Jessica Athayde. “Estou preparada para contar só comigo. Eu sou o meu plano B”

Foi estrela de presépio para contrariar uma infância triste, bailarina durante a adolescência conturbada, Mimi em” Morangos com açúcar”, decidida a ser atriz. Conhecemo-la de telenovelas e personagens dramáticas. De Taskmaster e dos projetos de Bruno Nogueira, porque gosta de não se levar muito a sério. Aos 35 anos, Jessica Athayde é Tatão. Atriz e personagem são amigas: feministas e sem meias-palavras, ambas desafiam as normas e combatem os medos. O filme estreia a 21 de julho.

Encontro marcado num restaurante do Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Jessica espera-nos. Tem na mesa um copo de água. São três da tarde. O jejum intermitente – 18 horas diárias – fora interrompido ao almoço por um chá e uma torrada. Iria pedir agora duas gyozas. Confessa estar num dia mau. Que passou a manhã no hospital, a soro, com suspeitas de gastroenterite. “Não é covid”, sossega. O restaurante está vazio. Por vezes é atacada por fobia social, que chega sem pré-aviso, nem sempre bem entendida. Quase no final da conversa, reparámos na rapariga que, ao fundo da sala, observa. E que contou: é bracarense, conhece de cor as personagens da atriz, desde os “Morangos”, segue-a religiosamente nas redes sociais. Ela e várias amigas dela. Quer saber como está Oliver. Pede um autógrafo e uma fotografia. O mal-estar físico não belisca a fotogenia e o rosto solar da atriz. Nem a frontalidade. Athayde consegue transformar a ausência de rede num trunfo. Apresenta-se genuína. Tanto quanto Tatão, a que dá corpo e alma num remake de “O pai tirano”, o mais recente trabalho.

Em “O pai tirano”, remake de um clássico português dos anos 1940, é Tatão, descrita “moça de atributos físicos de fazer parar o trânsito”. O que tem a dizer à adolescente que foi, triste, com muitas inseguranças, e sem autoestima?
Mais do que dar nas vistas pelo físico, a Tatão marca pelas atitudes. Porque é muito à frente do seu tempo e muito feminista, porque é uma mulher sem medo de falar. Penso que esse é o lado mais forte da personagem. Se o foco estivesse só no lado físico provavelmente teriam ido buscar outra atriz…

Mais bonita?
(Ri) Pelo menos, mais nova.

Acha mesmo?
Acho um bocadinho. Na verdade, levo sempre com desafios. As minhas inseguranças pessoais, e ainda tenho algumas embora nada comparáveis às de adolescente, não as levo para os meus trabalhos. Em personagem, com mais ou menos roupa, consigo arranjar forma de ficar confortável. As roupas do filme vieram de Madrid, com tamanhos mínimos. Tive de usar mil contas para caber dentro delas. Por isso, voltando à Tatão: o que marca a personagem é sobretudo o facto de ser muito moderna, muito independente. É, por exemplo, uma mulher que se veste como quer, apesar de viver nos anos 1940.

Em 2022, o problema está resolvido? Recentemente, Cuca Roseta foi desclassificada profissionalmente por causa da roupa que vestiu para uma sessão fotográfica.
A roupa, como aquilo que se faz, continua a ser pretexto para desclassificar as mulheres. Há uns anos, poucos, à mesa com amigos, o pai de uma delas disse-me que a profissão de atriz era mal vista.

Como reagiu?
Perguntei porquê. Instalou-se um gelo e ele calou-se. Não teve tomates para continuar.

Seis décadas, ou mais, depois de a sua avó paterna ter ouvido o mesmo, quando disse que queria ser atriz. Seria obrigada a desistir.
Andamos sempre nisto. É um ciclo. Se uma fadista se despe ou veste roupa mais ousada, não é digna de ser fadista. Quantas vezes ouvi que uma atriz não podia ser nada mais do que atriz. Não podia ser atriz e cantora, ser atriz e apresentadora, ser atriz e fosse o que fosse. E eu perguntava: atriz e mãe, posso?

