Adriano era arrumador de carros quando ganhou o Totoloto. Um ano e meio depois, voltou à rua, sem dinheiro e sem rumo. Luís trabalhava na construção quando em 2009 venceu, em sociedade, o primeiro prémio do Euromilhões. Hoje, o dinheiro já era e vive embrulhado numa teia de processos e acusações. Amélia recebeu 51 milhões. Vive com luxo e agradece a Deus. Mas não se livrou de anos a fio de guerras nos tribunais. E assume que nunca mais teve descanso. A vida de um alto premiado não é sempre um guião com final feliz.
Houve um momento na vida de Adriano Casal, 67 anos de uma existência feita aos ésses, em que o conceito de justiça divina quis dar um ar da sua graça. Era 2001, agosto de 2001, um sábado. Mais um sábado em que Adriano, então com 48 anos, andava pelas redondezas do Parque João de Deus, em Espinho, “a guardar uns carritos”. Mais um sábado em que deu um salto ao café com o colega que todas as semanas, naquele dia, fazia questão de lhe pagar o galão.
Foi quando se lembrou de perguntar pelos números do Totoloto. “Ele foi buscar o jornal e começou a dizer-me os números. E eu a ver o 17, o 19, o 21… eu sabia que jogava naqueles números. Achei que tinha para aí um três ou um quatro. Já dava para o lanchezinho e para o tabaquito, pensei.” O colega nem quis crer. “Tens agora…”, duvidou. E ele lá foi ligeirinho, ao “quartito” onde vivia na altura, perto do tribunal, buscar o boletim que haveria de tirar a teima.
Adriano equivocou-se, sim, mas só por defeito. Porque os “três ou quatro números” que lhe dizia terem saído eram afinal sete. “0 17, o 19, o 21, o 23, o 24, o 26, o 27.” Nunca mais os esqueceu. Como podia, se o palpite certeiro lhe valeu 400 mil euros, 300 e muitos milhares após impostos. “Saíram-me 73 mil contos, menina”, recorda Adriano, um sorriso tímido a denunciar um misto de júbilo e vergonha.
Logo a ele, que nunca antes soube o que era a sorte. Logo ele que, em 1979, quando trabalhava numa fábrica de alumínios em Grijó, sofreu um acidente tão aparatoso que pouco lhe restou do que era a vida até aí. O pai e o colega, com quem seguia para Lisboa de madrugada, numa viagem de trabalho, morreram logo ali. Ele ficou em coma, uns três meses, diz. “Quando acordei nem sabia que namorava.”
Acabaria por recuperar a memória, não o trabalho. Deram-lhe a invalidez. Foi fazendo uns biscates. Passado uns tempos casou. E teve uma filha. Mas seis anos depois a mulher deixou-o. Ele cambaleou. Durante uns tempos ainda tinha o dinheiro do seguro a servir de bengala. Depois até isso perdeu. E o caminho estreitou-se perigosamente.
“Arrumei carros, passei fome, cheguei a dormir na rua. Andei por aí ‘ó tio, ó tio’”, lembra, um travo de amargura na voz. Com a filha ainda ia estando, enquanto ela ficou com os avós maternos (a mãe tinha emigrado para a Alemanha com o novo companheiro). Mas depois também ela se mudou para Itália. “Nunca mais a vi. Sei que já tenho um neto mas nunca o vi. É um desgosto que tenho.”
Foi por isso, pelo acidente que lhe levou o trabalho, pela mulher que o deixou, pela filha que não viu mais, pela fome que passou e por tudo o resto que aquele sábado pareceu obra de uma justiça divina. Ele garante que não se perdeu em euforias ainda assim. “Se quer que lhe diga acho que fiquei normal, parecia que mesmo assim não acreditava.” Mas a vida mudou num repente. “Vinha toda a gente ter comigo, falar-me no prémio, pedir dinheiro. E eu dava. A tudo e a todos. Pediam-me 500 e eu dava 1000.”
Chegou a querer oferecer um carro a uma jovem que o ajudou nos tempos da penúria. Ela é que nunca aceitou. Com outros não teve tanta sorte. A dada altura comprou uma casa. E um casal que se dizia amigo – era, afinal, o oposto disso, como haveria de perceber demasiado tarde – prometeu-lhe comida, dormida e companhia até morrer, caso Adriano aceitasse passar a casa para o nome deles. Estranhamente, ele acedeu.
