma prótese no antebraço, e já não usa gorro. Fábio Madeira perdeu osso no braço e o pulso entortou. Recuperou, escreve e conduz. Aos 19 anos, Ricardo Vidal ficou irreconhecível, queimado em 65% da pele. Com 32, é treinador de futebol e estuda Psicologia. Cinco histórias de gente que luta. De gente feliz à sua maneira.

Bernardino Carneiro sabe o que lhe vai acontecer na mesa de operações daqui a algumas horas. Estamos em 2020, início de junho, tempo quente, o país em pandemia, gente de máscara por todo o lado. Tudo planeado para a cirurgia que irá remover a malformação vascular que lhe tapa mais de metade do rosto. Uma massa arroxeada, disforme, que mexe nos seus dias, a vida toda. Estamos no sétimo piso do Hospital de São João, no Porto, a ouvir a história de uma longa caminhada. “Aqui estou eu para o que der e vier. Enquanto estiver vivo, é sempre a andar, nada impede coisa nenhuma.”

Está calmo, parece, o médico explicou o processo, cirurgia de alto risco, é necessário colocar dois expansores, ir mais vezes ao bloco. “Nasci com esta mancha. Tirava e queimava. Cortava e queimava. Os botões cresciam, tiravam, vinham outros. Falavam em tirar pele daqui para meter acolá e nunca mais pensei nisso.” Até agora, aos 79 anos. A massa aumenta, quase lhe tapa a boca.

E o tempo passa. Ano e meio e três cirurgias depois, a dois dias do Natal de 2021, a mesma simpatia, o mesmo olho azul, um sorriso ainda maior. A massa deixou de ser massa. “É uma nova vida, mesmo que seja por pouco tempo, vale a pena.” A cara é outra. A vida também. Voltou à missa e ao café para ver futebol e lanchar com os amigos. Ontem fez 81 anos e houve festa.

Rosa Gracinda Martins recebe-nos no jardim de casa, na Gafanha da Boa Hora, Vagos. Não se vê o mar, a praia da Vagueira fica perto, o vento do norte não dá sossego na primeira sexta-feira deste ano. Tem 64 anos. Aos oito, entra numa sala de operações para lhe tirarem um quisto que crescia um pouco abaixo da orelha direita. Três dias depois, está com a boca ao lado. “Na altura, disseram aos meus pais que o caroço estava mais espalhado, que tiveram de ofender o nervo, cortar o nervo facial”, lembra. Resultado: paralisia facial do lado direito. O olho direito não fecha, constantemente a lacrimejar, lábios que não seguram o que come e o que bebe. “Fui crescendo e habituando-me a ter a boca ao lado.”

Os médicos dizem-lhe que tinha solução, é preciso operar, marcam consultas em Coimbra, entra em lista de espera. Voltas e voltas, faz 50 anos e nada. “Ainda fui fazer exames duas vezes, disseram-me que me chamavam, não chamaram.” Até ao dia 15 de junho de 2020, em que é operada no São João, uma semana depois do senhor Bernardino. “Como era uma coisa que queria tanto, fui muito tranquila, muito confiante. Nunca apanhei nervos, quando se quer muito uma coisa, sabe como é.” E correu bem.

Em Arouca, no seu supermercado na rua principal da vila, do outro lado do mosteiro, Marco André Magalhães, de 33 anos, anda na sua vida, vendas e encomendas, terá de ir ao mercado abastecedor ao Porto. Anda contente, será pai em abril. Passaram-se cinco anos e meio desde a cirurgia, pioneira a nível mundial. Usa cabelo curto, rente, durante anos tinha-o comprido para disfarçar. O tempo dos gorros dentro e fora de casa já lá vai, já passou o desconforto de mostrar a marca do acidente de 11 de maio de 2014. Domingo, convívio de amigos na serra da Freita, piquenique, mergulhos no rio. A caminho de casa, a carrinha despista-se, embate numa árvore. Braço direito partido, orelha esquerda esfacelada, dá entrada no hospital de Gaia, é transferido para o São João. “Estava numa maca com a orelha pendurada por um nervo”, recorda.

