Como será Portugal daqui a 30 anos

Teremos moeda, bancos, caixas multibanco? Teremos comércio de rua? Teremos governo e políticos? Haverá democracia? Como nos vamos mover? Como nos iremos relacionar? Como serão as nossas casas, os nossos carros, as nossas famílias? Teremos Segurança Social e Serviço Nacional de Saúde? Como será uma sala de aula em 2052? O que vamos comer? E o que vamos vestir?

Avancemos 30 anos. Ano de 2052. Como estaremos na mobilidade, na educação, na saúde, na economia, na política, na família, na arquitetura, na gastronomia, na moda? Como seremos enquanto povo, enquanto comunidade. O país não é uma ilha, será sempre condicionado e influenciado pela evolução do Mundo, sobretudo da Europa. Portugal continuará no mesmo sítio, na ponta ocidental do velho continente. Não seremos a Áustria da Europa, nem um país nórdico do sul. Estaremos melhor? Seremos melhores? O passado ajuda a espreitar o futuro. Seja ele qual for. Seja ele como for.

Educação sem Inteligência Artificial (IA) em 2052, em Portugal, será altamente improvável. As salas de futuro já são mais de 30, a tecnologia está nas escolas há anos, manuais digitais não são novidade. Entremos então numa sala de aula do 4.º ano em 2052. Como será? Sónia Moreira, professora do Ensino Básico no Agrupamento Escultor António Fernandes Sá, em Vila Nova de Gaia, formadora de professores, vencedora do Global Teacher Prize Portugal em 2020, edição portuguesa do considerado Prémio Nobel do ensino, pelo seu Projeto Coopera baseado na aprendizagem cooperativa, detalha o que vê. “As mesas redondas continuam indispensáveis para as aprendizagens ativas em grupos cooperativos, onde cada aluno assume diferentes funções: repórter, gestor das emoções, secretário, gestor dos materiais, entre outras.” Funções registadas nos tablets pessoais e aplicadas em modelo de rotatividade. “As paredes e o teto são painéis interativos onde a decoração é atualizada com fotografias digitais e vídeos gravados pelos alunos marcando os melhores momentos de aprendizagem semanais.” Animações interativas, realidade aumentada e realidade virtual com hologramas. Tudo isso fará parte dos desafios propostos aos alunos para “aprendizagens com significado”. Aprendizagens com significado.

Seremos um país autónomo nas energias renováveis, mais consciente em termos de mobilidade sustentável. Teremos mais espaços para andar a pé, de bicicleta, de trotineta. Teremos mais veículos elétricos, movidos a hidrogénio. Melhor qualidade do ar, menos ruído com menos motores a combustão, menos trânsito, mobilidade partilhada. Mais espaços verdes. Possivelmente sem aeroporto no centro de Lisboa. Eventualmente com uma boa ligação à Europa com um comboio noturno e de qualidade para Paris, por exemplo. Este é o país de Francisco Ferreira, investigador, professor, engenheiro do Ambiente, presidente da associação ambientalista Zero, para 2052. “Estou confiante de que teremos uma história de sucesso”, confessa. “Teremos melhores acessibilidades comparativamente com o que agora temos, com menos constrangimentos, com menos poluição.” Teremos menos plástico, menos embalagens, mais materiais alternativos, mais reutilização – ou o discurso da economia circular iria por água abaixo. A reciclagem será porta a porta, maximizada, pagaremos de acordo com o que produzimos. E a população continuará concentrada no litoral.

O futuro mostra cidades voadoras que se montam em qualquer lugar num piscar de olhos, veículos no Espaço, drones que fazem cargas e descargas. Paula Teles, fundadora e presidente da MPT – Mobilidade e Planeamento do Território, engenheira civil, tem os pés no chão, não descola dos seus 30 anos de trabalho junto das autarquias de norte a sul do país. Sabe dos empecilhos burocráticos e financeiros, instrumentos de planeamento que encravam e atrasam a mudança. Portugal estará mais evoluído na mobilidade, sim, a grande questão são as infraestruturas. Ou seja, as estradas. “Desenhámos estradas com função de rua e continua exatamente na mesma há 50 anos”, comenta. A experiência mostra-lhe que 30 anos não são suficientes para alterar muita coisa. “A infraestrutura urbana ainda vai estar muito pouco transformada no que queríamos: ter muito menos carros e andarmos em meios mais alternativos.” Há engrenagens lentas e vontades globais. “Temos uma carga jurídica, financeira, fiscal e burocrática, tão densa que teremos dificuldade em voarmos nos próximos 30 anos.”