“Sempre fui um gajo de coração aberto, mole. E na altura não tive ninguém ao meu lado, que me ajudasse, que me aconselhasse.” Só assim se explica que não tenha visto o conto do vigário a anunciar-se. Nem um ano depois, tinham-no posto fora de casa. Do grande prémio que tinha recebido já nada restava. “Eu digo-lhe, se gastei uns dez mil contos comigo foi muito. Comprei a casa, uma motinha e emprestei a muita gente.”
Certo é que ano e meio volvido desde aquele sábado aconchegante de agosto, lá estava ele, de volta à rua, a arrumar carros, por vezes a comer uma única sande em todo o dia, aquela ilusória promessa de justiça divina a revelar-se só uma falácia monumental, como se o universo se risse dele a bandeiras despregadas. Em janeiro de 2004, era notícia no JN. “Arrumador regressa à rua depois de ter ganho totoloto.” Na altura, supostos amigos garantiam que parte da fortuna tinha sido gasta no jogo e em mulheres. Ele nega tudo. “Nunca fui gajo de vícios. Nem álcool, nem droga. O único vício que tenho é o tabaquito.”
Desde então, foi resistindo como pôde. Depois de anos na rua, a “viver com o dinheiro dos carritos”, teve a ajuda do Centro Social de Paramos (Espinho), onde chegou a pernoitar. Mais tarde, do Centro de Assistência Social de Esmoriz. Foram eles que o ajudaram a encontrar a casinha onde reside agora, um rés-do-chão lúgubre e pouco acolhedor, que lhe permite viver em paz com uma cadela e duas gatas. Desde dezembro que vai recebendo a reforma. 300 e poucos euros, dos quais mais de 200 vão diretos para a renda da casa e despesas.
“Sobram-me 80 euritos, que mal ou bem vão dando para aquilo que eu preciso.” Tantos anos depois, continua a jogar, agora no Euromilhões, com cinco dos sete números que há 19 anos lhe valeram o grande prémio. “Todas as semanas. Eu sei que é um bocadinho impossível voltar a sair, mas não há uma sem duas, não é?” E se o impossível acontecesse, voltava a dar a torto e a direito? “Se quer que lhe diga acho que sim. Eu sou assim. Dou até ao último tostão. Tinha só mais cuidado com os oportunistas.”
“Tive de partir a campainha”
Luís Lopes, 51 anos, residente na Charneca da Caparica, entende-lhe o desabafo. Repete-o até. Aprendeu da pior forma o cabal significado da expressão amigos de ocasião. Perceber porquê implica recuar àquele 2009 em que, depois de anos a fio a jogar em sociedade com um grupo de amigos, viu o grupo ser bafejado com o primeiro prémio do Euromilhões. Quase 60 milhões de euros. Só para ele foram perto de oito.
Logo ele, que toda a vida tinha trabalhado na construção. Era ladrilhador. Logo ele que começou aos 13 anos. Que se habituou a ter uma única semana de férias por ano e que nunca soube o que era viajar. Nunca até ao dia em que se viu agraciado com aquela quantia, suposta garantia vitalícia de uma existência tranquila até ao fim dos dias. Mas o prémio chorudo soube-lhe a tudo menos a paz.
“Durante 15 dias não dormi. Não conseguia mesmo. Era uma ansiedade. Uma coisa destas muda a vida completamente.” Luís partilha outro pormenor que lhe ilustra o desatino. “Eu nunca gostei de uísque e logo nessa noite juntei-me com outro colega que também tinha sido premiado às três, quatro da manhã e bebi uma garrafa.”
Era o prenúncio de anos a fio de uma vida à grande, recheada de viagens e luxos, a oscilar entre a ostentação natural de quem vira excêntrico e a serenidade que não mais teve. “Ainda trabalhei mais dois meses, mas depois deixei. Dei casas aos meus sobrinhos [não tem filhos], dinheiro aos meus irmãos. Viajei muito. Para onde ia o Benfica lá ia eu.” Pelo meio comprou uma casa nova, na Charneca da Caparica, a uns três quilómetros do local onde morava antes de se ter tornado um euromilionário.
“Hoje nunca compraria uma casa tão perto. Devia ter-me afastado mais. Tive pessoas que nunca tinha visto antes a vir ter comigo, a dizer que me conheciam. Nessa altura tinha sempre a casa cheia de gente. Até a campainha de casa tive de partir porque não me deixavam dormir.” Anos depois, um divórcio. E a lista de percalços estava longe de terminar por aqui.
