Juntar trapinhos no banco: sim ou não?

Adriana Correia e Nuno Lezon Mendes moram juntos, em Braga, há dois anos e não têm conta em comum. Gostam da independência financeira e no início de cada mês dividem as despesas (Foto: Gonçalo Delgado/Global Imagens)

Criar conta conjunta ou separar as águas do dinheiro é um debate que deve entrar na mesa dos casais. Não há modelos perfeitos, e até há quem escolha um híbrido. Mas entre a privacidade e a partilha, há prós e contras.

Uma mão cheia de anos de casamento e mais de uma década lado a lado. Margarida Bacelar, 28 anos, até podia hesitar na história, mas lembra-se bem: foi a irmã Filipa quem a apresentou a Tiago Duarte, de 30 anos, e fez o arranjinho que haveria de dar certo. Tão certo que o casal de Torres Vedras já tem dois filhos. Mas os trapinhos no banco, esses, só se juntaram mais tarde, há pouco mais de um ano, para simplificarem a gestão do dia a dia e pouparem em comissões bancárias. Já lá vamos.

Criar ou não uma conta conjunta no banco, avaliar vantagens e desvantagens, ainda é um debate que entra pouco na vida dos casais. Uma falha, segundo Filipa Costa Macedo, psicóloga e terapeuta de casal. “É preciso salientar que não há um modelo perfeito. Mas é muito importante que os casais conversem sobre este assunto, para se poderem responsabilizar por esta escolha, para se apropriarem de uma dimensão importante da sua relação que é a parte financeira e a sua gestão.” De acordo com a terapeuta, o tema da gestão do dinheiro ainda é muito pouco falado ao longo do crescimento, “na escola, na família e já em adultos entre pares, há uma espécie de tabu à volta de quanto é que cada um ganha. E as pessoas avançam para uma relação sem abordar o tema, que mais à frente pode vir a sobressair”.

Aliás, as questões financeiras são um dos maiores motores para os divórcios e, mesmo assim, continua a enfiar-se a cabeça debaixo da areia. Os pais, de maneira geral, não transmitem aos filhos como fazem esta gestão. “E quando as finanças são um tema, normalmente já traz uma carga emocional negativa. Talvez por isso nunca seja visto como um assunto de que é bom falar.”

Não é o caso de Margarida e Tiago, que avançaram para uma conta conjunta – deixaram de ter contas individuais – ao fim de alguns anos de casamento. Discutir o assunto foi natural e não lhes roubou muito tempo. “Nunca fez grande sentido as contas estarem separadas. Fomos arrastando por preguiça. Mas as comissões dos bancos estavam a subir imenso e tínhamos duas contas quando as nossas despesas são conjuntas”, explica Margarida. Juntou-se como titular à conta de Tiago, uma operação que lhes custou 18 euros, mas que valeu a pena. “Em termos de organização financeira é muito mais fácil, para vermos as despesas que temos no global. A verdade é que tínhamos débitos diretos nas duas contas, a renda na dele, o seguro dentário na minha. Mas não tinha a ver propriamente com serem despesas de um ou de outro.”

Deixaram de ter que fazer a gestão de quem paga o quê. E a privacidade não fica em causa? “Já é natural sempre que queremos comprar alguma coisa que não seja do dia a dia, por exemplo roupa, partilharmos com o outro. É uma característica nossa. Nunca tenho aquela sensação de ir à conta e ver uma despesa dele que não estava à espera. E não somos de cobrar, mesmo que eu vá jantar fora com as minhas amigas nunca vem à conversa quanto é que gastei. Mas admito que noutro casal, talvez pela questão do controlo, isso possa ser um problema”, diz Margarida.

Comprar prendas e fazer surpresas é que ficou mais difícil e o Natal foi o exemplo claro. Margarida teve de pedir ajuda ao cunhado para oferecer um presente ao marido. Mas nem isso vê como um obstáculo. Ela é educadora de infância, Tiago trabalha na área da segurança informática e ganha mais. “Isso não é uma questão para nós. A insistência para termos conta conjunta até partiu dele. E até agora, não vemos desvantagens.”

Vantagens e desvantagens

Segundo Bárbara Barroso, criadora do projeto de educação e literacia financeira MoneyLab, nesta matéria, não há certo nem errado. “Para alguns casais ter conta conjunta funciona, para outros é melhor contas separadas e há quem tenha um modelo híbrido, ou seja, uma conta conjunta só para as despesas da casa, para a qual cada um contribui, e depois cada um tem a sua conta pessoal para as restantes despesas. Acima de tudo, é importante que o casal fale sobre o assunto e entenda qual a melhor opção para si.”

Margarida Bacelar e Tiago Duarte, casados há cinco anos e pais de duas crianças, decidiram criar conta conjunta no banco para evitarem pagar comissões bancárias de duas contas e para simplificarem a gestão financeira familiar
(Foto: Carlos Alberto/Global Imagens)

No campo das vantagens de juntar o dinheiro dos dois numa só conta, a blogger que dá dicas de finanças pessoais, aponta “ter menos contas para gerir e menos comissões bancárias”. Mas esta modalidade tanto pode ser “uma boa forma de organização para os casais”, que evitam a separação das despesas por áreas e concentram tudo numa só conta, como “pode ser um foco de discussão”. Até porque tudo o que se gasta passa a ser do conhecimento do outro. “Se o casal está confortável com essa decisão, está tudo bem. Fica mais difícil é fazer surpresas e comprar presentes sem que a cara-metade saiba”, avisa.