Cidades amáveis, metrobus, casas partilhadas

Haverá carros, bicicletas e trotinetas, uma rede de transportes públicos mais evoluída, um conjunto de circuitos mais eficiente. Não haverá metro como em Lisboa e no Porto noutras cidades, não se justifica e é demasiado caro. Paula Teles vê metrobus bonitos, confortáveis, seguros, mais baixos do que os autocarros de hoje, com pneus escondidos. “Espero que 50% do asfalto seja ocupado pelo transporte público rodoviário.”

Francisco Ferreira vê cidades com maior densidade para evitar deslocações e habitação na periferia. Centros históricos ocupados, espera. “As cidades vão estar mais bonitas no sentido da qualidade urbana”, diz. Mas teremos momentos de seca, aumento das temperaturas, subida do nível do mar com ameaça de praias e habitações na primeira linha de costa, fenómenos extremos, e a biodiversidade estará em causa. “As consequências das alterações climáticas pesarão bastante”, avisa o presidente da Zero. Teremos dificuldade na reabilitação de edifícios, a ocupação do território poderá ainda ser um bicho de sete cabeças. Como construir, onde construir.

Paula Teles mantém os pés no chão. Mobilidade sustentável e cidades amigas do ambiente, sim, redes de partilha entre os diversos modos de transporte, sim, energias mais sustentáveis. Mas vê também um país assimétrico entre Litoral e Interior. Aldeias desabitadas e o turismo como motor para manter vivos alguns lugares recônditos do país. “O Interior daqui a 30 anos poderá ser melhor do que o Interior que tivemos nos últimos 30 anos”, admite. Já há gerações a recuperar casas, que querem viver em ambientais naturais, que valorizam a agricultura. Em 2052, poderá haver frutos. Paula Teles não desliga de velhas questões. “Temos um país muito desorganizado territorialmente, os PDM [Planos Diretores Municipais] demoram 15 a 20 anos a serem feitos, temos problemas de instrumentos de planeamento, temos de andar mais rápido.”

A tecnologia pula e avança, a ciência e o conhecimento não sossegam, a evolução é constante. Teremos frigoríficos que detetam que falta manteiga ou leite e tratam automaticamente da encomenda. Teremos carros sem condutores. Teremos computadores mais avançados, máquinas mais inteligentes. Banda larga em todo sítio que nos ligará à Internet das Coisas. Usaremos mais energias alternativas. Teremos mais painéis solares nas casas e a resistência térmica será mais robusta. Viveremos mais tempo, teremos mais saúde e qualidade de vida. “O futuro é uma caixinha de surpresas e ainda bem que assim é”, observa Carlos Fiolhais, físico, professor, ensaísta, cientista, que, todavia, faz um reparo: os profetas enganam-se na maior parte das vezes. Uma coisa é certa. “O destino de Portugal está ligado ao destino do Mundo, sobretudo ao destino da Europa. Ou temos destino com a Europa ou não temos destino nenhum.”

Avancemos para 2052. Obteremos energia de modo diferente, continuaremos a comprar os últimos gadgets, quem pode, claro. “Somos mais consumidores do que criadores e esse é um grande drama nacional.” Continuaremos sobretudo consumidores da inovação mundial, portanto. A computação quântica revelará ainda mais o seu poder no processamento de informação. Se já achamos a velocidade surpreendente, Carlos Fiolhais garante que ainda não vimos nada.

