Nini, a menina que não tem medo da morte

Há mais de dois anos, diagnosticaram-lhe uma leucemia mieloblástica aguda. Passou meses em tratamentos, submeteu-se a um transplante de medula, chegou a julgar-se curada. Mas a doença voltou, ainda mais devastadora. A dada altura, ela e os pais disseram basta. Parou os tratamentos, avançou para cuidados paliativos, jurou gozar cada nesga dos dias que tinha. Criou até uma página no TikTok. “A morrer comigo.” Para quebrar tabus.

Nini tem 17 anos, é fã de livros e de Legos, tem tantos que já lhe falta espaço para os arrumar. Gosta de escrever e adora bebés, é louca pelo F. C. Porto, tem um sorriso tão doce que arrebata, o mundo à volta rende-se e ela parece nem notar. Nini é otimismo e luz, é maturidade também, uma mulher sábia enfiada no corpo de uma menina, é uma lição de vida. Nini tem 17 anos e pouco tempo pela frente, vive com uma leucemia mieloblástica aguda terminal, já escolheu a música que quer que lhe cantem no funeral. “Vou morrer.”

Di-lo assim, sem rodeios e sem drama, nós estremecemos, mas ela segue imperturbável, uma serenidade que primeiro desassossega, depois conforta, pelo meio faz-se inspiração. Sabe-o há meses, disse-lhe a mãe em dezembro, naquele quarto de isolamento do IPO onde, por minutos, o mundo desabou com estrondo. “Estás-me a dizer que eu vou morrer?” Mariana traz aquelas palavras gravadas a tinta permanente, uma mãe não pode esquecer nunca o dia em que diz a uma filha que a esperança já não mora ali. “Foi a conversa mais difícil da minha vida.”

Inês, Nini para quase todos, nasceu com neurofibromatose, uma doença genética rara

Está sentada no sofá de casa, ao lado de Nini e de Filipe, o pai, tem os olhos tristes, mas não cede às lágrimas nem à frustração. É ela quem rebobina uma história dura, feita de quedas e golpes, de coragem também. Inês (aqui será sempre Nini, o nome que lhe sabe a casa) nasceu com neurofibromatose, doença genética rara que pode provocar o aparecimento de tumores. Aos dois anos, um cancro tomou-lhe conta das vias óticas, esteve até aos quatro em tratamentos, acabou por cegar do olho direito. “Mas dessa fase só me lembro das coisas boas, ia no carro toda contente a cantar ‘I-P-O, I-P-O’”, recorda Nini, sempre doce, sempre a sorrir. E reproduz a melodia ao jeito de cântico de apoio a uma equipa de futebol, os pais a assentir com a cabeça, os olhos a transbordar de ternura.

Filipe tem uma memória bem menos risonha daqueles tempos. “Foi uma fase mesmo muito difícil. Primeiro diagnosticaram-lhe uma doença genética rara, depois um cancro que, dentro daquela doença, é dos mais raros. Foi de raridade em raridade. Teve de fazer quimioterapia semanal em ambulatório, estava mesmo muito magrinha.” Não ficou por ali. “Depois a Mariana também teve cancro, houve um período em que levava uma à quimioterapia num dia, outra no outro, era uma a vomitar, outra a vomitar a seguir, um cenário mesmo maluco”, conta Filipe, como quem ainda tenta perceber como é que dois baques assim puderam coincidir no tempo.

Logo aos dois anos, Nini teve de lutar contra um cancro nas vias óticas

Ambas venceram o cancro, ainda assim. Mesmo que os anos que se seguiram não tenham sido um mar de rosas. Nini continuou a ser acompanhada no IPO e a ser seguida por médicos de várias especialidades, para controlar os efeitos da neurofibromatose. Fez fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional. “Depois teve de tomar injeções para retardar o período e poder crescer, porque aos nove anos já estava a ter sinais de puberdade e ainda era muito pequenina”, pormenoriza a mãe. Mas mesmo com sustos pelo meio – “qualquer coisa lá íamos nós a correr para o hospital, aflitos e de coração nas mãos” -, “foi um período sem complicações demasiadas”, resume o pai. Onze anos de acalmia relativa numa vida de solavancos.