É barómetro de compromisso?

Certo é que juntar os trapinhos no banco não é necessariamente um barómetro de maior compromisso. “Não acho que ter conta conjunta possa ser visto como um indicador de relações saudáveis. Se estão juntos enquanto casal, se estão juntos a construir uma família, juntar ou não as contas não é indicador de proximidade.” É a psicóloga Filipa Costa Macedo quem o defende, apesar de reconhecer que uma só conta pode simplificar a vida em conjunto. “Logisticamente, em termos de pagar as contas, deixa de ser ‘eu pago isto e tu pagas aquilo’. Mas tem que ser sentido como parte dos dois. Por exemplo, fiz terapia a um casal em que o homem ficava muito incomodado que a mulher comprasse produtos de cosmética caros. Não tinham dificuldades financeiras, só lhe irritava o preço. Então, criaram uma conta conjunta para gastos como renda, supermercado, água, luz, escola dos filhos. E cada um tem a sua conta individual para comprarem o que quiserem.” Mas isso também obriga a mais organização, a terem que verificar mais do que uma conta.

Uma das questões que pode pesar mais na decisão de partilhar conta bancária é o facto de os ordenados serem muito díspares. “É aqui que surgem, muitas vezes, conflitos. Se um dos elementos ganha substancialmente mais do que o outro, pode sentir que está a sustentar mais a família. Ou o que ganha menos pode sentir que vive um bocadinho às custas do outro”, refere a terapeuta familiar.

É sabido que as questões financeiras “podem causar muita destabilização” num casal. “E há muitos casais, em contexto terapêutico que, a certa altura da terapia, demonstram desconfortos e ideias implícitas em relação à organização financeira, porque nunca falaram sobre o tema. Se o casal não estiver bem, este microconflito pode evoluir e acabar por ser a questão central. Quando há conflitos, isto é sempre assunto.”

E não, a organização financeira não é só uma questão logística. É uma peça fundamental da relação. Mas há uma certeza: diferentes modelos vestem diferentes casais. As contas conjuntas podem gerar atritos, é certo, “se um não se sente confortável, se se sente controlado”. Mas as contas separadas também, “quando um sente que não sabe exatamente qual é o dinheiro que o outro tem e não percebe onde estão os gastos do outro”. E ambas têm vantagens. No primeiro caso, na logística e no sentido de transparência e confiança; no segundo, entra a privacidade e a valorização da independência.

Escolheram separar as águas

É essa independência que Adriana Correia e Nuno Lezon Mendes, 29 anos os dois, tanto prezam. Partilham morada, em Braga, já lá vão dois anos. Juntaram-se 15 dias antes de o confinamento forçado pela pandemia os fechar na casa que tinham acabado de arrendar. “Ninguém dava nada por esta relação e aqui estamos, com um filho em comum, o gato, o Kyoto”, brinca Adriana. É preciso fazer “rewind” numa história que começou há quase cinco anos para o entender. Já se conheciam dos carnavais da adolescência, mas foi só quando começaram a trabalhar na mesma empresa e os dois ficaram solteiros que os astros se alinharam.

Fevereiro de 2020, fizeram as malas, foram viver juntos. Nem eles acreditavam que ia durar tanto, que os temperamentos iam encaixar. Mas conheciam-se bem por trabalharem lado a lado e isso ajudou. Dois anos depois, juntar a vida num NIB comum não é sequer uma questão. “Nunca sentimos essa necessidade. Aqui em casa, ele paga umas contas, eu pago outras. E há outra razão para isso não acontecer, é que ele é uma pessoa poupada e eu gasto tudo. Era injusto eu começar a usar as poupanças dele”, admite Adriana.

No início do mês, um mapa de todas as despesas em cima da mesa, é hora de fazer a divisão. “Fazemos por percentagem, se ganho mais, posso pagar 60% das contas e ela 40%. Usamos essa regra para tudo”, detalha Nuno. Não dramatizam a logística, descomplicam. Se vão jantar fora, pagam à vez. Se vão de férias, cada um paga a sua viagem.

Adriana ainda está na empresa tecnológica que deu palco ao início do namoro, nos vaivéns da vida, como gestora de projetos de design. Nuno saiu, é agora designer de produto digital numa startup de Londres. “Talvez para um casal com menos rendimentos seja mais difícil esta gestão. Mas temos uma vida confortável. Estamos à vontade com a divisão das despesas. E depois faço o que quiser na minha conta, gosto da minha independência”, comenta ela. Manter as águas do dinheiro separadas também é um travão, acredita Nuno, a “perguntas evitáveis”. “Se quero comprar um monitor para o computador ou se ela quer comprar um creme, não há questões por ser muito caro. Ou por um gastar mais do que o outro. Isso podia gerar discussão.”

Talvez, no futuro, se vierem a comprar casa e a fazer um crédito habitação a questão volte a vir à baila e até juntem os trapinhos no banco. Mas são pássaros livres e, mesmo que criem uma conta conjunta, Adriana não tem dúvidas: “Iríamos manter sempre a nossa conta individual”.