Ser atriz de teatro, de cinema e de televisão: em Portugal ainda há uma ordem decrescente de prestígio?
Claro que há. Os atores dizem que são unidos, mas não são. São os piores inimigos deles próprios. Há um enorme preconceito em relação aos atores de revista e aos de telenovela.

Até irem lá parar?
E vão lá parar todos. Vou até mais longe: acho essencial que esses atores mais de teatro e cinema façam televisão. O ritmo a que se faz uma novela não é comparável a nenhum outro. É um exercício ótimo para qualquer ator. Da mesma maneira que eu gostei muito de trabalhar em teatro (a Iguana Viúva), ainda que a pandemia tenha impedido a estreia da peça. Foi um trabalho duro e engraçado. Sair da minha zona de conforto é o que me alimenta. De tal maneira que, a certa altura, não queria fazer mais novelas. A rotina deixava-me aborrecida. E ser atriz não pode ser aborrecido.

A rotina aborrece-a com facilidade?
Gosto de rotina, mas gosto de ser desafiada a estar fora da minha zona de conforto. Senão fico preguiçosa.

Fez vários trabalhos na área da comédia. É o registo que a deixa mais confortável?
É onde gosto mais de estar. Mas isso não significa que não goste de fazer outras coisas. Cheguei a ficar frustrada porque não me chamavam para papéis dramáticos. Queria chorar. E depois fiz anos e anos e anos de lágrimas e dramas – a irmã que afinal é tia da prima, mais histórias de amor impossível. Fiz isso tudo. E gostei.

O ator de comédia é subestimado – outro preconceito.
E se é um género difícil.

Imagina-se que o meio artístico é pouco dado ao preconceito. Mas não são os próprios atores os primeiros a catalogar?
São e porquê? De alguma forma, por se acharem menos se fizeram uma coisa diferente do que conhecem desde o primeiro dia. Vêm do conservatório formatados. Sentem que se quebrarem essa linha, se forem fazer um trabalho mais comercial, estão a desistir da sua arte. São os maiores inimigos para eles próprios.

Por que razão acha que funciona bem na comédia?
Uma atriz de comédia não pode levar-se muito a sério. Tem de ser capaz de fazer uma enorme desconstrução e de isso a deixar estar confortável. Não pode estar preocupada em meter a barriga para dentro, com postura certa, ou com ter o cabelo no sítio. Tem de ter à-vontade e aceitar o que vier. Até porque a comédia vive muito de improvisação.

Vamos à avó que queria ser atriz. Herdou o “chamamento”?
Não falávamos disso. Comparada com a materna, a inglesa, a minha avó portuguesa era muito fria e muito distante. Mas era muito rica (ri) e era dona de um hotel. E como era a dona fazia o que queria, como, por exemplo, cantar para os hóspedes, dando secas infernais a quem muitas vezes estava ali de férias (ri). É das imagens mais fortes que guardo dela: a cantar, ao piano, uma forma de exorcizar a vontade que sempre teve de ser o que não a deixaram ser.

Quando percebeu que ia ser atriz, falou com ela?
Não tinha com ela essa abertura. Era muito distante. Mas quando fiz 18 anos e disse que queria ser atriz, e ir para Londres estudar porque era lá que era o meu sítio – percebi depois que não era -, a minha avó apoiou e ajudou.

Como foi a experiência em Londres?
Fiz 18 anos em novembro e em janeiro já estava em Londres. Uns meses depois, no verão, vim de férias e fui fazer um casting para uma coisa chamada “Morangos com açúcar”. E, pronto, não voltei a Londres.

Fale-me dessa menina.
Destemida. Trabalhava à noite, servia copos num bar privado, frequentado por gente conhecida que me dava gorjetas brutais. Às duas ou três da manhã, apanhava o autocarro para casa e no dia seguinte de manhã ia para as aulas. Mesmo aos 18 anos, é um ritmo muito cansativo. Londres é um mundo cinzento e rapidamente percebi que não era lá que queria estar.