A hipótese de aproveitar a orelha que terá raspado no asfalto foi colocada de lado. O seu caso foi estudado ao ínfimo detalhe, implantou-se uma prótese de uma orelha esculpida à medida no seu antebraço. E ali ficou dois meses até ser transferida para o seu lugar. “Tinha de ser, tinha de ser. Hoje voltava a fazer a mesma coisa, ainda mais depressa”, confessa.

Fábio Madeira tinha 25 anos e aquele 31 de maio de 2013 não é para esquecer. Passeio de bicicleta, zona com areia na estrada, trava, cai com o corpo em cima do braço direito. O cenário não é bonito, fratura exposta, percebe que a situação é mais grave do que daquela vez que partiu o mesmo braço quando andava de patins. Hospital de Santarém, operado quatro dias depois, mete placa, tudo bem, braço engessado. Gesso fora, raio-X, afinal não estava tudo bem. “Metade do osso do rádio tinha desaparecido, tinha sido assimilado pelo organismo”, revela. Não era tudo. Havia infeção numa cicatriz, mais uma operação para limpar, colocar um fixador externo, mais consultas, enxerto da tíbia para o braço, o osso não pegava. “Começo a ficar com o pulso um pouco torto, mal conseguia mexer os dedos.” Fisioterapia, procura de especialistas, até que dá entrada no São João. É operado, enxerto na perna, mês e meio internado, seis meses depois estava a trabalhar. Fábio tem agora 34 anos, é engenheiro informático, mudou-se de Santarém para Lisboa. “Faço a minha vida normal.” E nunca mais andou de bicicleta.

Em 2009, Ricardo Vidal tinha 19 anos, saiu de casa em Lever, Gaia, para o trabalho, centro de operações dos CTT em Perafita, despiste, embate, fica em choque com o impacto, não reage, o automóvel começa a arder, é retirado por um casal que passava. Dor num braço, muita sede, conseguia falar, os bombeiros pediam-lhe para se manter acordado, apagou quando entrou na ambulância. Acordou dias depois no São João sem se lembrar do que tinha acontecido. A situação era grave. Queimaduras em 65% do corpo, ficou sem a perna esquerda, sem os dedos da mão direta, sem orelhas. Passou 17 meses internado. Hoje tem 32 anos, é treinador de futebol dos juniores nos Dragões Sandinenses, dá uns toques na bola, estudou coaching, está no segundo ano do curso de Psicologia na Católica no Porto, ingressou no laboratório de neurociências da universidade, anda a pensar comprar uma moto-quatro. “Às vezes, prendemo-nos a pensamentos e precisamos de ver outra perspetiva para nos colocarmos, nós próprios, em perspetiva, para não termos aquela ideia tão fechada. A Psicologia tem-me dado esse conhecimento.”

Escreveu o livro “Viver com alma” dez anos depois do acidente. Partilha a sua história em conferências e ainda este mês estará numa escola de Valadares a falar para turmas do Secundário. “Durante estes anos, nunca me fechei, ia vivendo o meu dia a dia. Era novo quando saí do hospital, depois de ter recebido a prótese ganhei mais autonomia, conseguia sair mais vezes. Nunca me fechei na minha história. Sempre que alguém me procurava e me perguntava o que aconteceu, eu explicava tudo, o que tinha acontecido.”

A vergonha, o isolamento, a tristeza

Rosa Gracinda é bem-disposta, mas há uma vez que a voz lhe treme. “Ninguém queria saber. Quando não há solução não há solução. Agora saber que havia solução e ninguém nos ajudar é muito triste”, desabafa. Por vezes, ainda ouve dos mais pequenos: “Tu tens a boca à banda”. “Já chega a nossa tristeza de sermos assim. Não foi culpa nossa e também não foi culpa dos médicos”, atira.

