Valter Hugo Mãe

Sem texto


Rubrica "Cidadania Impura", de Valter Hugo Mãe.

A pop na era das gomas é de uma sensualidade bacoca, sem risco nem fogo. Enquanto o Planeta claudica com políticas vis de desumanização clara, os artistas universais da pop focam-se nos seus engates fraquinhos e desistem de intervir.

Há dias, vi que estreou novo vídeo dos Red Hot Chili Peppers e, ainda que nunca tenham sido uma das minhas bandas, senti uma estranha esperança de que sejam capazes de levantar o rock na arena internacional para que regressem as consciências de rotura que não se conformavam com facilidade e faziam do contínuo protesto uma forma de convívio com o sucesso e com o poder.

Admito que me aflige o estado da música popular dominante. É moribunda a sua atmosfera de criaturas sensuais sem texto, uns gemidos e pouco mais. Os estudos indicam que as letras das canções que hoje dominam as tabelas de vendas perderam qualquer elaboração e apresentam uma sofisticação ao nível do entendimento de uma pessoa com dez anos de idade. A generalização desta intenção de universalidade, uma música que é tanto feita para adultos como para a criança ainda descobrindo o Mundo, representa uma cosmética que conduz sobretudo à demissão, onde o artista nada diz senão a cansada fórmula do engate, da coisa hormonal que parece suficiente para uma vastidão de melómanos.

Vermos como, há mais de uma década, as tabelas de vendas são esmagadas por artistas cuja única luta parece ser a da libertação sexual, numa espécie de reclamação do direito de se ser promíscuo ou sem compromisso, é tão pouquinho quando comparamos com a avidez do rock que havia. A pop na era das gomas é de uma sensualidade bacoca, sem risco nem fogo. Enquanto o Planeta claudica com políticas vis de desumanização clara, os artistas universais da pop focam-se nos seus engates fraquinhos e desistem de intervir. São todos publicitários da Chanel ou da Gucci, da Prada ou da Valentino.

Pensar que as tabelas já foram dominadas pelos sons e pelos textos graves de gente como os Rage Against the Machine ou pelos Nirvana e até pelo furioso Marilyn Manson, faz-nos olhar para o Mundo de hoje como uma festa infantil onde a única coisa que se brinca é aos médicos para ver onde está escondido o dói-dói do paciente. Não há paciência. É muito pouco. Estou farto da multiplicação das Madonnas sem causa.

Um disco novo dos Red Hot Chili Peppers, que antigamente invadiam tudo, não vai mudar nada, mas traz ao de cima essa evidente dificuldade em criar ressonância para aquilo que é mais exigente, mais participativo, algo que revele a inscrição do artista no fabrico de uma sociedade mais consciente e justa. Sem isso, sobra o entretenimento. Muita pouca arte.

Dito isto, valha-nos o espectro do rap e da música dos bairros, que procura ser a denúncia fundamental para a redenção de populações sem vez. Valha-nos, por exemplo, o que nos diz Dino d’Santiago que lembra “Nossos corpos são também pátria”. O seu “Badiu” é ainda um espaço onde prestar atenção ao que se diz se torna uma importante, comovente, forma de ouvir música.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)