Jorge Manuel Lopes

Jack Lemmon e as boas companhias

Crítica de cinema, por Jorge Manuel Lopes.

Teve um berço privilegiado e uma infância de saúde complicada, passou pela II Guerra Mundial já com a cabeça nas artes, imaginava-se no teatro e foi sobretudo no cinema que brilhou, ansiava por papéis mais variados e dramáticos, mas durante muito tempo o seu nome foi sinónimo de um humor neurótico, físico. Embora variado no registo, parte significativa dos desempenhos pelos quais ficou mais conhecido vestiam-no como um homem comum, a via verde aberta para a empatia do espectador.

Foi há 20 exatos anos, a 27 de junho de 2001, que partiu Jack Lemmon. Acima de tudo ator, pontual realizador. Também pianista e cantor – ainda atuou num clube nos primeiros tempos em Nova Iorque, para onde se mudou no pós-guerra, ido do estado de Massachusetts, para ter aulas de representação. O trabalho, intensivo, inclinou-se para o palco, rádio e televisão, e a carreira no grande ecrã aguardou até meados da década de 1950 para levantar voo. Em mais de meio século traçou um caminho marcado por boas, longas e cúmplices companhias na representação e na direção. A mais popular ligou Lemmon a Walter Matthau, num registo dominante de comédia: começou em 1966 com “Como ganhar um milhão” e só terminou com “Dois rabugentos em viagem”, de 98. A outra aliança duradoura fez-se com o realizador Billy Wilder e envolveu obras-primas logo desde o início, “Quanto mais quente melhor”, em 1959, filme que deixou o puritanismo em estado de coma, Lemmon e Tony Curtis transformados em mulheres e numa espécie de triângulo amoroso com Marilyn Monroe. Outros pontos altos desta relação especial: “O apartamento” (1960), “Irma la Douce” (63, ambos com Shirley MacLaine), “Primeira página” (74, também com Matthau).

Um dos derradeiros filmes essenciais de Jack Lemmon, e também um bom ponto de entrada no seu universo, é “Sucesso a qualquer preço”, de 1992, obra de culto de James Foley que adapta uma peça de David Mamet, trabalho de sombras e espaços fechados, tensão e traição e capitalismo mercenário. Vai-se a comédia, sobram os dramas pessoais, num elenco em que Lemmon é o veterano rodeado de talentos de outras gerações: Al Pacino, Alec Baldwin, Ed Harris, Alan Arkin, Kevin Spacey, Jonathan Pryce.