Metia-lhe impressão o olho direito sempre aberto, sobretudo quando dormia. Pensava nisso e tentava desligar. O tempo passava e Rosa Gracinda andava na sua vida. “Fiquei assim, sou assim, está aqui, é meu, nunca me deixei ir realmente abaixo.” Um casal amigo foi lá casa, pediu licença para lhe tirar uma fotografia que entregaria a um médico no São João. Sim senhor, sem problema. “No espaço de um mês, chamaram-me à consulta.” Nem olhou para trás. “Estas sequelas ficam sempre, mas dantes tinha vergonha, posso mesmo dizer a palavra vergonha, de me apresentar, usava a mão para me tapar.”

No dia da operação, tem ideia de que o relógio marcava duas da tarde, quando abriu o olho seriam nove da noite. Trataram o lábio superior, meteram uma placa de titânio na pálpebra superior direita para corrigir a lagoftalmia, aplicaram toxina botulínica para corrigir a assimetria do lado inferior. Dez dias internada. Um ano depois, em junho do ano passado, mais uma cirurgia para retirar um pouco de pele do olho. As massagens na face e na testa para ativar os nervos são agora rotinas quase diárias.

Marco André tinha 25 anos e tinha a sua técnica de camuflagem. Sem orelha, deixou crescer o cabelo para tapar, cobria a cabeça com gorros e lenços. A autoestima estava em baixo. As perguntas, as explicações de ter uma orelha no antebraço, a imagem ao espelho. “Era difícil de perceber, complicado explicar uma coisa assim.” Fábio Madeira também tinha 25 anos quando teve o acidente, passou dois anos pesados. Era bastante ativo, jogava futebol, saía com os amigos, estava num estágio profissional na área de informática. “Deixei de trabalhar, era complicado. Foram dois anos em que não podia fazer nada, o braço torto, era uma situação muito complicada, era tímido e isolava-me muito”, rebobina.

Ricardo Vidal passou por vários hospitais, fez várias cirurgias. “Quando acordo, estou com os olhos vendados, tinha dificuldade em distinguir o que era estar acordado do que eram sonhos porque havia sonhos que eram muito reais.” Os dias eram demasiado compridos. “Tive muito tempo para refletir, estive 23 dias em coma induzido e, quando acordei, passava 23 horas por dia praticamente sozinho. A minha família só podia estar uma hora através de um vidro, de um telefone intercomunicador.” E questionava-se: o que era isto da vida? O que era isto de viver? Tinha 19 anos, não sabia o que era usar próteses, nunca tinha visto uma tão-pouco. Outra preocupação era o seu relacionamento. “Tive de me agarrar ao suporte que tinha, à família, aos amigos, à namorada que se manteve durante um ano.” Queria recuperar, queria sair do hospital. Deixou de sonhar com o Ricardo antes do acidente, aceitou-se tal como é. “Sei que não somos só uma imagem, a imagem é importante, sim, mas não somos uma imagem. Temos de nos agarrar àquilo que está dentro de nós e que nos faz viver.”

Bernardino Carneiro voltou ao bloco várias vezes, era assim que tinha de ser, para remover aqueles botões que lhe cresciam na cara. “Os furúnculos pareciam espigas de milho. Até as crianças tinham medo, ficavam pasmadas, era uma tristeza terrível.” Desde pequeno que não vê do olho esquerdo por causa dessa anomalia dos vasos sanguíneos. Tumor vascular, obstrução de orifícios, um caso fora do vulgar. “Nasci assim, isto foi aumentando, via por um cantinho até que o olho fundiu.” Uma tristeza danada que lhe consumia a alma. “As crianças ficam um bocado chocadas, as pessoas olham e desviam o olhar. E a minha autoestima reduziu para menos de 50%.”

Idalina Carneiro levou o pai a todas as consultas e exames, de Paços de Ferreira para o Porto, ida e volta, incentivou-o, prometeu que nunca o abandonaria. Sabia o que aquela massa o roía por dentro. “Começou a isolar-se, comer era difícil, a tomar café tinha de inclinar a cabeça, sujava a roupa, não segurava a saliva, estava sempre com um lenço. Era como um menino a quem lhe estavam a nascer os dentes”, sintetiza.

As dificuldades, os desafios, as soluções

Todos estes casos estiveram nas mãos de Ricardo Horta, cirurgião plástico, atualmente diretor do Serviço de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva do Centro Hospitalar Universitário de São João, professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Casos descritos em publicações de referência, relatados em congressos nacionais e internacionais.

