De que valem as primeiras impressões?

Dois segundos. É este o tempo que demoramos a formar uma impressão de alguém

“Achei-a simpática”, “É muito competente”, “Houve alguma coisa que não me agradou”, “É um arrogante”. Todos já dissemos estas frases sobre alguém que acabámos de conhecer. Frequentemente, estamos certos. O pior é que, quando estamos errados, estas ideias iniciais - e superficiais - são difíceis de desfazer.

Corria o ano de 1931. Um jovem inglês de 19 anos a viver em Munique percorria as ruas com o seu Fiat vermelho, comprado nesse dia. O seu senhorio ia no banco ao lado, a dar-lhe indicações sobre a circulação, apesar disso, numa viragem demasiado brusca para a Brienner Strasse, uma das principais avenidas da cidade, o jovem atropelou um peão que ia atravessar a rua. O pedestre foi civilizado e cordial. Depois de se levantar do chão, com ferimentos muito ligeiros, apresentou mesmo um pedido de desculpas ao condutor. Deram um amistoso aperto de mão e despediram-se.

O jovem condutor inglês chamava-se John Scott-Ellis. Viria a ser o 9.º barão Howard de Walden e ficou com ótima impressão daquele cavalheiro tolerante, respeitador e gentil. O homem atropelado chamava-se Adolf Hitler. Viria a ser o “Führer” daí a dois anos e só tempo se encarregou de desfazer qualquer boa impressão que alguém tenha tido sobre ele.

Dois segundos. É este o tempo que demoramos a formar uma impressão de alguém, determinando se a pessoa é ou não atraente, simpática, confiável ou competente. “O ser humano é prodigioso a formar impressões. A partir de informação mínima, obtida direta ou indiretamente, desenvolvemos impressões complexas e bem integradas, muitas vezes em apenas alguns segundos, sem intenção nem consciência”, resume Rita Jerónimo, do Centro de Investigação e de Intervenção Social do ISCTE-IUL, onde integra o grupo de Comportamento, Emoção e Cognição.

A investigadora, que tem especial interesse na forma como criamos as impressões acerca dos outros, explica que “inferimos traços de personalidade a partir de comportamentos: se vemos uma pessoa a devolver uma carteira cheia de dinheiro, inferimos honestidade”. Mas também fazemos mais do que isso: generalizamos e, a partir do pouco que sabemos, inferimos também coisas que não observámos. “Por exemplo, tendemos a achar que se uma pessoa é simpática, então também é meiga, porque nas nossas teorias implícitas esses dois atributos coocorrem com frequência numa mesma pessoa.”

Esta perceção que formamos não tem que ver apenas com a sua simpatia, mas também com as emoções que o seu rosto nos suscita. “Alguns estudos mostraram que uma pessoa com as sobrancelhas viradas para baixo – associadas à raiva – é avaliada como menos simpática e amigável, e que indivíduos com rostos mais redondos e olhos maiores são avaliados como mais inocentes e simpáticos, devido à semelhança estrutural partilhada com os rostos dos bebés”, exemplifica Teresa Garcia-Marques, professora do Departamento de Psicologia do ISPA-Instituto Universitário e investigadora do William James Center of Research, na mesma instituição.

As emoções são centrais neste processo de formação de impressões. E não só as que inferimos no outro, mas também as que sentimos nós próprios. “A emoção que o percetor sente no momento em que forma uma impressão” e “o estado de espírito que sentimos” afetam o processo, refere Teresa Garcia-Marques, cuja investigação se foca exatamente no papel que os sentimentos e emoções têm no processamento cognitivo. Ou seja, avaliamos pior os outros quando estamos a sentir algo negativo e melhor se naquele momento estamos contentes, independentemente se o estado de espírito está ou não diretamente relacionado com a interação.

Úteis, mas imperfeitas

As primeiras impressões refletem uma habilidade humana referida pela primeira vez em estudos no âmbito da Psicologia, em 1993, chamada “fatiar fino”, segundo a qual é através de breves experiências – “fatias finas” da realidade – que conseguimos identificar padrões que nos conduzem a julgamentos rápidos tão apurados como aqueles a que chegamos com mais informação. É a intuição (ou “gut feeling”) em ação: aquela sensação que nos diz “gosto desta pessoa” ou “esta situação é perigosa” sem sabermos exatamente porquê e que, muitas vezes, refletem o reconhecimento, ainda que inconsciente, de fragmentos de experiência passada.

As primeiras impressões e até mesmo os estereótipos têm utilidade: são uma forma de economizar energia do cérebro. Ajudam-nos a preservar recursos cognitivos, ao não ter de tratar cada estímulo exterior que vemos como algo absolutamente novo. E a verdade é que resultam muitas vezes. “Numa grande variedade de situações do dia a dia, os estereótipos são úteis e relativamente precisos na formação de impressões”, defende Margarida Garrido, coordenadora do Grupo de Investigação em Comportamento, Emoção e Cognição do ISCTE-IUL. “O estereótipo de uma educadora de infância como alguém paciente e carinhoso tenderá a confirmar-se na maioria das educadoras de infância. No entanto, essa economia de recursos cognitivos não vem sem custos: poderão existir educadoras de infância que não são pacientes e carinhosas.”