Nisto, era já 2020, a pandemia de covid-19 a entrar-nos pela vida adentro, o Mundo a confinar e Nini a definhar. “Andava branca, muito cansada, mas tudo apontava para sintomas pré-menstruais.” Até ao dia em que tudo se precipitou num rompante. “A 23 de maio, que é o dia do meu aniversário, estava ótima, no dia seguinte comecei com dores no peito mesmo muito fortes.” Correram para o Hospital de São João e já só de lá saíram diretos para o IPO, com o diagnóstico de leucemia mieloblástica aguda, uma das formas mais graves da doença. “Foi uma notícia mesmo terrível e inesperada”, lembra a mãe, o olhar perdido no vazio, como se voltasse àquele momento enquanto fala.

“Nessa fase eu estava mesmo cheia de esperanças. Até a pediatra da Nini, que é muito nossa amiga, dizia sempre: ‘Eu tenho um feeling, ela já teve tanta coisa em pequenina que agora não vai ter mais nada.’ E afinal, olhe, uma leucemia. E uma leucemia bastante grave.” Mariana não desaba. “A Nini tem uma capacidade de aceitar estas coisas que nos leva atrás. E nós também estamos mais maduros, temos uma força interior muito maior. Quando aos dois anos ela teve o cancro fiquei revoltadíssima. Agora não. Não sinto ponta de revolta. Sinto é uma enorme tristeza. Mas começámos a viver aquilo que nos é dado a viver da melhor forma possível.” E então foram à luta, com tudo o que tinham. Mesmo que a luta tenha sido tremenda, colossal, tantas vezes avassaladora.

“Para mim foi claro: ela vai morrer”

“Foi tudo muito difícil, ainda mais por causa da pandemia. Só um de nós é que podia estar lá com ela, tínhamos de fazer teste covid antes de entrar, durante uma semana não podíamos sair, a Ni passou o tempo todo em isolamento, o irmão nunca a pôde ir ver e nós os dois estivemos sempre separados”, lembra a mãe, o discurso a denotar o peso daqueles meses infernais. Filipe agarra carinhosamente a mão da filha, como quem procura receber e dar alento para prosseguir a conversa. “Eu e a Mariana durante uns meses encontrávamo-nos à saída do IPO, para trocar malas. O Kiko [o filho mais novo] até dizia que os pais pareciam separados.” E assim sobreviveram meses a fio, entre ciclos de quimioterapia e a desesperante espera por um dador de medula que tardava em chegar.

Nini tem um irmão, Francisco (lá em casa é o Kiko), três anos mais novo

Quando, por fim, apareceu, Nini ainda teve de se submeter a um último tratamento. “Fortíssimo, fortíssimo”, vinca a mãe. E volta a olhar o vazio, como quem viaja no tempo. “Foi uma das piores quimioterapias que fiz, passei muito mal, mas o transplante pareceu ser um sucesso”, resumiria Nini, numa carta que mais tarde enviou ao Papa Francisco (lá iremos). Em janeiro, janeiro de 2021, teve por fim alta. A recuperação foi lenta, difícil, exigiu doses incontáveis de resiliência. Mas aos poucos Nini refez-se da luta, foi ficando mais forte, tiveram um verão inesquecível, voltou à escola tanto tempo depois. “Ainda não estava a 100%, mas estava quase.” A leucemia parecia cada vez mais um fantasma enterrado no passado. Até que as análises de rotina que fazia no IPO trouxeram a notícia que os desarmou. “A doença tinha voltado.” E a esperança a desmoronar-se como um castelo de cartas.

“Vimos logo que era muito grave, porque no fundo era sinal de que o transplante tinha falhado. A ideia era que a nova medula reconhecesse as células cancerígenas e as matasse. E a dada altura isso deixou de acontecer.” Mariana e Filipe estremeceram. Já Nini agarrou-se àquele otimismo tão dela. “Chorou um bocado, mas mais uma vez no dia seguinte já estava pronta para o combate”, recorda a mãe. No início de novembro, voltou a ser internada e avançou para mais um ciclo de quimioterapia, particularmente violento. Só que as células cancerígenas não só não regrediram como até aumentaram ligeiramente. E então viram-se naquele lugar onde ansiaram sempre não chegar, no ponto em que a escolha era entre o tormento de insistir numa quimioterapia que não estava a resultar e o peso de parar os tratamentos e abrir mão da esperança.

