Preparar o futuro noutro idioma para voar mais alto

São filhos de pais portugueses, residem em Portugal, mas frequentam estabelecimentos de ensino em que a língua primordial é outra. Convivem com realidades diferentes, aprendem através de um currículo externo, passam por experiências únicas. Preparam o futuro noutro idioma. Porque o mundo é já ali ao lado.

“Amo este colégio e nunca o trocaria por outro”. A convicção clara e plena, quase cristalina de tamanha fé, é de Carolina Fernandes, 16 anos apenas, uma vida de estudante no CLIP – Oporto International School, colégio a quem garante tal amor eterno. Sem reservas, qual jura indissolúvel para o resto da vida.

No CLIP só se ensina em inglês, seguindo o currículo de Cambridge. O português não é esquecido mas não é prioridade maior. Ali, onde Carolina frequenta o Form 11 (equivalente ao 11.º ano do ensino secundário), é como se fosse outro mundo de experiências, que Carolina absorve desde criança e que nela incutiram sentimentos e valores que promete levar para a vida. “Tem um sistema de ensino estimulante, que faz com fique com mais confiança em mim própria”, garante.

Carolina Fernandes é um dos muitos exemplos de filhos de pais portugueses que pretenderam trocar a rotina dos educandos e dar-lhes uma rota escolar diferente do habitual. Uma rota em que a língua materna foi deixada para trás e trocada por outra que um dia lhes poderá abrir outras portas quando a vida adulta, que agora parece distante, lhes trouxer decisões a tomar no trabalho, nas relações sociais, na forma de encarar a vida e de ver os outros.

“Aprender inglês é meio caminho andado para estar preparado para o mundo. E o inglês continua a ser a língua mãe utilizada em todo o lado. Não tive quaisquer dúvidas sobre o caminho escolar a escolher para a Carolina”, diz a mãe, Cristiana Vieira, 50 anos. Que não hesitou quando optou por este caminho diferente para a filha e que não se arrepende do percurso e dos benefícios que o futuro lhe trará com tal vivência singular. “Quem aprende em língua inglesa fica muito mais aberto para conseguir pensar por si próprio. Além de que os métodos de trabalho utilizados são diferenciados, os alunos são incentivados a trabalhar em grupo e a perceber desde cedo que a opinião dos outros conta tanto como a deles. No fundo, é tal e qual como funciona uma empresa, onde é necessário escutar todos e saber que todos têm sugestões válidas. É a preparação perfeita para a vida real”, considera a gestora de eventos no Museu de Serralves, no Porto.

Afinal, Cristiana tem um modelo em casa que lhe diz, em forma de exemplo perfeito, como o CLIP pode dar asas que escolas em português, públicas ou privadas, não conseguem oferecer com tanta certeza absoluta. “O irmão mais velho da Carolina estudou lá e hoje está em Praga, na República Checa, a tirar o curso de Engenharia Informática. Noto-lhe uma autonomia e uma autoconfiança incríveis. Como se para ele fosse exatamente igual estudar em Praga, em Portugal ou noutro lugar qualquer. Porque foi orientado para ser o que ele quisesse, fosse onde fosse. Teve sempre ferramentas para tal e agora vivencia a aplicação prática disso mesmo”, conta.

Carolina concorda em absoluto com a mãe. E não tem dúvidas de que no futuro vai sentir-se “mais preparada” por ter tido um ensino diferente dos demais. “Vejo-me a aplicar todas as bases que o CLIP me proporciona para um futuro de muito sucesso. Tudo o que aprendi através dos professores, dos auxiliares, dos colegas, etc, contribuiu da melhor forma possível para que me possa tornar numa excelente profissional”, afiança.

Entre os segredos que o diferenciam, o colégio aplica métodos que no currículo ministrado em Portugal raramente, ou nunca, são privilegiados. E que não passam, necessariamente, pela diferenciação no número de disciplinas e de carga horária. “Somos forçados, no bom sentido, a trabalhar em equipa com colegas de anos distintos.” O objetivo é concreto e prático: “Trata-se da melhor forma que temos de lidar com personalidades diferentes, o que nos prepara para o que viermos a encontrar mais à frente na vida”, aponta Carolina Fernandes. E há ainda as viagens de grupo ao estrangeiro todos os anos letivos, por vezes até mais do que uma, e as atividades extra, como o golfe, o balé, a natação ou o karaté.

