Shein. A “fast food” da moda que ameaça os gigantes do vestuário

Empresa chinesa de venda de roupa online está a dominar o mercado da moda rápida, destronando marcas mundiais como a Zara, Primark ou H&M. Os seus consumidores, principalmente mulheres, encontraram uma forma de renovar o armário a um preço muito barato, apesar das acusações de plágio e de dúvidas sobre a qualidade e a sustentabilidade.

A Shein, a empresa que só vende produtos de vestuário online, está a ameaçar as marcas mundiais mais conhecidas como a Zara, a Primark ou a H&M, ao dominar o mercado da chamada moda rápida, uma derivação da “fast food” para o têxtil. Graças à sua aposta em algoritmos para detetar instantaneamente os gostos dos consumidores, a Shein está a fazer tremer a forma como se vendem artigos de vestuário, um setor que vale a soma astronómica de 1,4 biliões de euros. O segredo do sucesso é a combinação de vários fatores que faz com que os consumidores, principalmente mulheres entre os 16 e os 25 anos, encontrem uma forma de renovar o armário de roupa a um preço muito barato, apesar das dúvidas sobre os standards de qualidade e de sustentabilidade da marca, assim como as inúmeras queixas de plágio.

A Shein foi das primeiras empresas a perceber que os jovens não respondem aos mesmos métodos de marketing das gerações anteriores. Segundo a consultora Daxue, 55% da Geração Z (jovens nascidos entre 1995 e 2010) cita o preço como o fator mais importante para comprar roupa e acessórios. Tendo como base essa premissa, o modelo de negócio da Shein assenta numa ampla rede de “influencers” de moda através das redes sociais. É que a empresa sabe que, em comparação com outras gerações, a Geração Z dá mais atenção às redes sociais para descobrir marcas da moda. Além disso, a conta da Shein no Instagram faz questão de promover a positividade do corpo e do amor-próprio, o que para os consumidores jovens também é fundamental. Para além dos pequenos “influencers”, a empresa chinesa paga ainda a celebridades adoradas por jovens ocidentais como Katy Perry, Lil Nas X, Rita Ora, Nick Jonas e Hailey Bieber.

A empresa chinesa paga ainda a celebridades adoradas por jovens ocidentais como Katy Perry, Lil Nas X, Rita Ora, Nick Jonas e Hailey Bieber
(Foto: DR)

Uma das estratégias da Shein é escolher “influencers” menos populares em vez dos mais famosos e, por consequência, mais caros. O que a empresa pede é que publiquem referências à Shein no Instagram, YouTube ou TikTok e recebem produtos gratuitos todos os meses. Alguns chegam a receber comissões de 10% a 20% das vendas através dos “posts”.

Mas, para que os jovens continuem a ser clientes assíduos, o site da Shein inclui produtos exclusivos escolhidos pelos estilistas da Shein e criados por designers especificamente para a loja online. Além disso, a Shein tem secções dedicadas a roupa para as mais “gordinhas”, assumindo uma postura de positividade corporal. No entanto, numa altura em que muitas marcas de vestuário estão a prometer parar de usar o photoshop nos modelos, a Shein continua a usar imagens excessivamente modificadas para se adequar a padrões de beleza irreais. “A grande base de consumidores de Shein consiste em adolescentes mais jovens, o que contraria o movimento progressivo de amar o próprio corpo e estabelece um objetivo impraticável para se admirar”, critica Daiane Chen, da consultora Daxue.

Apesar de tudo, a Shein conseguiu uma revolução similar à chegada do TikTok às redes sociais. Em declarações ao jornal espanhol “El País”, Sucharita Kodali, analista de vendas da Forrester, diz que a empresa “conseguiu o que parecia impossível: criar tendências a um custo irrisório e muito rápido. A Zara dita a moda e muda as suas montras com frequência, mas a Shein oferece milhares de novos produtos diariamente aos preços mais baixos do mercado”.

