Fáceis de beber, pouco alcoólicos e jovens são algumas das características. No entanto, nos últimos anos, e sem perder singularidade, a região tem desenvolvido novos perfis e experimentado um grande crescimento no mercado internacional e no enoturismo.
Márcio Lopes ainda se lembra que em 2010, quando começou o seu projeto Pequenos Rebentos, teve de ter paciência e persistência para dar a conhecer os seus vinhos. “Ia bater à porta da d. Maria para vender duas caixinhas de vinho, à porta do restaurante do sr. António para mais duas caixinhas”, diz o enólogo. Hoje, tudo é diferente. E as mudanças que ajudaram a região a prosperar começaram ainda antes.
Desde que foi demarcada, a 18 de setembro de 1908, que a região dos Vinhos Verdes passou por diversas fases. Foi nas últimas duas décadas que, aos poucos, foi definindo o perfil pelo qual é atualmente conhecida, como produtora de vinhos leves, frescos, tendencialmente frisantes e com pouco teor alcoólico. Atualmente, está muito longe de ser apenas isso. Deste canto do noroeste de Portugal, tradicionalmente conhecido como Entre-Douro-e-Minho e onde já se produz vinho desde antes dos romanos, saem também referências “mais sérias”. Vinhos que fazem sucesso nos mercados internacionais e são cada vez mais premiados dentro de portas.
O importante é não confundir a região demarcada com estilo de vinho. Porque os estilos não param de crescer. Há quem se aventure a produzir grandes brancos em barrica, com potencial de guarda, quem elabore vinhos “fora da caixa”, com castas antigas, pouco intervencionados e até já se faz cerveja com o mosto da uva. São muitos os caminhos desta região, que não quer parar de crescer, tanto em termos de produção, como de prestígio e estatuto.
Nova geração de enólogos
António Sousa, fundador da empresa Apoio a Produtores de Vinho Verde e da produtora ABWines, lembra-se do início das grandes mudanças. Natural do Marco de Canaveses, em criança participava nas vindimas da família. “Costumo dizer que cresci em cima de um lagar”, ri. “Nestas quintas tradicionais do Minho, todas as famílias faziam as suas vindimas. Para mim, significava correr de festa em festa, como acontecia em qualquer família de agricultores”, lembra.
Foi também no Marco que estudou naquela que foi a primeira escola profissional de agricultura, no final dos anos 1980 e inícios dos anos 1990, tendo feito parte da turma inaugural. “Tudo era novo, tanto para os professores como para nós. Pegámos em três quintas que estavam abandonadas há muitos anos e fizemos tudo do zero.” Nem sequer tinham edifício para as aulas, que eram dadas numa escola secundária. “Saímos de lá ao fim de três anos com uma escola funcional, com macieiras, pessegueiros, vinha instalada em produção, uma vacaria. Tivemos a felicidade de moldar a escola do zero e de aprender muito, o que nos deu uma boa base científica e prática.”
Depois de estudar Enologia na UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) e fazer estágios no Douro, em 1999 entra “a sério” para a região. Uns anos antes, no início dos anos 1990 tinha começado a “grande convulsão” do setor. “Há uma profunda reestruturação. As vinhas tradicionais foram convertidas naquilo que chamámos as ‘vinhas da CEE’, de manchas contínuas, tal como vemos na viticultura atual”, conta. Fez-se uma seleção de castas, apostando-se em algumas em detrimento de outras, o que teve “vantagens e desvantagens”, considera. No Marco de Canaveses “só se podia plantar arinto e azal. Isso foi demasiadamente constrangedor porque tirou muitas das castas indígenas da região. Estava-se a impedir alguém de produzir loureiro ou avesso, castas que naturalmente já lá existiam”. E o que se passou com os brancos, passou-se com os tintos, na fase da “febre do vinhão”, recorda. “Quando a região tem mais de 20 castas tintas e faz quase 100% vinhão não é vantajoso de todo”, defende.
Apesar do que “correu menos bem”, a mudança começou a dar frutos a partir de 2002. De região deficitária na produção, devido à reestruturação das vinhas, passou a excedentária. E porque já havia um grande número de pequenos viticultores, António Sousa criou, em 2003, a empresa Apoio a Produtores de Vinho Verde, para os ajudar na burocracia e na parte técnica. Devido à viticultura mais “realista e profissional”, em 2011 acontece o grande salto na qualidade, sem se “renegar o caráter da região”. Mas também se começou a apostar nos varietais (monocastas), vinhos envelhecidos e em resgatar castas quase perdidas.
São este tipo de vinhos “que valorizam a região”, acredita também Antonina Barbosa, diretora de enologia da Falua, que desenvolve trabalho na Quinta do Hospital, na sub-região Monção e Melgaço. A enóloga, natural de Monção, assinala que na última década a região “percebeu o potencial para se fazer brancos de grande qualidade”. Já não se produzem apenas “vinhos frisados e cheios de açúcar”. Ainda assim, pensa que não se deve abandonar completamente esse perfil tradicional, “porque há lugar para todos”. O portefólio da Quinta do Hospital reflete essa valorização, com os dois monocastas de Barão do Hospital – Alvarinho e Loureiro.