O ritmo nos “Morangos” também não era brando.
Vivia no Estoril, apanhava o autocarro das seis e meia da manhã para chegar ao Cais do Sodré as sete e meia. Oito horas depois, fazia o percurso de volta. Foi assim durante dois anos.

Uma escravatura.
Super escravatura

Que ainda hoje se mantém nas telenovelas…
É um horário muito violento. Mas, aos 20 anos, o que mais me marcou não foi isso. Quando o projeto acabou várias das minhas colegas foram logo chamadas para outro. Eu não. Bateu-me um bocadinho o lado descartável da coisa. Foi um período difícil, mas visto de hoje posso dizer que me fez bem. Aos 18 anos, nos “Morangos”, vivíamos numa pequena bolha, na ilusão de que é tudo incrível. Depois as coisas mudam um pouco e mudaram.

Isso alterou em si o quê?
Foi mais a desilusão, tanto mais que o projeto tinha corrido muito bem. Mais tarde, acabei por ir para um novo trabalho, mas o entretanto foi de alguma desilusão.

Já na certeza de que queria ser atriz?
Essa certeza já tinha havia anos. Claro que depois foi reforçada. Nesse novo projeto fiz uma exclusividade com a TVI, que me permitiu investir muito em formação. Em Portugal e no estrangeiro. Estou muito agradecida à estação por me ter proporcionado essa aprendizagem.

Se não fosse atriz, o que seria?
Teria ido para artes. Desenho. Se bem que já fui melhor, tenho noção de que desenho bem. É um traço da minha família inglesa: mãe, irmãos, tia, primos, todos desenham e pintam. Artes era um dos meus fortes. Mas também a representação. Tive o privilégio de estar numa escola internacional, que dava muita atenção a essas atividades.

Lembra-se do primeiro papel? A primeira peça?
A estrela do presépio. Lembro-me até hoje. Collants dourados e muita dança.

Que bem lhe trazia a representação?
Não fui uma criança feliz e muito menos uma adolescente feliz. Para mim era um escape. A representação e a dança. Ballet, dança jazz, sapateado, experimentei de tudo.

Essa tristeza via-se a olho nu?
Bastava ver-me comer, ou seja, não comia. Não conseguia comer à frente de ninguém. Tive anorexia nervosa durante muitos anos. Sentia-me insegura com tudo. Os meus pais tentaram fazer o melhor, a minha mãe sobretudo, mas o resultado nem sempre é o que eles desejam.

Cresceu longe do pai e da família do pai. Isso marcou a sua vida em que medida?
Muito. O meu pai estava presente, mas tinha outra família. A avó portuguesa de que falámos no início, conhecia-a era já adolescente. Não era apenas filha de pais separados – resultava de uma relação extraconjugal do pai e da mãe. Amigos da escola sabiam. Os pais deles conheciam a minha história e isso deixava-me um bocado envergonhada. Tentava mostrar-me despreocupada, que era tudo ótimo, mas não era. Muito bem estou eu tendo em conta o que foi o meu crescimento.

A representar sentia-se segura?
Trabalhava para estar segura naqueles momentos. E conseguia. Para eu, Jessica, ter segurança foram necessários muitos anos de terapia em cima. E ainda hoje tenho as minhas coisas. Há dias em que me sinto maravilhosa e noutros uma merda. Ainda hoje faço terapia.

O que melhor de si descobriu com a terapia?
A minha frontalidade. Ser capaz de vencer o medo. É muito raro sentir medo. Mais depois de ser mãe, mas consigo superar. Gosto de pensar que sou uma mulher corajosa.

