Tendões à beira de um ataque de nervos

A dor é fina. Aguda. Como se fosse um rasgão. Não passa e pode piorar durante a noite. Os tendões não gostam de gestos repetidos e, quando se lesionam, têm de ser tratados com cuidado.

Susana não teve dúvidas. Alguma coisa se passava. Aquela “dor inquietante, persistente e incapacitante” não podia ter resultado apenas de uma pancada no cotovelo direito. Tinha de ser algo mais. Se durante o dia, passado em frente ao computador, trabalhava com dificuldade, em casa o pesadelo parecia não ter fim. “Apertar os cordões, pentear o cabelo, ligar a ignição do carro ou descascar uma maçã” eram quase atos heroicos. E mesmo com o braço em repouso, uma dor aguda, sem tréguas.

O diagnóstico foi claro: uma tendinose (processo degenerativo do colagénio de um tendão) no ombro direito e uma epicondilite (inflamação) no cotovelo. Expressões aparentemente complexas para problemas muito frequentes em profissões que vivem de movimentos repetitivos, gerando lesões nos tendões. As chamadas tendinopatias.

Entre cabeleireiros, empregados de balcão, operários fabris (nomeadamente das linhas de montagem automóvel e dos têxteis) e atletas, este tipo de lesão sempre foi comum. No entanto, segundo o fisioterapeuta Pedro Daniel Moreira, o “uso repetido do rato e do teclado do computador, do tablet e até dos comandos de jogos” está a contribuir cada vez mais para o desgaste dos tendões.

Se estivermos perante uma inflamação, trata-se da tão conhecida tendinite. “Mas nem sempre há apenas um processo inflamatório. O termo tendinopatia é mais abrangente. Fala-nos de uma patologia que pode estar a degenerar, inflamar ou calcificar o tendão.” O problema mais comum, a tendinose, afeta-o “por sobreuso”, em “idade ativa”, principalmente entre os 30 e os 55 anos. Susana, de 43, não conseguiu escapar. “Demorei a ir ao médico porque são coisas que julgamos conseguir resolver.” Mas a dor venceu-a. “A prescrição médica imediata foi 45 sessões de fisioterapia, um anti-inflamatório, um emplastro tópico e uma braçadeira de proteção para uso no dia a dia de trabalho.”

De que serve um bom motor se os pneus estiverem desgastados?

André, de 33 anos, também conhece bem esta dor aguda. Parece anular-lhe por completo a “ação da mão”. “É quase como sentir um rasgão no braço, deixando-o extremamente dorido.” Os movimentos repetidos diariamente na fábrica onde trabalhava há uma década causaram-lhe uma inflamação nos tendões extensores dos músculos do antebraço. Na altura foi ao centro de saúde e receitaram-lhe uma pomada anti-inflamatória e bastante repouso. Lamenta, contudo, não ter sido reencaminhado para um médico especialista.

A trabalhar agora numa empresa de conteúdos digitais e, claro está, sempre em frente ao computador, o braço voltou a ser o seu “calcanhar de Aquiles”. “Muitas vezes estou a trabalhar com o rato e tenho mesmo de parar”, diz, reconhecendo que a possibilidade de ter de abrandar o ritmo laboral tem sido o principal entrave à procura de ajuda médica.

Mas a regra é simples. “Geralmente, a dor que se repete numa região específica de uma articulação e que surge com movimentos insistentes deve ser investigada”, aconselha o ortopedista João Torres. “Os músculos são como o motor dum carro, e estão ligados ao osso pelos tendões, que funcionam como os pneus, fazendo a ligação à estrada para o carro funcionar. Não serve de nada ter um motor muito bom se os pneus estiverem mal. Nas tendinites há perda de elasticidade e inflamação do tendão, que leva à dor e à incapacidade. No fundo, é como se os pneus estivessem secos, desgastados.” Nos mais jovens, as tendinopatias são “menos comuns” porque “os ‘pneus’ ainda estão em tão bom estado que toleram melhor os maus tratos”.

Não à automedicação

O tratamento destes problemas que afetam os tendões é baseado em medicação anti-inflamatória e fisioterapia que, de acordo com Pedro Daniel Moreira, “atua no controlo da dor, no reforço muscular e no alinhamento corporal”. Ter uma boa alimentação, fazer alongamentos, massagens e pausas frequentes durante o período laboral são algumas estratégias a adotar para prevenir o aparecimento de lesões. Quando a dor existe e persiste, há que recorrer a um profissional de saúde. “Normalmente, nestes casos, a automedicação inclui os conhecidos anti-inflamatórios. Mas nas tendinoses não está presente uma inflamação. Por isso, não é algo que se aconselhe.”

É por isso que Susana está sempre atenta. O médico explicou-lhe que estas patologias não se curam, “tratam-se”. “O ideal é ter a inflamação controlada e, sempre que há dor e sintomas de alarme, recorrer à especialidade.” Usa um rato ergonómico, não carrega sacos de compras ou do lixo com o braço direito e, ao longo do dia, procura ao máximo corrigir a postura corporal. Vale tudo neste esconde-esconde constante disputado com a dor.

5 mandamentos para quem passa o dia em frente ao computador

Melhorar a postura
A coluna deve estar sempre vertical. Mantenha o monitor ao nível dos olhos. Ajuste a cadeira para que os pulsos e os antebraços estejam ao nível do teclado. Os pés devem ficar bem assentes no chão ou num apoio. Não se sente de pernas cruzadas.

Usar rato e teclado ergonómicos
A aposta num rato vertical ajuda a evitar o desconforto e uma eventual sobrecarga dos músculos ou tendões. Se trabalhar com um portátil, aconselha-se um segundo teclado para que possa elevar o computador ao nível dos olhos. À falta de outro teclado, eleve o portátil, por exemplo, com revistas.

Fazer pausas de hora a hora
Levantar-se apenas para ir almoçar ou à casa de banho gera sobrecarga da parte muscular. Faça intervalos, nem que seja de apenas dois minutos, para alongar os músculos.

Não descurar a prática desportiva
Se tem um dia a dia sedentário, mexa-se depois do trabalho. As endorfinas libertadas com o exercício físico são importantes no alívio da dor.

Controlar o stresse e a fadiga
O cansaço e ansiedade fazem com que os músculos fiquem tensos, retraídos, facilitando o desenvolvimento de contraturas e lesões nos tendões.