Hoje, Luís tem uma conta congelada, uma propriedade arrestada e vive embrulhado numa intrincada teia de processos e acusações. Do dinheiro, assume, já quase nada sobra. Tem ainda um restaurante e um terreno no Alentejo. Entre erros próprios e negócios que correram mal, Luís tece duras acusações à advogada que o representou durante anos. E que hoje acusa de extorsão. A jurista nega tudo e devolve as acusações.
Vamos por partes. Luís jura que conheceu Sónia Valente por intermédio de um amigo e que rapidamente desenvolveram uma “grande amizade”, ao ponto de confiar nela a 100% e de lhe ter passado uma procuração para “mexer em tudo”. Diz que, como passava muito tempo em viagens, quando vinha a Portugal a advogada lhe ia pedindo avultadas quantias para “pagar impostos e multas”. Alegadamente, sempre em dinheiro.
“Eram aos 70 e 80 mil euros de uma vez. Eu não ia ver. Nem pedia recibos. Acreditava. Confiava muito nela.” Conta ainda que quando fez obras na casa em que vivia, Sónia, a advogada em causa, lhe terá proposto arrendar um apartamento dela, na Costa da Caparica, por seis meses. E que ele pagou logo à cabeça o valor total do aluguer – supostamente, em dinheiro e mais uma vez sem pedir recibo.
O euromilionário acrescenta que só desconfiou que algo não batia certo quando, numa das vezes em que a jurista lhe terá pedido dinheiro, foi às Finanças e percebeu que o valor em atraso era consideravelmente mais baixo. Aí, refere, decidiu “cortar com ela”.
Pouco tempo depois, ter-se-á visto confrontado com duas ações movidas pela causídica: uma relativa à cobrança das rendas alegadamente em dívida, que resultou na penhora de uma conta bancária; outra referente a um suposto incumprimento do pagamento de honorários prestados pelo escritório de advogados liderado por Sónia Valente, que se traduziu num processo de arresto envolvendo a casa que tem na Charneca da Caparica.
Luís defende ainda que, num primeiro momento, não apresentou qualquer queixa contra a advogada por falta de provas. Mas em outubro deste ano avançou mesmo com uma queixa na secção de Almada do DIAP de Lisboa, por burla e abuso de confiança. Reclama ter sido lesado em cerca de meio milhão de euros.
Bem diferente é a versão apresentada à “Notícias Magazine” pela advogada de Almada. Num email enviado à nossa publicação, contendo 44 pontos, Sónia Valente vinca que nunca foi amiga de Luís nem partilhou qualquer convívio com o mesmo, reconhece que desde 2012 as advogadas da Valente & Constantino “prestaram vários serviços jurídicos ao Sr. Luís Lopes”, mas nunca de assessoria jurídica fiscal, pelo que, garante, nunca pediu dinheiro ao visado para pagar impostos.
A jurista acusa mesmo o euromilionário de ser “avesso ao pagamento” dos mesmos, situação que terá originado diversas execuções fiscais. Assegura ainda que a partir de 2017 Luís terá deixado de pagar os honorários devidos pelos serviços jurídicos prestados. De resto, confirma que lhe arrendou um apartamento por seis meses, mas invoca que Luís “não pagou as rendas devidas” e que o apartamento só foi devolvido dez meses depois, “vandalizado e destruído”.
Face ao sucedido, salienta, decidiu, em julho do ano passado, mover uma ação executiva para cobrança das rendas em dívida, que resultou na penhora de uma conta do euromilionário. Acrescenta que, face à “quebra da relação de confiança”, decidiu também cessar o mandato inerente ao patrocínio jurídico e apresentar a respetiva nota de despesas e honorários. Ainda segundo a jurista, Luís “nunca contestou, reclamou ou impugnou a mesma”, pelo que as advogadas da Valente & Constantino se terão visto obrigadas a instaurar uma providência cautelar de arresto.
A causídica realça que o euromilionário estará a ser “instrumentalizado” para fazer acusações que visam destruí-la “pessoal e profissionalmente” e atribui a débil situação financeira em que este se encontra a “drogas, mulheres e uma vida de ociosidade e luxo como se o dinheiro não acabasse”.