Voltamos ao início. O que diz a Jessica de 35 anos à menina de 15?
Não podes controlar aquilo que os outros fazem. Só podes controlar o que tu fazes, o que sentes e o que permites que os outros te façam. Não sofras nunca por antecipação. Adianta nada.

Em 2014 desfilou na Moda Lisboa, em biquíni, a convite de uma marca. Foi muito criticada por ter mostrado um corpo real. O que aprendeu com esse episódio?
Que as pessoas podem ser muito cruéis.

Nas imagens, parece que está ali feliz. E que foi apanhada desprevenida por essa maldade. Concorda?
Completamente. Estava na boa, a sentir-me ótima, numa fase feliz e saudável, depois de muitos anos sem o ser. Felizmente estava num estádio da minha vida que me permitia dizer “minhas amigas hoje posso bem aguentar isto, mas se fosse há uns anos já estava a perder uns dez quilos, atirada para uma depressão profunda”. Aproveitei para dizer o que achava sobre as mulheres não serem boas umas para as outras. Pensava mudar alguma coisa.

E então?
Mudou muito pouco, para não dizer nada. Continua a haver muita gente que se esconde atrás dos ecrãs para dizer o que lhe apetece. Mais maldosas ainda do que em 2014. Por vezes recebo mensagens em que me dizem que devia estar morta ou nem devia ter nascido. Porquê? Porque defendo, na questão do aborto, os direitos da mulher. As pessoas não têm limite. Dizem o que querem. A melhor: quando tomei a decisão de não dar de mamar fui altamente criticada por homens. Por homens.

A gravidez é outra fase muito romantizada.
Não gostei de estar grávida, fui uma grávida muito infeliz, a lidar com uma situação complicada na minha vida. O pai do meu filho estava doente e tomei antidepressivos. Por isso tomei a decisão de não dar de mamar.

Publicou no Instagram uma foto, sentada na retrete com o seu filho ao colo. Porquê?
Porque é a realidade.

Qual é o objetivo?
Sempre fui muito aberta em relação à minha gravidez e desde o nascimento do Oli (Oliver) que falo bastante da maternidade sem a romantizar. Há mulheres que dizem maravilhas, não foi o meu caso. E uma das maiores mudanças é a perda de privacidade. Com um filho não há tempo para fazer nada sozinha.

Mas será necessário escancarar a porta?
As minhas redes são um trabalho, expondo uma parte da minha vida pessoal e uma parte da vida profissional. Ganho o dinheiro que me permite decidir fazer um filme e não ter de aceitar de imediato uma telenovela de nove meses para poder ficar com o meu filho. Um dia acabará. Não vou para o TikTok, nem entro no campeonato das dancinhas, mas enquanto puder associar-me a marcas de que gosto e em que acredito, continuarei.

“Um dia acabará”, disse. É um mundo efémero, ainda mais para as mulheres.
Basta dizer que com 32 ou 33 anos, fui mãe da Kelly Bailey. É um meio muito ingrato. É lixado. Quando comparo a minha geração de atrizes com a de agora, percebo que não têm nada a ver. A Kelly, a Margarida Corceiro, a Júlia Palha são umas bombas. Elas são naturalmente assim. E isso é uma pressão desgraçada para as miúdas que as veem em casa. Pela minha parte, tenho um reality check todos os dias. Bato de frente contra esta realidade constantemente. Confesso: não tenho medo de envelhecer enquanto mulher, mas tenho medo de envelhecer neste meio.

Tem um plano B?
Estou sempre a pensar em planos B, mas não há nada que queira tanto fazer quanto isto.

Onde gostava de estar daqui a uns anos?
Acredito que serei melhor atriz. O meu maior objetivo, agora, é tornar-me melhor. Não para provar seja o que eu for a mais ninguém, mas sinto que é o que quero. Quero encontrar esse tempo, para continuara a crescer como atriz.

Consegue estar com o telefone desligado?
Depois de ter sido mãe, não. Para não andar sempre com o telefone, dou o número da produção para que possam ligar-me. Não vá ele ter partido a cabeça.