Para Mariana, o tema não era desconhecido. “Eu sou arquiteta paisagista, mas trabalho atualmente na Compassio, que é uma associação para a construção de comunidades compassivas [comunidades que pretendem melhorar a qualidade de vida de doentes terminais], e nós falamos imenso nestas questões. Da aceitação da morte, dos cuidados paliativos, de os próprios médicos serem ensinados para tratar e não para curar.” Pôs o coração ao largo e desatou a fazer telefonemas. “Tenho muitos amigos médicos e comecei a fazer perguntas. E todos me disseram o mesmo: que o melhor era ir para casa passar o Natal. Para mim foi claro: é hora de parar os tratamentos, de lhe dar o máximo conforto possível, ela vai morrer e vamos viver estes tempos com ela, em família.”

No imediato, Filipe ainda resistiu. “Não podemos fazer isso à Ni, não lhe podemos tirar o chão”, dizia. Logo ela que sempre foi de ver o copo meio cheio, que nunca baixou os braços, que acreditou sempre que ia ser maior do que a doença. “Mas isto só vai fazê-la sofrer. Vai morrer aqui e vamos estar todos separados.” E aquela ideia aterradora, mais o veredicto dos muitos médicos especialistas que foram ouvindo, acabaram por libertá-lo de todas as dúvidas. “Chegaram a dizer-nos que insistir nos tratamentos era ‘uma estupidez’. O desfecho seria o mesmo e possivelmente mais prematuro, por culpa de uma infeção.”

E então chegou a hora de Mariana ter a tal conversa (nessa semana, era ela a ficar com a filha no IPO), “a mais difícil” que teve na vida. “Sabia que tinha de a ter, mas não sabia como, porque ela acreditava imenso na recuperação.” Às tantas, ganhou coragem. “Nini, quero ter uma conversa contigo.” A resposta surpreendeu-a. “Não sei se quero ter essa conversa.” Mariana não insistiu. “Os doentes só têm que saber aquilo que quiserem. E eu fiquei a achar que ela preferia não saber, embora tudo para trás me dissesse que ela queria saber, porque a Nini sempre quis que lhe contássemos tudo.” Não voltou ao assunto. Mas no dia seguinte estava a terminar um telefonema e a filha questionou-a.

“Estavas a falar com quem?”
“Com o [nome de um médico], estava a pedir-lhe uma opinião.”
“E o que é que ele diz?”
“Que devíamos ir para casa.”
“E a [nome de uma médica], o que diz?”
“Que devíamos ir para casa.”
“E o [nome de um médico]?”
“Que devíamos ir para casa.”
“Mãe, estás-me a dizer que eu vou morrer? Que eu não vou ter filhos? Que eu não me vou apaixonar?”

“Pronto, foi assim uma coisa…” Mariana deixa a frase pendurada, há um silêncio breve que parece eterno, o peso daquelas perguntas cruéis fica a ecoar no infinito. “Nini, vamos para casa.” Dessa vez, Nini não se conteve, desfez-se em lágrimas, como não. “Chorou um bocado, não sei precisar quanto tempo foi, sei que foi pouquíssimo, e passado um bocado começa a dizer: ‘Mãe, então vou doar o meu corpo à ciência.’ ‘Mãe, então vou dar o meu dinheiro todo.’ ‘Mãe, então vamos para casa, vamos fazer isto, vamos fazer aquilo.’”

“O milagre é isto”

Nini sorri enquanto ouve o relato de Mariana, o olhar sereno de quem está em paz com o que a vida lhe reservou. “Primeiro foi um choque porque eu tinha total confiança na recuperação. Mas depois comecei a pensar nesta questão da qualidade de vida. Como a minha mãe já trabalhava nisso não era algo novo para mim.” E então a decisão de parar os tratamentos e avançar para os cuidados paliativos pareceu-lhe óbvia, também a ela. “Se tanta gente experiente dizia que o melhor era ir para casa, achei que devia era viver o que me restava ao máximo.” A 11 de dezembro do ano passado, deixou o IPO, sem saber se viveria por três meses ou um ano – na altura, o único prognóstico que arriscaram dar foi que não chegaria ao Natal de 2022 -, mas com a certeza de que “queria viver tudo intensamente”.