Outro produtor da sub-região, Paulo Cerdeira Rodrigues, da Quinta do Regueiro, admite que a criação de valor “é um caminho que se faz em conjunto, com muita resiliência”. Nestes últimos 20 anos, “tivemos dificuldade em criar valor. Mas a Comissão [de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes] está atenta e soube comunicar que, além dos vinhos jovens e frescos, também há vinhos com grande capacidade de guarda. A quinta tem vários vinhos premiados, como o Jurássico, eleito melhor branco nacional de 2019, pela “Revista de Vinhos”. Muitos produtores têm, assim, optado por fazer vinhos distintos, “que dignificam a região e que são altamente conceituados a nível nacional e internacional”. O próprio mercado “começou a ficar mais exigente”. “Mas leva tempo, até porque nos vinhos não há propriamente uma estratégia correta, vamo-nos adaptando”, revela.
Adaptação e diferenciação foi também o caminho seguido pelo portuense Márcio Lopes, criador dos projetos Pequenos Rebentos e Proibido (este último na região do Douro). Foi em 2005 que começou a trabalhar em Melgaço com Anselmo Mendes, um dos mais importantes e premiados enólogos da região, conhecido pelas suas experiências com alvarinho e com castas antigas. “Eu gostava muito do Douro, queria fazer o vinho do Porto e o Anselmo disse-me ‘deixe lá o vinho do Porto, venha mas é fazer alvarinho!’”. Depois de alguns anos a aprender com o “mestre” e de uma experiência na Austrália, regressou à região. Desde o início dos seus projetos que nunca pensou em produzir grandes quantidades. Quis, antes, perceber a tradição e com isso fazer algo novo. “Em 2010, o vinho ainda não estava na moda, se uma pessoa andasse com uma garrafa na mão na rua passava por borrachão, agora é chique”. Os primeiros anos foram dedicados a “partir pedra, porque só se vendiam as grandes marcas”, recua. “Nessa altura, ninguém me conhecia. Queria comprar uvas, mas muitos viticultores só vendiam para grandes empresas.” Por isso, Márcio foi ficando com “aquilo que os outros não queriam”: vinhas de ramadas e vinhas de enforcado. Também por isso conseguiu elaborar vinhos diferentes e originais. “Fazer mais do mesmo estava fora de questão. Não tinha recursos para concorrer com as grandes empresas”, diz. E esses vinhos originais já lhe permitiram distinções como Enólogo Revelação do Ano, em 2019, pela “Revista de Vinhos”, e o prémio Singularidade, no mesmo ano, pela revista “Vinho Grandes Escolhas”. O seu vinho Ancestral pet nat (abreviatura para “pétillant naturel”, método ancestral de produção de vinhos espumantes) ou o Atlântico, elaborado a partir de castas tintas tradicionais de ramadas com mais de 80 anos, são dois exemplos do que se pode fazer de diferente.
Márcio exporta parte da sua produção para os Estados Unidos, principalmente Califórnia, pois é um mercado com abertura ao que é diferente. “Vibram com tudo o que é novo, e nós temos vinhos muito diferentes dos californianos, que são cheios de madeira.” O que preocupa agora o enólogo é a escassez de mão de obra. “Daqui a dez anos não vamos ter gente que trate das uvas como deve ser. Quem compra as uvas está a pagar muito pouco, exceto em Monção e Melgaço, a sub-região onde as uvas (Alvarinho) são mais caras. Mesmo assim, não deixam de ser minifúndios”, constata.
“Orgulhosamente cooperativos”
Tentar criar riqueza para as famílias do meio rural interior e ajudar a fixar a população são alguns dos objetivos da Adega Cooperativa de Ponte da Barca e Arcos de Valdevez. Bruno Almeida, diretor de Marketing e Inovação da adega, explica que é importante haver uma ligação próxima com os viticultores, até porque a adega é a maior empresa do concelho de Ponte da Barca. “Estamos cientes do papel que desempenhamos, quer económico, quer do ponto de vista social e ambiental.” Nos últimos anos teve papel ativo para a reconversão de mais 500 hectares de vinha. Isto é ser “orgulhosamente cooperativo”, frisa, e foi toda essa aposta que permitiu o crescimento nos últimos 20 anos.
Fundada em 1963, nas suas primeiras quatro décadas de vida, esteve virada para o mercado interno. Só nos últimos anos apostou mais na inovação e no mercado internacional. “Hoje em dia, não exportamos só aquele verde clássico. Temos vinhos premium e super premium, envelhecidos em barrica”, detalha. Há cinco anos criaram um departamento de inovação do qual saíram alguns desses vinhos. Têm também uma linha de espumantes e outra de cervejas artesanais [a Cervejola, em parceria com a cerveja artesanal Letra]. “Este portefólio alargado permite-nos abrir portas lá fora e cativar importações.”