O caso terá continuidade na barra do tribunal. Enquanto isso, Luís afiança que só quer ver tudo resolvido para poder ir com a atual esposa para o Brasil, onde espera por fim ter um pouco de paz. É com ela que frequentemente partilha um desabafo inusitado. “Quando trabalhava era mais feliz, não andava com estas dores de cabeça”, atira, desalentado, agora que o desatino lhe toma conta dos dias.
Mas os desvarios dos altos premiados estão longe de ser um exclusivo português. Noutros países, sobejam histórias de supostas sortes grandes que acabaram por dar, afinal, em divórcios, falências, suicídios e mesmo homicídios. Há até quem fale na maldição dos grandes prémios. Curiosamente, Luís ainda tem bem presente o momento em que, depois de receber o prémio, o Departamento de Jogos da Santa Casa lhe perguntou se queria um psicólogo. “Eu é que disse que não.”
Hoje teria, pelo menos, pensado duas vezes. Sem pedidos de apoio psicológico A recusa de Luís não é caso único. É antes a regra, ao que tudo indica sem exceção. Contactada pela “Notícias Magazine”, fonte do Departamento de Jogos de Santa Casa não esclareceu taxativamente se o serviço já tinha sido solicitado por algum apostador. Realçou antes que “os apostadores portugueses têm revelado ao longo dos anos uma maior maturidade para lidar com a situação de gestão de grandes prémios, não solicitando qualquer apoio psicológico”.
De resto, várias notícias publicadas desde o surgimento do Grupo de Apoio ao Alto Premiado foram dando conta da ausência desse tipo de pedidos. Criado em 2005, o GAAP, entretanto renomeado Unidade de Apoio ao Premiado, “constitui uma forma de atendimento personalizado, disponibilizado de acordo com as necessidades manifestadas por cada alto premiado”. A mesma fonte adianta que, “na grande maioria dos casos, o apoio incide sobre o tema da segurança e do total anonimato pretendido pelos apostadores”.
E o que se entende por alto premiado? O “apostador que é contemplado com um prémio de valor igual ou superior a um milhão de euros”. Em Portugal, desde 2004, são já 570, com o M1lhão (239), o Totoloto (163) e o Euromilhões (114) a liderarem a tabela dos jogos que mais têm enriquecido os portugueses. Só euromilionários – vencedores do jackpot do Euromilhões, portanto -, foram perto de 70.
Isto desde 2004, data em que o jogo chegou ao nosso país. Destes, uma apostadora de Castelo Branco tornou-se, em 2014, na maior euromilionária portuguesa, ao receber um prémio de 190 milhões de euros. Nunca se soube de quem se tratava. O anonimato é, de resto, a regra entre os vencedores de grandes prémios em Portugal. As raras exceções surgem, por norma, associadas a casos em que a Justiça é chamada a intervir.
Como aconteceu no caso de Luís Ribeiro e Cristina Simões, de Barcelos, que andaram seis anos de candeias às avessas por causa de um grande prémio. Em janeiro de 2007, o então casal de namorados foi bafejado com 15 milhões de euros no Euromilhões, mas a boa-nova teve tudo menos desfecho feliz: um desentendimento em relação à divisão do prémio não só pôs fim à relação, como se arrastou num longo diferendo nos tribunais, que só terminou seis anos (e muitos processos) depois quando, por fim, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a divisão do prémio e autorizou Luís a mexer na parte que lhe cabia.
O euromilionário nunca deixou, no entanto, de trabalhar na agricultura, como até então fazia, continuando a ajudar os pais em Courel, freguesia do concelho de Barcelos. Contactado pela “Notícias Magazine”, Luís furtou-se a comentar as polémicas que envolveram o ex-casal. Revelou apenas que continua “a trabalhar como um galego” e que fez vários investimentos patrimoniais, sem especificar quais.
Reconheceu ainda que um grande prémio “tira noites de sono” e dá “algumas dores de cabeça”. “Quando sai um prémio destes nunca estamos preparados. É algo que requer ajuda de consultores, de gestores. É preciso andar atento, ver quando os mercados mexem, uma pessoa acaba por andar sempre preocupada com os negócios. Mas acho que me tem ajudado bastante a amadurecer.”
“Antes tostões do que milhões”
Também Amélia de Jesus, antiga empregada de limpeza que em março de 2013 ganhou 51,6 milhões de euros no primeiro prémio do Euromilhões com uma aposta de apenas quatro euros, vê o copo meio cheio. Não nega as angústias e os tormentos que o prémio lhe trouxe, mas admite que tem muito que “agradecer a Deus”.