A paixão pelo F. C. Porto e pelo futebol acentuou-se durante os períodos de internamento. Já esteve com Pinto da Costa e Sérgio Conceição, já recebeu vídeos de apoio de jogadores, tem assistido a vários desafios dos portistas

Os programas começaram logo no dia seguinte. Almoços com amigos, tardes passadas em família, idas ao futebol e a “escape rooms”, viagens também. Numa delas, foram a Roma, com o propósito de aproveitar a cidade, mas também de participar numa audiência papal e de pedir ao Papa Francisco a unção dos doentes. “A Ni queria muito estar com ele e uns tempos antes escreveu-lhe uma carta [ver caixa] a pedir isso. A carta seguiu através dos nossos amigos jesuítas e soubemos que o Papa a recebeu.” Mas pouco mais sabiam. Filipe retoma a história, visivelmente entusiasmado. “Quando lá chegámos os senhores mordomos começaram a chamar-nos, nós sem saber muito bem para onde íamos. Às tantas percebemos que estávamos numa sala grande, só os quatro [Mariana, Filipe, Nini e Kiko].” A memória daquele momento arranca risos aos três, há uma suave alegria que se apodera do sofá e por ali fica, a iluminá-los. Cada um acrescenta uma parte da história. Mariana lembra que o filho mais novo só se ria, ela só chorava. “E dizia: ‘Nini, penteia-te, penteia-te.’” “Estávamos todos atordoados”, resume a filha, também a rir. E assim deram por eles lado a lado com o Papa, os cinco numa sala, numa espécie de “conversa de café”, como diz Filipe, notoriamente divertido com a memória daquele episódio. “A Ni até um abraço lhe pediu. E ele deu!”

Entre os programas dos Abranches Pinto nos últimos meses, incluem-se visitas a Berlim e a Roma

O momento do encontro está eternizado numa das molduras que têm na sala. Na foto, o Papa fala com Nini, ela de cabelo pintado de vermelho e azul, sentada numa cadeira de rodas. Durante meses, foi assim. “Houve até alturas em que fazíamos programas e depois tínhamos de os cancelar, porque a Nini não se sentia nada bem.” Tomava doses e doses de morfina, fazia oxigénio, submetia-se a transfusões, duas a três vezes por semana, tinha de andar sempre com a cadeira de rodas atrás dela. “Em julho, chegaram a dar-nos a entender que o fim estaria próximo. Achámos mesmo que não ia passar o agosto.” Curiosamente, desde o final de julho, tem-se sentido melhor. Já não anda de cadeira de rodas, não tem precisado de transfusões, voltou, aos bocadinhos, a fazer exercício, decidiu até voltar à escola. “Não percebemos muito bem o que se está a passar, os próprios médicos têm sido muito cautelosos. Para já o que sabemos é o que prognóstico não se alterou”, explica Filipe.

A dado ponto, Nini fez também amizade com Rosa Mota, campeã olímpica

Para gravar estes meses, tão fortes e tão cheios, começaram a registar tudo em álbuns. “Tiramos fotografias, dizemos o que vamos fazendo, as pessoas com quem estamos vão-lhe escrevendo dedicatórias. E nisto já vamos no quarto livro.” Mariana vai folheando os álbuns enquanto fala, Nini acompanha-a, sorriem ambas. “Este tempo tem sido duríssimo, mas uma maravilha. As pessoas não se têm afastado, têm vindo ter connosco, toda a gente lhe tenta fazer as vontades, as maluqueiras dos futebóis, andar de avioneta. Até pessoas que nós não conhecemos. Há uns tempos uns amigos quiseram oferecer-nos um fim de semana num hotel de cinco estrelas. No final, quando íamos pagar, não foi preciso. As pessoas do hotel tinham sabido da história da Nini e decidiram oferecer-nos a estadia.” Ou como estes meses, tão ricos mas tão duros, têm tido o condão de lhes mostrar o melhor lado do ser humano. “Às vezes, também nos deparamos com pessoas que nos dizem que ainda vai haver um milagre. A Ni fica muito irritada quando lhe dizem isso. Para nós o milagre é isto: é a forma como decidimos viver estes meses, em família. É também o falarmos sobre as coisas.”

A morrer comigo

Foi precisamente a pensar nisso que há dois meses, mais coisa menos coisa, Nini decidiu criar uma página no TikTok. “Para quebrar tabus e desmistificar a questão da morte”, atira, desarmante. O título da página é outro soco no estômago. “A morrer comigo”. “Fui eu que o escolhi e foi das primeiras ideias que tive”, esclarece. A princípio, os pais não acharam grande piada. “Não gostei muito da ideia, não”, diz de imediato Mariana, sempre prática e convicta. “Tenho medo sobretudo dos comentários, do impacto que possam ter nela. Mas depois comecei a ver que aquilo lhe dava muito força, pelas mensagens que lhe enviavam, pelo facto de ter passado a ter uma motivação.”