E as casas e as cidades? Como serão? Adaptadas aos modelos de vida, com certeza. Casas com quartos e salas maiores, porque o teletrabalho assim pede, com eletrodomésticos inteligentes, jardins aproveitados para plantar o que consumimos, prédios não muito altos com varandas e terraços generosos, zonas comuns de convívio para moradores, não apenas com uma coluna de elevadores e um lanço de escadas. Cidades inclusivas, amáveis, acolhedoras, agradáveis. O arquiteto Gonçalo Byrne, presidente da Ordem dos Arquitetos, desenha uma utopia concretizável se as metas definidas forem cumpridas. O Pacto Ecológico Europeu estabelece zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa em 2050, que ninguém nem nenhuma região seja deixado para trás, zero acumulação de lixo. “As cidades não têm guetos, são todas inclusivas, e todos têm direito a uma vida de qualidade e condigna.” Basta respeitar a sustentabilidade ambiental, social, económica.

Viveremos próximo de tudo, tudo estará perto, o trabalho, as escolas, os hospitais. Cidades mais arborizadas, menos carros nas ruas, automóveis partilhados, aviões movidos a hidrogénio. Mais floresta, bolsas de áreas rurais para produzir o que necessitamos para cozinhar. Casas com menos betão e mais materiais alternativos que não arranquem matéria-prima da Natureza. Casas mais luminosas, mais luz natural, ventilação natural, com mais painéis solares. Casas partilhadas pelos modos de vida, pelo trabalho nómada. Turismo democratizado na plenitude. Este é o retrato de Gonçalo Byrne. “Tem uma carga de utopia muito grande, mas está nas mãos dos políticos.”

Como nos relacionaremos? Como serão as famílias? João Teixeira Lopes, sociólogo, professor da Universidade do Porto, apresenta dois cenários bem diferentes, o que significa que há escolhas a fazer, o que significa regulação. O cenário otimista é o de integração da diversidade. O pessimista, de exclusão da diversidade. No primeiro, Portugal é um país interétnico, com mais migrantes, maior natalidade, dois a três filhos por casal, famílias diversas “sem qualquer tipo de monopólio quanto à questão do género” e orientação sexual. “A distinção entre famílias normais e famílias atípicas deixa de existir.” Teixeira Lopes fala em superavit da Segurança Social que permitirá criar novos postos de trabalho em duas áreas fundamentais. No cuidar dos idosos e na preservação do ambiente. Portugal será um país envelhecido, não há como contornar – segundo um relatório das Nações Unidas, será o quarto mais envelhecido do Mundo em 2050, ano em que cerca de 40% da nossa população terá mais de 60 anos. No cenário pessimista, menos população, menos um a dois milhões (as previsões apontam para uma perda de 1,2 milhões de habitantes até 2050 em Portugal), menos filhos (há um cenário que indica 1,6 filhos por mulher em 2050), mais desigualdades sociais, despovoamento, assimetrias territoriais, sentimentos de xenofobia, exclusão do outro, exclusão da diferença.

Um professor e um robô, continuidade ou raiva na economia

Sónia Moreira continua dentro de uma sala de aula de 2052. O professor tem um par pedagógico digital, concebido através da IA, ou seja, um robô. Sónia atribui-lhe um nome, chama-lhe Dodi. “Dodi, com capacidade de analisar quantidades massivas de informação, ajuda a identificar melhor as aprendizagens realizadas pelos alunos de uma forma transversal, respeitando os seus diferentes estilos de aprendizagem e o ritmo de cada um.” “A mudança mais influente que Dodi proporciona na vida escolar é o fim dos testes e dos exames nacionais”, refere. E isso acontece graças ao trabalho da dupla, um ser humano e um robô que, sustenta, “de uma forma pormenorizada asseguram a informação atualizada de todo o processo de aprendizagem de cada aluno, incluindo o seu estado emocional e motivacional.” Mais. “Por detrás deste trabalho permanente estão câmaras de filmar que permitem a Dodi recolher, organizar, interpretar e aconselhar, em tempo real, dados que possibilitam observar o que os alunos fazem, e monitorizar a concentração, o envolvimento e a motivação, sem que nenhum aluno fique para trás.”