É asneirento?
É. É. E ainda bem que é.

Conversam em que língua?
Falo com ele em inglês. Mas o meu filho é totalmente bilingue. De vez em quando diz-me “mãe, podo ir”?

A maternidade já lhe tirou trabalhos?
Que eu saiba, não. Que eu saiba.

O pai (Diogo Amaral) também é ator.
No início, estive sozinha. Hoje, graças a Deus, o Oli tem uma mãe e um pai super presentes. Gosto de dizer que temos guarda conjunta. O meu filho está com o pai e com a mãe sempre que quer.

Qual é a principal regra na educação de uma criança?
Amor, muito amor. A minha mãe amava muito, mas também tinha muitas regras. Era uma mãe autoritária.

Como lidava com a autoridade?
Tomava-me mais rebelde. As regras são essenciais, mas nem oito nem oitenta. Mas o meu irmão terá a sua razão: ele costuma dizer que havemos de os estragar com alguma coisa e lá vão eles para a terapia, como nós fomos.

Voltamos à terapia. Hoje gosta de si como é?
Trabalho para me sentir bem. Hoje em dia mato-me no ginásio. Pela minha cabeça. É uma terapia. Custa-me ir, mas saio muito melhor de que entrei. Quando estou ali consigo resolver os nozinhos que a vida me traz. No ginásio sou feliz.

Outros locais onde é feliz?
Um dia de praia. Praia, filho, boa música. Não sou muito exigente.

Rotinas de que não prescinda?
Um passeio no Guincho.

Em muitas entrevistas faz questão de dizer que não é romântica.
Nada. Tenho até vergonha alheia. Quem me conhece já nem vai a jogo. O aparato de casamento causa-me aversão.

Têm uma história, os anéis que usa?
Por acaso, têm. O anel foi dos 50 anos de casamento dos avós ingleses. O anel de noivado da minha avó portuguesa, presente do meu avô. Este casamento e noivado da avó portuguesa e do meu avô português. Outro anel da minha avó materna e o anel que o Diogo me deu quando nasceu o Oliver. São histórias românticas, sim, é verdade. Mas vivo num conto de fadas.

Há um certo romantismo nesses anéis. Conheceu esse avô português?
Vi-o uma ou duas vezes. Telefonou-me uns dias antes de morrer para me dizer que tinha pena de não me ter conhecido melhor.

Disse numa entrevista que o fim do relacionamento com João Manzarra foi o melhor que lhe podia ter acontecido porque pôde renascer. Renasceu diferente?
Estava completamente fascinada. Foi a primeira paixão. Quando levei com o balde água fria decidi que não voltavam a apanhar-me. Nunca mais. Sou muito individualista e não o digo com orgulho porque sei bem que pode complicar uma relação, mas estou preparada para contar comigo. Os tais planos B: eu sou o meu plano B.

Fale-me um pouco dos passeios no Guincho.
É uma meditação ativa. O Guincho é um dos lugares mais bonitos do Mundo. Já viajei muito, mas só o ar do Guincho me traz uma sensação de limpeza. Quando estou triste ou mais feliz é um momento meu. Até faço questão de não levar cães.

A ligação aos animais é outra marca do seu Instagram.
Cresci numa casa com gatos, apesar de ser alérgica a gatos. A minha mãe recusava-se a dar os animais e, portanto, cresci cheia de alergias. Quando fui viver sozinha arranjei um cão. Um cão pequenino, que passado alguns anos foi atropelado. O Petrovsky. Mais tarde, o João (Manzarra) deu-me o Júlio, um boxer que viveu comigo a minha gravidez e o nascimento do meu filho. O Júlio andou comigo pelas mil asas que vivi. Na pandemia tive de o deixar ir. Tinha um tumor no cérebro. É muito triste. Continuo com o coração partido.

