O dia em que a Academia desafiou a ditadura

Os protestos dos estudantes também se fizeram na rua, neste caso na Escadaria Monumental, mesmo perante uma cidade ocupada pela GNR e pelas polícias durante a greve aos exames

A crise académica de Coimbra começou há 53 anos e nada voltou a ser como dantes. A luta dos estudantes nunca mais haveria de parar. Até à Revolução de Abril.

“Sr. presidente da República, dá-me licença que use da palavra em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra?”A pergunta de Alberto Martins, então presidente da Associação Académica de Coimbra, em cima de uma cadeira, ao chefe de Estado, Américo Tomás, não fazia adivinhar que ali, naquele 17 de abril de 1969, começava a maior crise académica que a ditadura havia de conhecer. Da ousadia do jovem que mais tarde se faria ministro (da Justiça, entre 2009 e 2011), abriam-se as portas a um caminho que culminaria a 25 de abril, cinco anos depois, com a revolução que pôs fim ao Estado Novo.

Américo Tomás e o ministro da Educação, José Hermano Saraiva, tinham ido a Coimbra para inaugurar um novo edifício na universidade, numa época em que a contestação estudantil estava em alta. Os estudantes haviam preparado uma espera à comitiva do regime. A sala das Matemáticas estava à pinha, num rebuliço de políticos, professores e agentes da PIDE, quando Alberto Martins pediu a palavra. E o chefe de Estado, aflito, haveria de lhe a negar: “Bem, mas agora fala o senhor ministro das Obras Públicas”. Os milhares de estudantes à porta, em peso, passaram aos insultos e a gritos de revolta contra a Guerra Colonial. No meio do alarido, os homens do regime fugiram. Mas já estava anunciado o início da crise.

A 17 de abril de 1969, Celso Cruzeiro, um dos dirigentes da Associação Académica de Coimbra e que é hoje um reputado advogado aveirense, convidou os estudantes a entrarem no edifício recém-inaugurado da universidade

Passam hoje 53 anos daquele dia em que Alberto Martins ainda seria preso, mas logo libertado. Vários dirigentes associativos foram suspensos, incluindo Celso Cruzeiro e Osvaldo de Castro. Nos dias seguintes, estava decretado o luto académico e a greve às aulas que se fez plena. Coimbra vestia a capa da luta pela liberdade e cercava-se militarmente – e de arame farpado. Mas o protesto subiu de tom em junho, com o boicote aos exames, sem medos da ira da ditadura. Foi cumprido por 86% dos nove mil estudantes, momento único na história da resistência académica. É preciso perceber que a greve aos exames não era pura e simplesmente erguer a voz contra o regime, era arriscar a vida futura. Podia significar perder o ano, perder a bolsa, ser enviado para a Guerra Colonial, ser preso. E foram mais de 200 os jovens académicos a sofrer as consequências, meia centena incorporados compulsivamente no Exército.

Depois da crise de 1969, o ministro da Educação e o reitor da Universidade de Coimbra demitiram-se. Foi o ano de viragem, o início de um período que nada nem ninguém conseguiria mais travar. Foi nos anos seguintes que o movimento mais se politizou, largou os ares da rebeldia estudantil e associativista. A utopia, o sonho com a democracia e com o fim da Guerra Colonial ganhava forma. Até à Revolução de Abril.