O papel do professor será insubstituível. As salas de aula continuarão a ter quem ensina e quem aprende. Sónia Moreira avança 30 anos e vê um professor com “total disponibilidade para circular pelos grupos de trabalho cooperativo, observando e disponibilizando uma orientação personalizada, com feedback útil e atempado, apercebendo-se e reconhecendo o valor da sua ajuda humana no valor das competências sociais, reconstruindo relações com o ser humano, com o Planeta e com a tecnologia.”

Teremos Governo, tal como o conhecemos, teremos Parlamento, teremos partidos políticos, teremos democracia (se não houver uma catástrofe). O voto eletrónico será generalizado.

O único instrumento para prever o futuro é o passado, realça António Costa Pinto, politólogo, investigador coordenador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Portugal, país pequeno e periférico, será influenciado e condicionado pela ordem internacional. “Se há uma mudança na Europa, a probabilidade de se refletir em Portugal é grande.” A evolução da democracia portuguesa “vai depender muito da União Europeia, enquanto clube de países democráticos”, acrescenta. Continuaremos um país com regime semipresidencialista se não houver alterações profundas. Com partidos políticos, de Esquerda, de Direita, de extremos. Não serão os mesmos, poderão ter outros nomes. “Há variáveis que estruturam as democracias europeias que não se alteram.” Os partidos que as representam é que se vão alterando. As grandes famílias políticas não mudam de um dia para o outro. No sistema político, poucas ou nenhumas alterações. “Nos últimos 40 anos de democracia, mantivemos uma capacidade de experimentação nula.” O sistema eleitoral é o mesmo, a lei eleitoral é a mesma.

Quem aterrar em Portugal em 2052 não estranhará a economia. Não será muito diferente de agora. Teremos moeda, teremos euro, teremos instituições bancárias, teremos comércio de rua, faremos mais compras online, teremos meios eletrónicos mais sofisticados de pagamento. João César das Neves, economista, professor catedrático, fala em dois cenários possíveis, um mais provável do que outro. Um cenário de continuidade, mais previsível. E um cenário de raiva, um país zangado. Na primeira possibilidade, as mudanças do costume. “A economia vai ser muito parecida. Um governo a dizer que o país está ótimo e a oposição a dizer que está a andar para trás”, resume. Continuamos na União Europeia, temos euros na carteira e no banco. “É provável que o dinheiro esteja bastante desmaterializado, faremos mais pagamentos com o telemóvel, mas não vai desaparecer o papel da moeda.” As notas andarão a circular, portanto. “Seremos um país mais rico, mas continuaremos a ter problemas, continuaremos a ter pobres, continuaremos a ter desigualdades.”

E o cenário de raiva. César das Neves fala das lutas da China e da Rússia, do BE e do Chega, dos sindicatos, as pessoas zangam-se, destrói-se tudo, a lógica económica muda, inverte-se o pensamento. “Pensamos em como vamos arranjar bombas e destruir o vizinho.”

Este panorama é menos provável, embora o 24 de fevereiro, o início da guerra na Ucrânia, tenha aberto portas inimagináveis até agora.

Mais míopes, mais saúde digital, menos críticos

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos, professor, investigador, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, faz uma ressalva. “Os sociólogos são treinados para prever o passado, não o futuro.” Mesmo assim, se acordasse em 2052, talvez dissesse ou escrevesse o seguinte de um país mais pobre, mais desigual. Um Portugal acrítico e precário. “É preocupante a frustração e o desalento que se apoderou da sociedade portuguesa à medida que se foram aprofundando as desigualdades sociais, que se estendeu a largos setores da opinião pública o racismo, o sexismo e a xenofobia que há uns 30 anos eram bandeiras da extrema-direita e que a produção de pensamento crítico nas universidades e na comunicação social foi sendo desencorajada e mesmo proibida.” Olhando para o passado, teremos saudades. “Há uma nostalgia difusa de um tempo em que Portugal tinha um serviço nacional de saúde de razoável qualidade, em que a educação era considerada um bem público e não um negócio, em que a política, ainda que distorcida por muita corrupção, era um campo de diferenças ideológicas em que as eleições eram fortemente disputadas e os programas políticos eram distintos, sobretudo os que se identificavam como sendo de Esquerda e de Direita.” 2052 será diferente, muito diferente. “Entretanto, generalizou-se a categoria dos oligarcas e são eles quem manda no país.” Boaventura está em 2052. “Se dantes ‘os donos de tudo isto’ eram incomodados com processos judiciais, hoje são perseguidos todos os que ousem denunciá-los. Não sei mesmo se esta nota será publicada e se eu não perderei o meu emprego por tê-la escrito.” Censura? “Não é que haja censura nem que estaremos em ditadura. A distinção entre liberdades autorizadas e não autorizadas tornou-se crucial e o problema é ninguém saber quem a faz e com que critério. É-nos reconhecido o direito a não ter direitos.”