Quando Marco André entrou na urgência do São João, Ricardo Horta estava de serviço, percebeu logo que seria complexo salvar a orelha esfacelada. Depois de estudar e analisar, fez uma cirurgia pioneira a nível mundial. Primeiro, implantou uma prótese desenhada à medida no antebraço, depois transplantou-a. Do braço para a cara, foram ligados um nervo, duas veias e uma artéria. Oito horas no bloco. “Foi uma cirurgia de grande sucesso, a orelha vinha completamente destruída, impossível de reutilizar como implante”, recorda. Fez-se história na medicina.

Fábio Madeira chegou ao São João com mão bota radial pós-traumática, mão caída, complicações na fratura no braço. “Ficou com um desvio no punho, tinha uma grande limitação física. Optámos pela transferência de um osso da perna para o antebraço e, juntamente com a Ortopedia, fizemos o procedimento de estabilização do punho.” Fábio recuperou a extensão e flexão do punho. “Foi uma cirurgia muito bem-sucedida do ponto de vista estético e funcional”, sublinha o médico.

Rosa Gracinda foi outro desafio, a paralisia facial era grave, as comorbilidades não aconselhavam transferir o músculo da coxa para a face. Optou-se por uma técnica diferente, desinserção tendinosa do músculo temporal, e bastou uma cirurgia. “Conseguimos resultados muito significativos, tanto em simetria em repouso, como em simetria em contração.” Ou seja, um sorriso simétrico.

Na malformação de Bernardino Carneiro, a idade e a dimensão da lesão eram as maiores dificuldades. Ricardo Horta não vacilou. “Este senhor merece uma oportunidade, achámos que devíamos investir.” Com todos os riscos. A receção da massa vascular era o fator crítico, era de prever uma perda maciça de sangue, era necessária uma equipa experiente que estancasse a hemorragia. “Optámos por retalhos previamente expandidos da face e complementaridade com laser de última geração.” Ainda foi necessária uma terceira cirurgia para remover mais massa vascular e reconstruir a pálpebra. “Foi gratificante para todas as pessoas que acompanharam o processo, tanto para os médicos, para os enfermeiros, como para a família.”

Quando Ricardo Vidal chegou às mãos de Ricardo Horta, já tinha sido submetido a várias operações reconstrutivas, enxertos cutâneos. O rosto desfigurado permanecia. O médico colocou a hipótese de transplante facial, consultou o cirurgião francês que realizou o primeiro a nível mundial, em 2005. Ricardo Vidal acabaria por optar pela reconstrução com os seus próprios tecidos, só que a única área não queimada era no lado esquerdo das costas.

“São doentes muito motivados, que aderem aos planos terapêuticos”, garante Ricardo Horta, cirurgião plástico do São João

Ricardo Horta desenhou um modelo de reconstrução para 1/3 do rosto nas costas. “Nessa fase, desenhou-se um nariz e lábios, com colocação de biomateriais e enxertos dentro do retalho. Num terceiro tempo, foi feita a transferência livre do retalho e realizadas anastomoses microvasculares dos vasos escapulares aos vasos recetores no pescoço.” Termos técnicos à parte, um ano depois, “Ricardo ganhou melhor capacidade de alimentação e abertura da boca, respiração mais eficaz com vias aéreas mais permeáveis, e proteção ocular mais robusta, o que se traduziu num ganho funcional extremamente importante”.

Cada caso foi um caso, obrigou a planos adaptados e individualizados, práticas da medicina moderna. “São estas situações que nos fazem sentir realmente úteis como médicos, que obrigam a planear, a estudar, a ver o que está publicado na literatura, a reconstituir um defeito através da simulação.” A nunca baixar os braços, a nunca desistir. “Nunca estamos descansados ou satisfeitos com os resultados, há sempre coisas que achamos que é possível melhorar ou acrescentar”, admite o médico.