Os manos e os pais têm aproveitado estes meses para fazer mil e um programas. Ou como diz a filha, para viver “intensamente”. Têm até vários álbuns, onde registam tudo o que vão fazendo ao longo destes tempos

Entre os vídeos que partilha, há um pouco de tudo. Desde os mais divertidos, com filtros e imitações, aos apelos para ir ao futebol, passando pelas receitas culinárias. E claro, vídeos mais sérios e pedagógicos, em que responde a questões relacionadas com a morte. Num deles, em que resume a sua história, explica que tem uma leucemia em fase terminal e que, como os tratamentos não estavam a resultar, decidiu ir para cuidados paliativos. “Porque vou morrer, para que viva o melhor possível.” Di-lo sem rodeios e comoções. A bravura tem inspirado reações esmagadoramente positivas. “Tenho tido muita gente a dizer-me que tenho tido muita força, que tinha medo da morte e agora tem menos um bocadinho, que lhes tenho dado força, que ficam mais animados quando veem os meus vídeos.” Nini não esconde a satisfação. Afinal, o propósito maior da página é esse, foi sempre esse. “Depois, também há os que se surpreendem com o meu à-vontade para falar sobre a morte. E os que não percebem que tenho esse à-vontade e dizem aos outros para pararem de fazer essas perguntas. Mas eu para já não sinto que haja grandes perguntas incómodas. E se houver tenho muita facilidade em pô-las de lado.” Fala com uma maturidade que impressiona e arrebata, como se tivesse já vivido 100 anos ao longo destes 17, como se não fosse “tão pequenina para morrer”. “Acho que a minha vida está completa, que já recebi e dei muito amor, acho que estou pronta”, sentencia, e até o chão parece querer fugir-nos dos pés.

Para quebrar tabus e desmistificar a questão da morte, Nini criou uma página no TikTok. O nome é um soco no estômago: “A morrer comigo.” Ideia dela, note-se. Partilha desde vídeos divertidos a receitas culinárias, passando, claro, pela resposta a questões que lhe vão colocando sobre o facto de estar a morrer

“Onde vais buscar essa força, Nini?”
“É ao amor… é a tudo. Não sei.”


Carta de Nini ao Papa Francisco

Porto, 10 de fevereiro de 2022

Olá Papa Francisco,

Eu sou a Inês, mas gosto que me tratem por Nini. Tenho 16 anos e vivo no Porto. Nasci com uma doença chamada neurofibromatose que, entre outras consequências, pode formar tumores. Quando eu tinha dois anos, descobriram um tumor nas minhas vias óticas e fiquei definitivamente sem ver nada de um olho. Fiz quimioterapia durante dois anos até me darem alta hospitalar. A partir daí, vivi uma vida normal, com algumas idas ao hospital, mas estava na escola e a divertir-me.

No dia 1 de junho de 2020 fui diagnosticada com uma leucemia. Passei por três ciclos de quimioterapia falhados e muito sofrimento. Estive sempre internada e isolada no hospital. Os médicos perceberam que eu precisava de um dador de medula óssea. Tive de ser sujeita a outro ciclo de quimioterapia enquanto esperava por um dador. Em dezembro de 2020, passei por uma das quimioterapias que fiz, passei muito mal, mas o transplante pareceu ser um sucesso. Tive alta no final de janeiro. Desde esse dia, recuperei, diverti-me e em setembro voltei à escola.

Em Roma, a família viveu um momento particularmente marcante: não só viram o Papa, como estiveram os quatro sozinhos com ele numa sala. Nini até recebeu um abraço do Sumo Pontífice

Mas, infelizmente, no dia 8 de novembro de 2021 voltei a ser internada por tive uma recaída. Recomecei os tratamentos. A quimioterapia não resultou e decidimos passar para cuidados paliativos. Sofremos bastante e desde o dia 11 de dezembro (dia da alta) estou a viver todos os dias intensamente. Neste processo de fim de vida (terrena) tem sido muito bom estar em família, com amigos e a fazer aventuras.

Eu, os meus pais e o meu irmão (Francisco) fazemos parte da comunidade jesuíta do Porto e eu pertenço a uma GVX (Grupos de Vida Cristã). Vamos viajar para Roma na altura do carnaval e eu gostava muito de estar consigo e receber a unção dos doentes. Vamos estar aí entre o dia 28 de fevereiro e o dia 2 de março e já temos bilhetes para a audiência pública.

Obrigada,
Nini