Apesar de o CLIP garantir nos seus princípios que “não é uma escola seletiva”, frequentá-lo não é desígnio fácil. A seleção dos alunos é feita todos os anos através de um processo com regras antigas levadas a letra de forma. Antes de admitidos, os candidatos são sujeitos a uma entrevista pessoal que servirá como avaliação final e determinará se poderão entrar no colégio, situado na zona de Aldoar, paredes meias com bolsas de pobreza das mais evidentes no Porto. “Até isso é importante. Os alunos desenvolvem todos os anos ações de solidariedade e sabem desde pequenos que é obrigatório ajudar os outros”, reforça Cristiana Vieira.

“O CLIP estimula as crianças a não serem racistas. A verem todos os colegas de uma forma igual. A ajudar os mais desfavorecidos, assim como a sermos mais humanos e menos materialistas”, completa, sem hesitar, Carolina.

O grau de ensino arranca no Pre-K (equivalente ao pré-escolar) e prossegue até ao 12.º ano. Sempre em inglês como língua materna. Todas as aulas o são, exceção são as dos outros idiomas lecionados, que, para além do português, passam pelo espanhol, pelo alemão e até pelo mandarim. A opção de segunda e terceira língua é sempre tomada pelo próprio aluno.

A panóplia de nacionalidades entre o grupo escolar é imensa. Há alunos das mais diversas origens, com os mais diversos trajetos e culturas. “É mais uma das vantagens deste tipo de ensino. Permite-me estar perto de pessoas de todas as nacionalidades, tipos de vida e de vivências, que não teria numa escola dita ‘normal’”, descreve Carolina.

A entrevista e o processo de admissão para ter acesso ao CLIP são levados a cabo pelo diretor do ciclo de estudos ou um seu representante, que traça um perfil de cada entrevistado e depois conclui se este tem condições para constar como futuro membro. São realizados vários testes, analisados registos escolares, é-lhes traçado o perfil psicológico. No fim da análise profunda desses dados, em que também não faltam processos de observação pessoal, sairá a sentença. Qualquer um, “independentemente da etnia, religião, sexo ou origem nacional” pode ser candidato.

Carolina passou por tudo isso, o princípio de tudo para o que depois foi sendo tanto. E hoje a escola que diz amar incondicionalmente, a tal escola onde dentro das salas de aula só se fala inglês, é a que vai levar vida fora como sua, qual tatuagem invisível.

Caldeirão de culturas

A grande maioria dos colégios internacionais em Portugal, segundo levantamento levado a cabo pela “Notícias Magazine”, concentra-se nas áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa, para além do Algarve. Raros são os que fogem a esta lógica geográfica, exceção feita à zona centro, Coimbra e Leiria, onde, ainda assim, se podem contar pelos dedos de uma mão. Tal como apurámos, são frequentados, na sua maioria, por alunos filhos de pais estrangeiros. Alguns há que apenas aceitam crianças nessas condições, outros abrem-se a jovens cujos encarregados de educação têm ambos nacionalidade portuguesa. A única certeza é que fazem da multiculturalidade escola e não olham para a origem do passaporte na hora de preencher turmas.

Apesar de recente, a St. Peter’s International School, em Palmela, é uma das escolas internacionais de língua inglesa com tradição acentuada em Portugal. Fundada há 25 anos, tem como objetivo “construir as futuras gerações de homens e mulheres pensantes, críticos de si e da sociedade, competentes, sóbrios, sonhadores e humanistas.” É em inglês que tudo se passa na St. Peter’s, integrada que está na Inspired, uma rede internacional de colégios espalhada por 23 países com pontos comuns na forma de ensinar e baseada no sistema de Cambridge. É ali que Santiago, 9 anos, encontra as bases da sua formação, é dali que o jovem aluno do 5.º recolhe conhecimentos fora da caixa através de um processo de aprendizagem diferente, bem diferente, do ensino comum.

“Um dia, andava o Santiago no jardim de infância e em casa começou a identificar, do nada, quadros do Pollock, do Van Gogh e de outros pintores. Logo aí era visível essa forma distinta de ensino, que se baseava na arte para chegar a outros caminhos”, contam os pais, Tânia da Costa Silva, 44 anos, e Paulo Santos, 58. “A língua estrangeira é a grande mais-valia. Todas as aulas são dadas em inglês e também em português. E depois há os idiomas opcionais, como o espanhol e o mandarim”, acrescentam. “Ser bilingue vai dar-lhe todas as ferramentas para que ele, um dia mais tarde, possa decidir e aproveitar, nomeadamente estudando fora do país, se assim entender”, acrescentam, ela diretora de recursos humanos, ele bancário, residentes em Azeitão.