Como muitos destes estereótipos são baseados em categorizações de má qualidade podem ter uma consequência grave, a discriminação. “No passado, a sociedade associou comportamentos emotivos a mulheres e perigosos a negros e ciganos. Esses conteúdos estão errados. Temos de usar categorias para comunicar e perceber o Mundo, mas temos de ter em conta que a realidade está além delas e procurar informação detalhada sobre cada indivíduo. Principalmente quando as nossas impressões têm consequências graves, como acesso a empregos e outras oportunidades de vida”, alerta Teresa Garcia-Marques.

Além das generalizações, feitas com base em preconceitos errados, há outros atalhos mentais que levam a erros. “Talvez o viés mais importante seja o chamado erro fundamental da atribuição, que nos leva a atribuir o comportamento das pessoas mais a causas disposicionais [fatores internos à pessoa, como a personalidade] do que a fatores situacionais, como o contexto”, realça a investigadora Margarida Garrido. Isto poderá levar-nos a inferir que uma pessoa está desempregada porque é pouco competente, não tendo em consideração que não teve oportunidade para estudar ou que, simplesmente, a empresa onde trabalhava faliu.

Como atualizar o ficheiro?

Quando conhecemos alguém, formadas as impressões iniciais, criamos uma espécie de “ficheiro mental com todos os dados da pessoa”, ilustra Teresa Garcia-Marques. E quando vemos um rosto conhecido recuperamos espontaneamente todos esses dados. “Por isso, somos conservadores na forma como percebemos as pessoas que nos são familiares”, sustenta. Este mecanismo é eficaz, mas pode dar origem a uma falha no sistema: é possível que uma pessoa parecida com outra nos faça recuperar o ficheiro errado. “Mesmo quando rapidamente nos damos conta que a pista recebida – a cara, o modo de andar ou a expressão – não era a chave adequada àquele ficheiro, já o abrimos e já associamos algumas dessas características à nova pessoa. A contaminação ficou passível de ocorrer”, considera a investigadora.

Que as primeiras impressões enganem não é o maior problema. Afinal, com tempo e atenção, poderíamos dar conta dos erros e mudar a nossa opinião. O pior é que temos muita dificuldade em fazê-lo. “As impressões de personalidade são extremamente estáveis e difíceis de mudar, especialmente quando são negativas, mesmo quando temos informação que contradiz a nossa impressão”, salienta Margarida Garrido.

A isto se chama o efeito de primazia: a tendência que temos para cristalizar e manter como correta a primeira impressão de alguém. A investigadora frisa, por exemplo, que, em contexto de entrevistas de recrutamento, as primeiras impressões, positivas ou negativas, formam-se ao fim de alguns segundos e são muito difíceis de mudar até ao final da conversa.

Também nos afetos, a primeira impressão funciona da mesma forma. O chamado “amor à primeira vista” corresponde a isso mesmo: uma atração inicial muito forte, baseada nas primeiras impressões, aponta Joana Arantes, da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, onde coordena o Grupo de Investigação em Psicologia Evolutiva. A investigadora tem-se dedicado a estudar os relacionamentos amorosos e a atração interpessoal, quer com estudos feitos em contexto laboratorial – com recurso a equipamentos de eye-tracking e de eletroencefalograma – , quer num contexto mais naturalista – através de speed-datings (encontros rápidos em série) -, e assegura que o sentido mais importante nessa atração inicial é a visão.

“Os nossos estudos têm mostrado que as pessoas que têm uma face e um corpo mais atraentes – por exemplo, face mais simétrica e índice cintura-quadril de aproximadamente 0,7 nas mulheres e um índice ombros-quadril de aproximadamente 1,6 nos homens, também designado de índice Adónis – captam mais a atenção nos momentos iniciais em que vemos alguém pela primeira vez e tendem a ser mais escolhidas para futuros encontros e potenciais relacionamentos amorosos”, observa a cientista social.

Para a validação e manutenção do amor à primeira vista parece contribuir fortemente uma predisposição conhecida como “efeito halo”. “Após formada uma primeira impressão, captamos as características que vão confirmar essa mesma impressão. Ou seja, tendo determinado que alguém é extremamente atraente à primeira vista e que estamos apaixonados, tendemos a dar mais atenção às características positivas desse potencial parceiro, e a ignorar as suas características menos positivas.” É, de novo, a tal dificuldade em atualizar o ficheiro e contrariar os vieses. E como é que isto se contraria? Talvez em parte não se possa contrariar, mas saber que o fazemos já é, certamente, um princípio.