De origens humildes, Amélia nunca escondeu os dias penosos que lhe marcaram a vida: como enviuvou aos 23 anos, quando já tinha dois filhos, como andou a limpar casas, e clínicas, e condomínios, como até peixe e camisolas porta a porta vendeu, com os filhos nos braços. Depois, o grande prémio: 41,3 milhões de euros após dedução de impostos. E a vida faustosa que veio com ele.
As imponentes moradias que construiu – em Ariz, freguesia do Marco de Canaveses onde ainda hoje reside, na Póvoa, em Portimão -, as fortunas que gastou num punhado de carros de luxo, as viagens de sonho que fez. A Cuba, ao Dubai e a São Tomé e Príncipe, por exemplo. “Olhe, quando estive no ilhéu das Rolas [São Tomé], por exemplo, você não imagina. Aquilo era fruta a toda a hora, água quentinha, uma maravilha.” Pelo meio, mandou construir uma capela de homenagem à mãe. Financiou festas em Ariz e ofereceu cabazes a quem precisava. Mudou radicalmente de visual, chegando a perder mais de 30 quilos.
Mas não tem sido tudo um conto de fadas. Logo quando soube que estava rica, andou “três dias com o talão preso no soutien com um alfinete”, com medo que o roubassem, chegaria a contar em tribunal. Oito meses depois, numa entrevista concedida ao JN, queixava-se dos “muitos oportunistas” com que se deparava diariamente (“todos os dias e a toda a hora aparece alguém a pedir dinheiro”, dizia).
Apontava ainda o dedo aos bancos, orgulhando-se de nunca ter ido no “canto da sereia dos investimentos, fundos ou ações para multiplicar dinheiro, com risco elevado de acabar a perder”. No ano seguinte, começaram os problemas com a Justiça. Em novembro de 2014, divorciou-se de Abílio Ribeiro, ex-encarregado de obras, com quem tinha casado pouco depois de receber o prémio. Na origem da separação, um desentendimento em relação à fortuna.
Amélia sempre disse que a premiada era ela, Abílio exigia uma parte da quantia, por alegadamente ter sido ele a registar o boletim e a reclamar o prémio. Depois de vários anos de um mediático enredo, o Tribunal Cível da Póvoa de Varzim haveria de confirmar, em janeiro de 2020, que Abílio ficaria mesmo com 16 milhões de euros. Mesmo que a euromilionária tenha invocado ter sido “ameaçada, coagida e agredida por parte do ex-marido”.
Quase um ano depois, Amélia, agora com 62 anos, garante nada poder dizer sobre o caso. Acede a falar da vida de euromilionária, ainda assim. “Desde que me saiu o prémio que nunca mais parei. É papelada para tratar, pagamentos para fazer, tenho sempre muito trabalho. Agora ando a pensar em abrandar porque não tenho tido sossego, já não posso trabalhar mais”, partilha, referindo-se aos muitos investimentos que tem feito na área do imobiliário. O discurso sai-lhe sempre a meias entre o regozijo do prémio e o lado perverso que vem com ele.
“Felizmente vou conseguir deixar apartamentos para os filhos e netos, tenho muito gosto nisso. E ainda tenho muito dinheiro, felizmente. Só gasto em carros, em roupas e em calçado, que são a minha paixão. Quando me saiu o prémio dava a toda a gente, comida e tudo. Mas há mesmo muitos oportunistas. Medo, medo, nunca tive, mas até comecei a andar com aquele spray de deitar nos olhos na carteira, para o caso.”
Ainda hoje se fecha no rés-do-chão da casa de campo, onde nem campainha tem, para não a incomodarem a toda a hora. E se a meio da conversa deixa escapar que, por vezes, dá por ela a pensar que “antes queria ter tostões do que milhões” porque “é muita responsabilidade”, não termina sem voltar a dar graças pela sorte.
“Deus tem sido muito meu amigo.” Bem diferente é o veredito de Adriano Casal, o homem que era arrumador de carros antes de lhe sair o Totoloto em 2001, e que arrumador de carros voltou a ser, ano e meio e 300 e muitos mil euros sumidos depois. “Apesar de tudo vivi melhor antes de receber o prémio.” E queda-se em silêncio por instantes, como que a perguntar-se pelo final feliz que nunca chegou.