Bom ouvinte, tolerante, cortês, mas firme. Para uns, a escolha do futuro; para outros, um homem do passado. Gosta de bricolage, de campismo e do Benfica.
Bastava estar atento a 6 de março de 2022, advogam os comunistas. “O Paulo é membro do comité central, membro da comissão política e membro do secretariado. Foi o orador (com Margarida Botelho) no comício comemorativo do 101.º aniversário do PCP, no Campo Pequeno. Não é difícil perceber que alguém que faz uma intervenção nesse dia tão especial só pode ser um quadro muito importante”, afirma Miguel Tiago, como que a dizer “foi um sinal, só não viu quem não quis”.
O novo secretário-geral do Partido Comunista é desconhecido da maioria dos portugueses. A escolha surpreendeu o país mediático e político. Não os camaradas. “É muito dedicado, comprometido com a luta, inquebrantável, mesmo em situações física e psicologicamente muito exigentes”, descreve o ex-deputado comunista, recordando as guerras intestinas dos finais dos anos 1990, com a emergência do chamado grupo dos renovadores, quando ambos militavam na Juventude Comunista de que eram também funcionários. “Vi-o passar por situações terríveis, sobretudo na fase em que acompanhou o Ensino Superior em Lisboa. Em várias das tentativas internas para quebrar a JCP foi insultado, passou por muito stress, mas aos insultos respondeu sempre com muita dignidade, sem esperança de trazer os outros para o lado dele, mas mostrando que se pode reagir sem ceder à ira.”
Conheceram-se em 1994. Miguel Tiago recorda “um miúdo com muita pinta, bom jogador de futebol e benfiquista ferrenho, politicamente muito ativo, dinâmico, sempre disponível para ajudar e ouvir”. Décadas depois é o elogio mais repetido. “O Paulo ouve. E nunca ouve por ouvir. Fica a pensar no que ouviu e isso faz dele um tolerante, de tal forma que quando dirige nem parece que está a dirigir.” Ângelo Alves, 51 anos, integra a comissão política. Conhece Paulo Raimundo há 27. “É um homem bom, sereno, incansável na defesa dos mais frágeis e muito ancorado na família.” Duas filhas adolescentes e um bebé. “Essa vertente é muito forte nele. Ainda há pouco tempo foi visto com o filho ao colo num debate, repartindo tarefas com a companheira, também militante do partido. E essa âncora familiar estende-se aos pais”. Paulo Raimundo, nascido em 1976, é filho de um metalúrgico e de uma trabalhadora da limpeza. Cresceu num bairro pobre. Foi trabalhador-estudante. Empregou-se, primeiro, numa padaria do Faralhão (de 1991 a 1993). Depois, durante dois anos, numa carpintaria da Várzea. Em 1995, com 19 anos, entrou para os quadros da JCP. É funcionário do PCP desde 2004.
O sucessor de Jerónimo de Sousa tem quase três décadas de política profissional em múltiplas áreas de organização e intervenção – na juventude, nos sindicatos, no acompanhamento de setores e empresas e dos serviços públicos. Quem o conhece garante que “não brinca em serviço”. Ilda Figueiredo, membro do comité central, aposta: “Vai surpreender em debates. É verdade que é bom ouvinte, muito afável, mas é também muito firme e muito atento”. Miguel Tiago reforça: “Cortesia e firmeza”. É isso que os debatentes podem esperar dele.
O renovador comunista Carlos Brito critica a escolha: “Completa incógnita”. Prova, no entendimento deste ex-dirigente, que o PCP está “sintonizado” com o “início do século XX”. Paulo Raimundo “pode ser um excelente organizador” e um nome com peso “para dentro”, mas o PCP devia estar a pensar “para as massas, para o povo”, afirmou ao “Observador”. Para Ilda Figueiredo estamos perante um homem que “procura entendimentos sem pôr em causa os seus princípios”. Também a ex-deputada europeia sublinha a ligação à família. “Tem essa responsabilidade, que ele assume, mas depois há a questão do tempo e essa é uma realidade que ele vai ter de gerir com sabedoria.”
Ângelo Alves conhece alguns dos gostos do novo secretário-geral. “Vai muitas vezes acampar com a família. E ainda joga futebol. Nas festas do Avante organiza torneios. Devo dizer que é um avançado temível.” Amigo antigo, perguntou-lhe um dia “olha lá, o que é que tu gostas de fazer?”. “Cenas, gosto de fazer cenas, coisas com as mãos.” Pode ser um teatro de marionetas ou uma cozinha de brincar para as filhas. Fala pausadamente, sem recorrer a bordões de linguagem. Setubalense, carrega no erre.
Paulo Alexandre Cantigas Raimundo
Cargo: secretário-geral do Partido Comunista Português
Nascimento: 24/09/1976 (46 anos)
Nacionalidade: Portuguesa (Cascais)