Tânia Silva e Paulo Santos, pais de Santiago: “Ser bilingue dá-lhe ferramentas para o futuro”
(Foto: Paulo Spranger/Global Imagens)

Santiago garante que não trocaria a St. Peter’s por qualquer outra experiência. O percurso que lá tem feito sai-lhe do discurso em forma de entusiasmo. “Os professores dão uma atenção muito especial ao nosso trabalho e à forma de ensinar. E somos muito bem cuidados, ainda, por todo o pessoal não docente”, descreve.

Os colegas também são motivo de elogio. Tantas nacionalidades compõem o corpo de alunos que é impossível escapar a ouvir histórias diferentes e de diferenças. É quase todos os dias assim, o que Santiago aprecia em particular. “Ouvimos novas línguas todos os dias e ficamos a perceber mais coisas. Ao conhecemos essas novas culturas, compreendemos como são tão importantes”, destaca com orgulho.

Essa possibilidade de convívio com outras realidades internacionais foi um dos motivos que pesou sobremaneira na hora de Tânia da Costa Silva e Paulo Santos inscreverem o filho na St. Peter’s. “O colégio tem alunos de 18 nacionalidades diferentes, sobretudo muitos brasileiros, chineses, americanos e de países africanos de língua portuguesa. Percebemos rapidamente que tal seria enriquecedor para o percurso do Santiago”, apontam.

A própria alimentação providenciada pela St. Peter’s sublinha os traços de multiculturalidade e de tolerância que procura promover nos seus valores e incutir a quem a frequenta. Cada refeição é um caldo de experiência única, com opções das mais diversas proveniências. De noodles de porco a um simples peru grelhado, de cuscuz a arroz tailandês, de chili vegetariano a carne de porco à portuguesa, de um rendang de novilho a frango jamaicano, os almoços são, também eles, uma forma de ensino, autêntica viagem de sabores internacionais que são. Dizem aos alunos que as diferenças geográficas também se fazem sentir no prato e que há muito a aprender com isso. “As novas comidas permitem-nos saber que essas culturas são importantes para nós, apesar de diferentes”, elogia Santiago.

A igualdade na diversidade também se faz sentir na forma de vestir, com uniformes fixos para alunos e alunas, independentemente do grau escolar que frequentem. Cores sóbrias, como o azul e o verde azeitona, destacam-se das demais. Para que todos se sintam um só apesar de todos serem diferentes e não haja distinções algumas.

A promessa de Santiago é uma apenas. E solene: “Quero ser bom aluno, ter excelentes notas, empenhar-me ao máximo.” O futuro dirá o resto. O presente mostra-lhe que o caminho se faz por tantos que, sendo tão diferentes, se transformam num só. Porque da diversidade nasce a compreensão do outro, como ele tanto reforça e tem incutido desde tenra idade.

Personalização e espírito de família

Educar em inglês as duas filhas pequenas foi ideia que o casal de médicos Bárbara Pereira e Miguel Marques, do Porto, sempre teve em mente. Por isso, quando Maria Miguel e Matilde, hoje com 5 e 3 anos, respetivamente, iniciaram o percurso escolar foi na Oporto British School que as inscreveram.

Bárbara Pereira, Miguel Marques e as duas filhas, que frequentam a Oporto British School: “É uma escola com características próprias, com um ensino focado no aluno, personalizado. A que se junta a questão do convívio direto com outras culturas e experiências”
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

“As principais vantagens são o ensino bilingue e a multiculturalidade. O sistema de ensino é o inglês e a leitura começa logo aos cinco anos. Além de que é uma escola familiar, muito próxima de todos”, frisam os pais de Maria Miguel e Matilde. “A questão da língua é mesmo muito importante e trata-se de uma vantagem claríssima. Até ao 12.º ano elas vão estudar na Oporto British School e, depois, poderão optar por prosseguir os estudos com outras bases numa universidade estrangeira, onde o ensino superior não seja tão teórico como o nosso”, antecipam.

A Oporto British School não é uma escola qualquer. Nascida em 1894, guarda a honra de ser considerada a instituição de ensino britânica mais antiga de toda a Europa. O currículo seguido, claro está, é o britânico e conta com 539 alunos da várias proveniências, 35 ao todo, segundo os dados mais recentes.

Instalada desde sempre na Foz do Douro, tem uma equipa diretiva tradicionalmente constituída por elementos do Reino Unido e aposta na continuidade geracional dos seus alunos como lema, com a família sempre como foco principal. A qualidade de ensino reflete-se no número mínimo de crianças por turma, uma média de 16, por vezes com turmas que contam com dois professores por sala.