“Chega a um público jovem, que muda de opinião de um dia para o outro e consome por impulso. Nas redes sociais, incentivam os jovens a mostrar fotos e vídeos com os seus produtos, gerando um sentimento de pertença e de comunidade”, comenta Sucharita Kodali. “Na sua aplicação, os descontos aparecem de forma aleatória, o que junta emoção à experiência de compra, tornando-se um vício.”

Assim como a Primark nas lojas físicas, a marca chinesa “criou um ambiente que permite aos compradores sentirem-se inteligentes e experientes para encontrar a roupa perfeita e com estilo”, explica Daiane Chen, acrescentando que os jovens “ficam felizes ao filmar-se a desembalar as suas roupas e a experimentá-las quando as recebem”.

O algoritmo do sucesso

Mas a Shein também supera os seus concorrentes com entregas rápidas, sendo que o tempo médio é de seis a oito dias. Mark Greeven, professor de Inovação na escola de negócios IMB de Lausana, diz ao “El País” que a chave do sucesso está na gestão da cadeia que aposta na automatização e na inteligência artificial. A Shein levou ao limite o processo logístico que a espanhola Inditex popularizou na década de 1990, que permite oferecer peças novas praticamente cada semana em vez das chamadas épocas outono-inverno ou primavera-verão. A empresa também reduziu o tempo entre o desenho e a nova peça. A sua produção demora entre cinco a sete dias de forma a conseguir colocar semanalmente à venda uma grande quantidade de produtos a preços entre 40% e 60% mais baixos do que a concorrência.

“O algoritmo da Shein é capaz de adivinhar em tempo real as tendências de dezenas de mercados. Na sua plataforma aparecem diariamente protótipos de milhares de produtos baseando-se na monitorização do comportamento dos utilizadores. Assim, é capaz de prever a procura e o número de peças que realmente necessitam para estar em stock”, diz Greeven. “A chave está em entregar pequenas encomendas aos seus diversos fabricantes, que rapidamente realizam a tarefa porque são pagos na hora”, enfatiza.

Graças à forte aposta nas redes sociais, ­acumula mais de 250 milhões de seguidores em todas as plataformas – e a sua legião de “influencers” que promovem os seus produtos -, a Shein está a tornar-se uma obsessão para os que nasceram às portas do milénio.

Falta de sensibilidade cultural

Por ser uma empresa com sede na China, por vezes, tem falta de sensibilidade cultural em relação ao resto do Mundo e, principalmente, em relação ao Ocidente. O “politicamente correto” pode significar outra coisa na China. Um dos grandes deslizes da Shein teve a ver com uma forte reação negativa dos consumidores ocidentais quando a empresa colocou à venda uma joia com uma cruz suástica. Na verdade, o produto fazia todo o sentido no mundo budista porque a joia é vista como benigna, mas a empresa não deveria ter estendido as suas vendas ao ocidente, onde a cruz suástica está mais relacionada com o antissemitismo.

A Shein é, por vezes, acusada de falta de sensibilidade cultural ao apresentar produtos que podem ferir a suscetibilidade em várias regiões do Mundo, como a venda de um anel com a cruz suástica
(Foto: Wirestock/AdobeStock)

Apesar dos percalços, a Shein, graças a um modelo de negócio baseado na Zara, combinando o desenvolvimento de algoritmos semelhantes aos do gigante do comércio eletrónico Alibaba, conseguiu um lugar exclusivo no top-3 dos chamados “unicórnios”, valorizada em mais de 100 mil milhões de euros, cerca de metade da riqueza toda de Portugal.

O êxito do grupo chinês é incontestável, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. A Shein, que vende os seus produtos só através da Internet, é a aplicação de compras com mais downloads em 50 países e desde maio que ocupa o primeiro lugar geral nos Estados Unidos, à frente do TikTok, Instagram, Twitter ou Amazon.

Exploração laboral

Calcula-se que a Shein conta com mais de 300 empresas satélite que trabalham exclusivamente para a marca. Uma vez que todas as partes da cadeia de fabricação se centram num só lugar e utilizam o mesmo software, a comunicação é completamente automatizada, o que permite reajustar instantaneamente os planos de produção sem acumular desperdícios. E, ao não ter lojas físicas, reduzem em muito os custos.