Atualmente, a adega exporta 73% da sua produção para 32 países. Nos últimos seis anos, teve um crescimento de 110%. O mercado nacional estagnou, mas o consumo de vinho está a subir em muitos países. Estados Unidos da América, Alemanha, Japão, Brasil são alguns dos mercados mais apetecíveis. “A marca Vinho Verde é muito forte no mercado externo. Por isso, há muitas empresas do Douro e do Alentejo a adquirir quintas na região.”
Apesar de não exportar tanto – apenas 20% da sua produção -, a Adega Cooperativa de Ponte de Lima tem feito igualmente um trabalho de valorização. “Temos acompanhado a inovação tecnológica na produção, em particular da casta loureiro, pois é Vale do Lima onde esta melhor se expressa”, partilha Celeste do Patrocínio, presidente da adega. A cooperativa dá apoio aos mais de mil associados, pequenos viticultores, tanto em termos técnicos como nas candidaturas ao programa europeu Vitis, que cobre a reconversão da vinha.
Reconhecimento internacional
O sucesso que a região tem tido nos vários mercados “deve-se a uma conjugação de fatores”, acredita Carla Cunha, diretora de marketing da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. “O trabalho que tem sido feito ao longo das duas últimas décadas permitiu-nos evoluir imenso no que toca à produção e à qualidade”, aponta. Ao mesmo tempo, foi desenvolvida toda uma estratégia de internacionalização das marcas. Há duas décadas, a região exportava 7 milhões de litros. Hoje, exporta 33 milhões, o que significa um crescimento de mais de 300%.
Outra das razões para o sucesso é o facto de o perfil dos vinhos ser uma tendência mundial: brancos e frescos. “A frescura natural é muito apetecida. E a região soube posicionar-se bem, considera. Hoje, produz-se “dois estilos de vinhos”, o reconhecido jovem e leve, e, representando já 20% da produção total, vinhos com mais estrutura, monocastas, vinhos de terroir, que se posicionam em segmentos de valor acrescentado”.
Também no mercado nacional tem havido abertura. “Os sommeliers e os chefs começam a trabalhar o seu caráter gastronómico”, diz Carla Cunha, realçando que o “vinho verde não é um estilo, é uma região que produz diversidade”.
Tal como muitos produtores, a diretora acredita que o futuro passa pela valorização. Mercados como os Estados Unidos, Canadá ou Brasil são alguns dos principais, representando 20 % das exportações. Outros 20% vão para a Alemanha, mas os mercados mais “premium” são os paises nórdicos e o Japão.
Quintas de portas abertas
Dar-se a conhecer lá fora é uma mais-valia para o enoturismo da região, “que tem sabido aproveitar o fluxo turístico do Porto e do Norte”, realça Carla Cunha. As quintas estão estruturadas na Rota dos Vinhos Verdes e a comissão tem um programa anual para promoção enoturística.
Uma das primeiras quintas que abriu de forma estruturada foi a de Santa Cristina, em Celorico de Basto, onde já os tetravós de Mónica Pinto faziam vinho. Apenas em 2004 se lançaram com rótulo próprio. “O meu pai começou a apostar no engarrafamento”, conta Mónica, agora também responsável pela empresa. “Foi em 2015 que comecei a ajudá-lo e a perceber o negócio do vinho. Achei que para projetar a marca tínhamos de sair fora da caixa. Outras regiões estavam a evoluir no enoturismo, como o Douro, mesmo aqui ao lado. Nós não.” Começaram assim por abrir portas a visitas, mostrando a quinta, a adega e fazendo provas.
No mesmo ano de 2015, a Quinta da Lixa abre o primeiro hotel vínico da Rota dos Vinhos Verdes, o Monverde Wine Experience Hotel, na Quinta de Sanguinhedo. “A nossa necessidade prendeu-se com o crescimento da atividade agrícola, vitivinícola e dos mercados internacionais”, justifica Miguel Ribeiro, diretor geral do hotel. Sempre que tinham visitantes, acabavam por ter de tratar do alojamento. Foi quando pensaram em desenvolver uma atividade de enoturismo estruturada.
Estar ao lado do Douro ajudou a abrir a região aos turistas. Mas com o grande reconhecimento internacional, os Verdes valem cada vez mais por si.
Números
9 sub-regiões: Amarante, Ave, Baião, Basto, Cávado, Lima, Monção-Melgaço, Paiva e Sousa.
70 871 102 de litros produzidos de brancos, tintos e rosados (2021-2022)
32 722 090 de litros exportados em 2021
160 229 218 de metros quadrados foi a área de vinha declarada em 2020
*Dados da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes