Ana ficou afetada com a agressividade do gato Cookie e Maria foi mordida quando a cadela Peúga comia. Ambas procuraram - e encontraram - ajuda em especialistas em comportamento animal.
Ana Marques recorda com tristeza um sábado de agosto passado quando o pai da sua filha Sara foi atacado por Cookie na sua casa, no Seixal. O felino geralmente tranquilo “trepou” o antigo companheiro até ao pescoço, com “o intuito de o morder”, mas o homem agiu rápido, tapando-se com cobertores “minimizando o ataque e evitando ser severamente mordido”.
Enquanto a filha de oito anos, assustada e a gritar, assistia ao ataque, Ana dirigiu-se ao gato, que “estava com as orelhas para trás e fora de si”. “Saltou na minha direção. Assustei-me, empurrei-o e voltou a tentar atacar-me. Arrisquei dar-lhe uma palmada e, nesse momento, parece que voltou à realidade e fugiu para a varanda”, relata a gestora de Recursos Humanos numa empresa do ramo imobiliário. Cookie ficou confinado na cozinha até se acalmar, mas, “ao ver o pai da menina, ficou novamente assanhado”. “O meu pequeno bichinho de nove anos nunca foi agressivo. Era amistoso e pedia festas”, comenta Ana, que ficou emocionalmente afetada com o episódio. Acabou por “contactar um especialista em comportamento felino” para garantir “a proteção de Sara”.
Em 2000, a veterinária Ilda Gomes Rosa presenciou “uma briga enorme” de duas das suas cadelas, uma São Bernardo e uma dogue alemã. “Vi-me grega para as separar e, quando consegui, fui mordida. Senti-me completamente impotente”, lembra a professora de Comportamento e Bem-Estar Animal na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa. A partir daí, dedicou-se a compreender o comportamento animal e acabou por criar a primeira consulta nessa área em Portugal.
Muitos dos comportamentalistas são psicólogos, outros são médicos-veterinários, treinadores ou biólogos, por exemplo. Sílvia Machado garante que só contrata técnicos qualificados para o Instituto do Animal, que fundou em 2015. Se o comportamento atípico tiver origem numa doença fisiológica, “fica resolvido com o tratamento da patologia”. Caso contrário, “se o problema for comportamental e severo, o processo requer tempo e paciência”. “Quem não procura soluções construtivas só vê no abandono do animal a solução.”
A “grande vantagem” de um comportamentalista ser veterinário é “a possibilidade de poder prescrever fármacos, em particular nos casos de necessidade de intervenção urgente, como nas situações de agressividade”, refere Ilda Gomes Rosa, embora raramente recorra à medicação, porque “não há modificação do comportamento se não houver terapia comportamental”. Antes de avançar, avalia o caso através de conversas com o dono e/ou outras pessoas que lidam com o animal e da observação do “paciente” presencialmente ou em vídeos.
Pandemia gerou problemas
“As pessoas ficam à espera de um milagre. Pensam que o animal volta rapidamente ao estado anterior ao problema”, repara a veterinária, que inicialmente tratava mais cães, mas que agora tem os gatos “quase em pé de igualdade”. A ansiedade de separação é o problema mais comum entre os cães que acompanha e, na maioria dos gatos, é a agressividade. “Os cães habituaram-se a ter os donos em casa durante a pandemia. Já os gatos estavam habituados ao seu espaço e a estarem sozinhos.” Também acompanha coelhos, papagaios, cavalos e animais exóticos.
A abordagem difere consoante a causa e o animal. Sílvia Machado revela que o acompanhamento dos cães é geralmente feito na clínica, o que já não acontece com os felinos. Ana Marques tem sessões por Zoom, em que reporta à técnica o comportamento de Cookie e recebe indicações. Uma das medidas que tem ajudado o gato a ficar mais calmo é assegurar que gasta bastante energia, com mais brinquedos e maior interação.
Segundo Sílvia Machado, “ainda há muito desconhecimento acerca do comportamento felino”. Já em relação aos canídeos, sabe-se que “emitem sinais e, se as pessoas não percebem, sobem a escada de agressão, que culmina na dentada”. Foi o que aconteceu à lisboeta Maria Manuel, de 50 anos. Há cerca de um ano, Peúga foi adotada com dois meses e, a partir dos quatro, rosnava à dona, ao marido e às filhas de ambos, Lara e Luísa. “Dávamos um osso, fugia logo e se chegássemos perto não gostava”, conta a arquiteta paisagista que foi mordida, sem gravidade. “O veterinário recomendou um comportamentalista, que se deslocou a nossa casa. Não correu bem, a Peúga virou-se a ele.”
Depois de outra tentativa sem sucesso, a família encontrou a ajuda que precisava. “O técnico Rui Barros tem treinado a Peúga e indicado exercícios para aplicarmos em casa, como darmos mais do que um osso para a cadela ficar com a sensação de que não lhe vamos tirar a comida.” “O trabalho tem sido fantástico e vai continuar até a Peúga sentir confiança total”, sublinha Maria.
Ana Marques compreende agora melhor o Cookie e já nota uma “grande diferença” no comportamento do gato, mas a terapia vai continuar. “É tudo feito passo a passo, com calma.”
Sinais de alerta
A veterinária Ilda Gomes Rosa indica alguns problemas e situações que podem afetar os animais
Cães
- Desobediência na rua
- Ladrar excessivo
- Medo
- Ansiedade por separação ou outra causa
- Agressividade com pessoas e animais
Gatos
- Comportamento inadequado de limpeza
- Agressividade com pessoas e animais
- Timidez
- Medo
- Novo membro da família
- Comportamentos compulsivos
Ana Marques decidiu procurar ajuda depois de o Cookie ter atacado o pai da filha e já nota mudanças no comportamento do gato
Maria Manuel com a Peúga, que anda a fazer terapia porque rosnava e mordia quando alguém se aproximava durante as refeições