Seja como for, a saúde será melhor do que agora. Mais tecnologia disponível em casa, saúde digital. Os cancros serão doenças crónicas, as doenças ligadas ao envelhecimento continuarão, as previsões indicam que um terço da população europeia terá mais de 65 anos em 2060. O astigmatismo e a miopia serão patologias prevalentes. As viroses não vão desaparecer, as infeções bacterianas e a resistência aos antibióticos continuarão a dar dores de cabeça.

Os hospitais portugueses, como estruturas, não serão muito diferentes. Teremos SNS? “É inevitável existir, particularmente para proteção dos mais frágeis”, responde Mário Barbosa, professor catedrático emérito da Universidade do Porto, investigador do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, especialista em Bioengenharia, que está a preparar um encontro sobre as perspetivas da Bioengenharia em 2050 no conceito de saúde integrativa – homem, animal, ambiente. Será a 27 de outubro deste ano na Fundação Cupertino de Miranda, no Porto.

“A comunicação vai continuar a ser facilitada pelos meios informáticos que temos à disposição.” A pandemia mostrou que é possível termos uma vacina em nove meses. “O que é preciso, política, económica e socialmente, é que sejamos capazes de mobilizar os recursos existentes, capazes de perceber a gravidade dos problemas.” Mário Barbosa fala na centralização de recursos mais caros e descentralização da tecnologia por centros de saúde e outras estruturas. “Mas nada vai substituir o médico, o enfermeiro, os profissionais de saúde.” Os portugueses terão mais acesso à informação. “Cada vez mais, os cidadãos têm de estar melhor informados. Os profissionais de saúde, os cientistas e a comunicação social têm um papel fundamental na informação de qualidade. Melhor informado não é mais informado.” Saber procurar informação, aprender o que há de novo. E há dois pontos fundamentais quando se olha para o futuro, segundo Mário Barbosa. A alimentação e o exercício físico para o bem-estar físico e mental.

Tradicionais à mesa, conservadores na roupa

Como nos relacionaremos? Teixeira Lopes volta a apresentar dois cenários. À distância, a reboque do capitalismo da vigilância, ou face a face, à antiga. “A plataformização das vidas é cada vez maior, a vigilância é total, perdemos privacidade, as relações sociais são cada vez mais remotas.” Viveremos em bolhas sociais, em realidades virtuais. Ou não. Comunicaremos face a face, corpo a corpo, pele com pele. O espaço de encontro será presencial porque é mais denso, mais rico, mais sensorial.

O trabalho, tal como o conhecemos, não desaparecerá, a tecnologia transforma o mercado laboral há muito tempo, o teletrabalho será mais rotineiro. As máquinas, os computadores, a inteligência artificial estão a libertar o ser humano para outras tarefas. “O presencial continuará a ser muito importante”, adianta César das Neves. Teremos patrões mais vigilantes e novos problemas. Mas nada de novo no mercado de trabalho. O economista não vê robôs a transformar o que existe. “Os salários vão crescer poucochinho.” O que naturalmente terá impacto no poder de compra.

Na banca, preveem-se mudanças significativas. Aqui, Portugal continuará nas mãos dos políticos e do que for regulado. “A questão é saber se os bancos são portugueses ou se estão nas mãos dos estrangeiros. Se vamos entrar a sério no mercado financeiro europeu, que ainda não existe”, indica César das Neves.