O futuro, o humor, a superação

Rosa Gracinda tinha colocado na cabeça que desistiria aos 65 anos se nada acontecesse. “Se não tivesse ajuda, já não valia a pena.” A esperança era uma luzinha que não se apagava. Casada desde os 18 anos, três filhos, trabalhou na seca do bacalhau, em restauração, em limpezas, o que ainda faz sobretudo no verão. Garante que nunca se sentiu excluída e não era por ter a parte direita da cara diferente da esquerda que deixava de se maquilhar quando havia casamento na família. Tinha a sua maneira de comer e não se privava de ir a restaurantes. Agora não precisa nada disso. “Está um trabalho perfeito, não sei o que fizeram, mas a medicina está muito aumentada. Há médicos e médicos. Há os que se interessam pelo doente e que ajudam”, destaca.

Ricardo Vidal é um exemplo de superação. Não sabia como iria ser o futuro, mas meteu na cabeça que tinha de sair do hospital para a sua vida andar. O humor era seu aliado, o mecanismo de defesa, para mudar o registo dos amigos que o visitavam e que não sabiam o que dizer. Apesar de tudo, e de tantos momentos em baixo em que não conseguia falar, mantinha a capacidade de brincar com a situação “Às vezes, é necessário parar, observar o que estamos a fazer, o que dizemos, o que pensamos, para depois conseguirmos fazer algo diferente e que nos motiva”, diz.

Marco e Fábio estão satisfeitos. Fábio lembra-se do dia da operação no São João, o médico Ricardo Horta sempre a ver se estava tudo bem, se o enxerto pegava. Poderá, se quiser, fazer uma cirurgia estética, pequenos retoques. “Não me parece necessário mexer no braço que agora está a funcionar.”

Ricardo Horta sabe como é vida destes doentes. “Muitos apresentam problemas de autoestima e imagem muito significativos, dificuldades nas suas relações profissionais, afetivas, familiares. Evitam estar expostos aos olhares furtivos e isolam-se, sofrem a chamada morte social.” No entanto, não é só a parte estética que está em causa. “É importante fazer esta reabilitação a estes doentes de forma a serem mais otimistas e ficarem mais confiantes. São doentes muito motivados, que aderem muito bem aos planos terapêuticos, que comparecem às consultas, que estão dispostos a fazer as cirurgias que forem necessárias.”

A pele, o maior órgão do corpo, é um espelho da vivência de cada pessoa. Nos casos em que a imagem muda, a personalidade e as circunstâncias importam, segundo Eduardo Carqueja, psicólogo clínico, diretor do departamento de Psicologia do São João. “Como estas pessoas olham não só para o momento, mas também para o futuro. Esteticamente vão ter sempre um olhar e, às vezes, é difícil normalizar o que não é normal em termos de estética”, adianta. “Nestas pessoas, o importante é que continuam a viver muito presas à vida, com olhar de presente e de futuro, e que validam o que é uma alteração visual.” Uma vida não é apenas um corpo ou uma imagem.

“Ui que grande diferença, que grande diferença. Tem sido um trabalho muito delicado”, diz Bernardino Carneiro que neste ano e meio sempre falou em fé, em esperança, em acreditar. Uma vida de emigrante, 33 anos em Estrasburgo, França, foi marceneiro, restaurava móveis antigos, voltou à terra, a Paços de Ferreira, tornou-se estofador. “A gente gosta disto, tinha a minha casa, o meu quintal.” Tem três filhos, um rapaz e uma rapariga gémeos e um rapaz mais novo. Agora fala num novo começo. “A vida está quase normal. É uma sensação diferente, às vezes nem acredito que seja verdade.” Idalina, a filha, sempre a seu lado. Em alguns momentos, confessa, teve o coração nas mãos. “Valeu a pena? Valeu. Nem dá para descrever, come melhor, respira melhor, já não se suja.” Bernardino não esconde a imensa alegria a poucos dias da última sessão de laser, feita há menos de duas semanas. “Sem dúvida que foi uma decisão bem tirada, uma aposta muito bem-sucedida. Sinto-me outra pessoa. As crianças já não sentem aquele impacto”, salienta. “Desistir era uma ofensa”, reconhece. Para si, para os médicos, para todos.