Para fornecer instantaneamente a procura, a empresa chinesa conta com mais de 300 empresas satélite que trabalham exclusivamente para a marca, reduzindo os desperdícios através de uma cadeia de fabricação comum. Ao não ter lojas físicas, limita em muito os custos
(Foto: Jade Gao/AFP)

Não obstante, Greeven expõe alguns pontos débeis que, no futuro, podem ser um fiasco. “A sua base de consumidores, cerca de sete milhões de utilizadores mensais ativos, é pequena comparada com as principais plataformas de comércio eletrónico. Se aumentarem muito mais, haverá maiores complicações para a gestão de dados e maior pressão logística”, explica.

O ritmo de produção e o silêncio da Shein sobre a sua estratégia de sustentabilidade suscitam sérias dúvidas sobre os standards de qualidade, a procedência das matérias-primas e as condições dos seus trabalhadores. A organização suíça de direitos humanos Public Eye denunciou recentemente a exploração laboral a que estão submetidos os trabalhadores dos seus fabricantes, alguns chegando às 75 horas semanais, um horário que viola a lei laboral da China, que estabelece um máximo de oito horas diárias e 40 semanais. “A Shein ainda tem muitos desafios pela frente e deverá responder a muitas perguntas para ganhar a confiança do público. Se querem crescer, devem ser transparentes”, conclui Kodali.

Em valorização ascendente

Segundo a consultora Eranest Research, nos primeiros três meses deste ano, a Shein acumulou quase um terço das vendas totais de vestuário em território norte-americano, superando o somatório da H&M (17%) e Inditex (10%). Além disso, é a terceira empresa emergente mais valorizada do Mundo depois da também chinesa ByteDance, dona do TikTok, e da SpaceX, propriedade de Elon Musk. A sua recente valorização de 100 mil milhões de euros ultrapassa a capitalização em bolsa da Inditex (64 mil milhões) e da H&M (20,6 mil milhões).

O ritmo de produção e o silêncio da Shein sobre a sua estratégia de sustentabilidade suscitam dúvidas sobre a qualidade das roupas e as condições dos seus trabalhadores. Já foram acusados de exploração laboral
(Foto: Jade Gao/AFP)

No entanto, a Shein é uma empresa tão opaca que nem os fundos de investimento dos Estados Unidos, como Tiger Global e General Atlantic, conseguem dar informações sobre ela. Esta atuação de “low profile” fez com que a Shein passasse entre os pingos da chuva de possíveis suspensões nacionais, coisa que outras empresas chinesas vêm lidando no último ano, inclusive os crescentes rumores de uma entrada na bolsa de Wall Street, que, a concretizar-se, seria a primeira operação de uma empresa chinesa nos Estados Unidos desde julho de 2021.

Pouco se conhece deste gigante asiático criado em Nanjing em 2008 com o nome de SheInside. O negócio especializado inicialmente em vestidos de noiva disparou em 2015, dois anos depois de um dos seus três fundadores, Xu Yangtian, comprar a totalidade do capital. Mudou o nome para Shein e passou a sede para Cantão, e está à vista o crescimento meteórico da empresa.

100 mil milhões de euros é a valorização da Shein, correspondendo a cerca de metade da riqueza de Portugal. Para atingir essa meta, a empresa adotou um modelo de negócio baseado na Zara, combinando algoritmos semelhantes aos do gigante Alibaba

Sob a presidência de Xu Yangtian, especialista em otimização de motores de busca na Internet (SEO), a empresa aproveitou o auge do comércio eletrónico, especialmente na pandemia. A Shein não publica resultados financeiros, mas a consultora Sinolink Securities estima que em 2020 as suas vendas tenham disparado 250%, até alcançar 9,5 mil milhões de euros, enquanto no ano passado o volume de negócios superou os 14,8 mil milhões de euros, quase sete vezes mais antes da crise pandémica de covid-19.