Voltemos à política. A democracia participativa não teve avanços significativos, é um caminho por desbravar, mas uma coisa parece certa. “Daqui a 30 anos, não existirão democracias sem partidos políticos”, defende o politólogo Costa Pinto. “O grande desafio é encontrar uma classe política mais competente e menos marcada pela carreira política.” O discurso do desenvolvimento não desaparecerá da boca dos políticos. “Não estaremos no centro da Europa dentro de 30 anos, não seremos a Suíça da Europa nos próximos 30 anos, passarmos a ser um país nórdico do sul não vai acontecer nos próximos 30 anos. Nós melhoramos, mas os outros também.”

Na alimentação, voltamos às origens, ao que é nosso. Consumiremos o que produzimos, mais preocupados com a pegada ambiental, a agricultura de subsistência voltará, seremos autossuficientes em determinados produtos. A tendência é essa e será mais evidente. Como país de prato cheio e mesa farta, de tradições gastronómicas vincadas, de carne e de peixe, os insetos e outros seres estranhos serão um nicho, a exceção, não a regra.

“Estaremos voltados para o que é nosso, para o que é de época. Se o inverno me dá nabos, vou comer nabos. Se o inverno me dá couves, vou comer couves”, atira o chef Óscar Geadas, estrela Michelin. Vamos olhar à volta, respeitar o ciclo da Natureza, consumir o que a terra dá e o que sai do mar. Há ainda o fator cultural. “Não é em três ou em quatro gerações que alteramos o que é cultural na alimentação.” Haverá restaurantes e o hábito de almoçar ou jantar fora. E a mesa será sempre um lugar de encontros. “O Mundo passou por duas guerras mundiais e os restaurantes resistiram. No tempo dos nossos reis, os tratados e as conquistas eram celebrados à mesa. O conceito de restaurante vai estar sempre presente pois temos necessidade de conviver, de confraternizar, e a mesa é um ponto de partida.”

O que vamos vestir em 2052? Como será a nossa relação com a moda? A estilista Ana Salazar não vislumbra nada de novo. A sustentabilidade continuará a ser uma preocupação, teremos tecidos amigos do ambiente, a tendência para comprar em segunda mão não passará, teremos mais lojas e mais plataformas para tal. Mas o passado é vaidoso e inspirador. “Continuaremos a ir buscar grandes e fortes influências às décadas anteriores”, diz a estilista. Os portugueses serão conservadores no modo vestir, nas peças, nos padrões. A moda reciclará ideias e os portugueses que compram menos e mais caro farão sempre parte de um nicho.

Portugal de hoje desaparece do mapa. Boaventura está em 2052. “O que havia antes desapareceu há tanto tempo que nem sequer a nostalgia consegue identificar aquilo de que tem saudade. Isto é particularmente verdade no caso dos jovens. A indiferença com que olham os estudos e o trabalho é tão intensa quanto a recusa em imaginar o futuro para além de amanhã, uma condição que antes era específica dos pobres e dos imigrantes”, assinala. “O trabalho, que dantes se designava como precário, é agora o único que há quando há, ou seja, quando, por alguns acontecimentos climáticos extremos ou ataques terroristas, uns e outros cada vez mais frequentes, os robôs da inteligência artificial avariam e ficam inoperacionais.” Quando é que tudo começou a descambar? É difícil dizer. Boaventura partilha a conversa de um velho general, guardado em anonimato. Tudo começou a descambar depois de 2022, quando estalou uma guerra entre os Estados Unidos e a China: “Começou por ser uma guerra com a Rússia, a principal aliada da China, ainda que não fosse travada bem na Rússia nem nos EUA. Foi travada nas planícies de um povo mártir e inocente, o povo ucraniano”. “Não sei se é verdade, mas não há dúvidas que desde então o dinheiro público que havia foi quase todo gasto em armas. Estamos muito mais seguros. Também muito mais pobres, mais infelizes e individualmente mais inseguros, mas esse é o preço da segurança coletiva.” Como será Portugal em 2052? Quem sabe?