“É uma escola com características próprias, com um ensino focado no aluno, personalizado. A que se junta a questão do convívio direto com outras culturas e experiências, o que é ótimo”, expressam Bárbara Pereira e Miguel Marques.

Mas não é só em inglês que se faz o ensino internacional em Portugal. Também o há noutras línguas, como o alemão, com escolas antigas e prestigiadas em Lisboa e no Porto. Ou em francês, como acontece no Lycée Français International de Porto, fundado em 1963 e que tem nos seus princípios valores como o dever de tolerância, o secularismo, o trabalho árduo, a pontualidade e a contribuição para a igualdade de oportunidades entre todos que o frequentam.

As irmãs Mariana e Madalena conhecem ambas os corredores do Lycée Français International desde os três anos. Mariana tem hoje 18 e frequenta o chamado Terminale (equivalente ao 12.º ano) e Madalena o 9.º. São bilingues, falam português e francês com igual desenvoltura e capacidade. E ganharam processos de aprendizagem que consideram que dificilmente poderiam ter conquistado se estivessem noutro sistema de ensino.

O estilo deste colégio é pouco similar ao português, em que até o calendário apresenta notórias diferenças, com um ciclo de seis semanas consecutivas de aulas, alternadas com duas semanas de férias, de setembro até junho.

“Até no Terminale temos uma elevada carga horária e um conjunto vasto de disciplinas, 12, o que obriga a muitas horas de estudo, mas também a uma boa gestão do tempo, sobretudo para conjugar com as atividades extra-curriculares. No meu caso, faço balé quatro dias por semana”, conta Mariana, que prepara tudo para no próximo ano letivo encarar o sonho de sempre, entrar no curso de Medicina. “Poderei ter mais dificultado o acesso às universidades portuguesas devido às equivalências entre o ensino francês e o português”, lamenta. Mas não desiste, que esse verbo não consta do seu dicionário. E garante que vai lutar por esse sonho com todas as forças até o conquistar, seja em Portugal ou em França, vantagens trazidas por um percurso em que as duas línguas mal se distinguem de tão bem expressas a todos os níveis quando necessário.

Além do francês nativo, no Lycée Français International aprendem-se outras línguas, como o inglês, o espanhol e o alemão. E viaja-se bastante para ter contacto direto com o que se aprende nas salas de aulas. “Por exemplo, fomos à Normandia perceber a respetiva importância do contexto da II Guerra Mundial”, lembra Mariana.

A convivência direta com o meio profissional também é estimulada, com estágios em empresas logo a partir do 8.º ano, que se repetem até ao 12º.º. “Os alunos saem bem preparados, completamente autónomos e lançados para o futuro”, completa Joana Brandão, economista, 49 anos e mãe de Mariana e Madalena.

As filhas de Joana Brandão estudam na Escola Francesa do Porto
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

Porque a língua que acompanha todo o crescimento de Mariana, Madalena e de todos os jovens não tem no português a base escolar principal, fica “facilitada desde cedo uma abertura ao mundo que lhes dá outros horizontes”, considera Joana Brandão. Prepara-lhes o futuro, qual ensaio geral para o tudo que vier. Ou quase tudo. Não é em português que aprendem, é nos idiomas que lhes irão abrir outras portas. Com outros currículos e outras experiências. Porque um dia estes alunos e alunas vão olhar para trás e perceber que as bases em que assentam muito terão destes anos em que agora vão moldando as suas tarefas. Dos anos em que a escola deles não foi uma escola igual à de quase todos, mas uma escola cosmopolita, multicultural e inclusiva. Como se tivessem vivido sempre em Portugal com janelas abertas a influências de todos os pontos do globo. Como se a língua portuguesa nunca tivesse deixado de ser a materna, mas nunca a única, a singular, a primordial. Como se desde o berço, ou quase, soubessem que tudo com que irão conviver em adultos esteve concentrado nos pequenos microcosmos internacionais em que se habituaram a viver e conviver. Universalmente.


Dados

32
escolas internacionais lecionam em Portugal. Os dados constam da contabilidade mais recente registada no Instituto de Gestão Financeira da Educação.

2
estabelecimentos de ensino em língua inglesa encontram-se em atividade na Região Autónoma da Madeira.

2500
euros é o valor máximo da mensalidade de uma escola de ensino em língua estrangeira. A maioria dos estabelecimentos de ensino cobra 750 euros.