Como reage à perda irreparável?
Mal. Com muita dificuldade. O Júlio era o meu filho. Era como se fosse um filho. Insubstituível. Tenho outra cadela, mas estou sempre a dizer que não vou gostar da Augusta como gostei do meu cão. E eles adoram-nos.

Como acha que é vista pelos seus pares?
Julgo que a maioria achará que sou uma porreira.

Como é trabalhar consigo?
Creio que sou boa profissional e boa colega.

17 anos de carreira. Qual é o seu lugar no meio?
Estou a trabalhar para ter o meu lugar. Durante alguns anos muitos realizadores acharam que não era adequada para certos papéis. Tenho perfeita consciência de que a exposição da minha vida pessoal me prejudica, joga contra mim no que respeita à representação, mas é um caminho sem retorno. Resta-me trabalhar para obter o reconhecimento cada vez maior. Uns já o reconhecerão, outros não. Mas eu gosto de desafios.

Que papéis gostava de fazer?
Um desafiante. Fazer de alcoólica, por exemplo. É tão difícil parecer embriagada de forma natural. Seria espetacular se me dessem um papel de adita. Vencer o desconforto que me provocariam essas cenas iria ser muito motivador.

Como se prepara?
Normalmente contrato um coach. Mas nunca tenho muito tempo. Esforço-me por ir sempre com verdade às cenas. Senti-las. Quando não consigo acreditar nelas é meio caminho andado para a coisa não correr muito bem.

Em Portugal escrevem-se bons argumentos de telenovelas.
(Ri) Já fiz novelas muito boas e outras menos boas.

O que a levaria a recusar um trabalho?
Hoje em dia procuro personagens desafiantes. Se tiver oportunidade financeira, digo não ao que não me interessa tanto.

Planeia carreira?
Tento. Daí as redes sociais. Além da divulgação dos meus projetos, permitem-me controlar o que vai saindo sobre mim, muitas vezes mentiras.

Alguma a magoou particularmente?
Já lá vão os dias em que metia o meu nome no Google para ver o que aparecia. Hoje não vou à procura, mas há casos graves, como este: alguém anda a usar a minha imagem para promover comprimidos para emagrecer. Falsificando até entrevistas. Temos advogados a tratar do assunto porque é uma coisa que me chateia muito.

Por que razão acha que o #Metoo teve tão pouca projeção em Portugal?
A Sofia Arruda deu uma entrevista. Expôs uma situação que muitas de nós já conhecíamos. Para quê? No que é que deu? Nada. Porquê? Porque há tantos cúmplices poderosos. E porque há apenas duas ou três empresas onde se pode trabalhar e ninguém se quer queimar. As pessoas querem trabalhar porque há contas para pagar.

Coleciona registos e imagens religiosas de várias religiões.
Toda a ajuda é pouca. Não se perde nada em saber-se um pouco sobre as religiões. Não rezo, mas tenho fé e acredito não sei bem em quê, mas acredito. Peço perdão para as pessoas de quem gosto. E faço promessas. Aquilo que nós damos recebemos. É das poucas certezas que tenho: tudo aquilo que damos, volta.

Já foi a Fátima?
Já fui e a pé. Tem um lado comercial, mas eu adoro.

Faz promessas a Nossa Senhora?
A quem tiver de ser. Alguns contextos são mais complicados, outros mais engraçados. O mais engraçado foi o episódio da mota que me roubaram numa viagem. Se comprasse outra ficava sem dinheiro para o resto da viagem e, portanto, prometi que se a mota aparecesse faria um grande sacrifício.

Qual?
Não comer chocolate durante um ano. Custou-me muito. Devo dizer que como chocolate todos os dias, é um vício diário e não estou a falar de chocolate negro com alto teor de cacau. Não, é o chocolate de bomba de gasolina.

Outros vícios.
Mais dois: gomas, não resisto aos ursinhos da Haribo. E cotonetes. Se tiver cotonetes em casa não paro de limpar os ouvidos. É estranho e esquisito, não é?