Rui Cardoso Martins

O pai empresário

(Ilustração: João Vasco Correia)

O engenheiro (todos na sala, a ofendida, o acusado, a testemunha, eram engenheiros, advogados, juízes) sentou-se. A conversa seguiu com sr. engenheiro para aqui, sra. engenheira para acolá, sotor para ali, meritíssima para acoli. O roubo de patente industrial era a película fina deste caso. Por baixo, numa camada dolorosa, estava o homem a quem bateram na filha. E um bebé que nasceu mal.

– Viu o engenheiro a sair. Alguém disse alguma coisa?

O acusado trabalhava há 15 anos na empresa, zangara-se por salários em atraso, entrou no escritório e levou o computador com o projecto secreto.

– Eu disse: “Então mas você roubou as coisas e ainda vem cá bater nas pessoas e empregados?!”. Ele não disse nada, saiu.

– Ele disse alguma coisa à sua filha?, continuou a advogada.

– Acho que ele estrebuchou qualquer coisa para ela, mas eu à distância a que estava não deu para perceber.

– Sabe se ele quando saiu tinha algum arranhão, alguma coisa?

– Não tinha nada. Está a ver o que é que uma rapariga grávida, indefesa… Pode arranhar alguém? Ela preocupou-se foi com a barriga! Estava diminuída, não podia responder a nada.

– Depois desta situação, o que é que aconteceu com ela?

O empresário era um homem grande, de pêra. Queria distinguir a sua empregada/engenheira da filha, mas os prejuízos acumulavam-se na mesma pessoa. Olhava para o outro lado da sala, onde estava o engenheiro que supostamente agrediu a mãe dos netos.

– Olhe, nunca mais veio trabalhar e nem sequer conseguiu mais entrar na empresa. Ficou traumatizada e inclusivamente eu, como moro no mesmo prédio, até raramente lá vai, porque diz que não se sente bem e eu até, para a ver, tenho de ir a casa dela.

A filha já tivera três crianças, sendo a engenheira responsável de um sector importante da fábrica.

– O que é que com esta foi diferente das outras gravidezes?

– Olhe, nas gravidezes todas, ela tinha a licença de parto… muitas vezes até aparecia lá a dar uma ajuda na licença de parto, e logo que acabava ia trabalhar normalmente. Fazia os meses mínimos. Agora prolongou, depois meteu férias, e depois não sei quê, e depois disse que nunca mais vinha porque não se sentia bem. Aquilo foi por degraus. E depois nunca veio.

Quanto ao neto mais novo do empresário:

– O bebé nasceu muito pequenino e ainda hoje… ele já tem três anos e veste roupa de ano e meio, isso diz tudo.

– Mas a senhora engenheira já tinha problemas com a gravidez antes desta situação?

– Não tinha problema nenhum. Os outros filhos… nasceram todos com tamanho normal. Este, de facto, hoje veste roupa para metade da idade.

– Mas como é que sabe que o bebé… que esta situação do crescimento aconteceu depois desta…?

– Olhe, eu não sou médico, mas por aquilo que vejo, com a ideia normal de um cidadão comum, vejo que ela ia muito bem, que as coisas estavam bem encaminhadas e começou tudo a andar muito mal. Ficou logo de baixa, com medo de perder o bebé porque logo naquele dia sentiu contracções, não sei bem como explicar isso, porque são coisas que as senhoras é que entendem, mas dizia que tinha medo, que o médico lhe dizia que não se podia mexer, que podia abortar o bebé em qualquer altura, tinha sete meses.

A filha mudou de profissão. O pai não fizera queixa pelo crime industrial, mas é de lei prosseguir um caso da agressão a grávida.

– A minha filha era responsável pela secção. Eu, a fazer queixa, ia ser mais envolvido no processo e ela já estava traumatizada. E depois, era muito difícil provar os prejuízos. Quem era o perito que ia avaliar os prejuízos de uma tecnologia que só nós é que conhecemos? Era muito difícil. Nunca mais. Era uma tecnologia que não existia! A única coisa que existia era um ano de trabalho dele pago pela empresa que se perdeu por água abaixo.

Quando lhe pediram para descrever o alegado agressor, não foi o empresário a responder. Foi o pai revoltado:

– Era uma pessoa que falava pouco… mas a gente está farta de ver pessoas que não fazem mal nenhum e depois até assassinam pessoas, estamos sempre a ver isso na televisão.

(O autor escreve de acordo com a anterior ortografia)