Lábios gretados, nariz e bochechas muito vermelhas. Pele das mãos a escamar. Tudo ao mesmo tempo. Há quem sofra muito com o frio, ainda que faça dos cremes hidratantes o melhor amigo.
Rui gosta muito do inverno. Não só do romantismo da estação como do facto de o obrigar a vestir mais roupa, o que o ajuda a esconder as características corporais de que menos gosta. É quase irónico, admite o gaiense de 23 anos. É precisamente o frio que lhe massacra as mãos com frieiras, os lábios com cieiro e o nariz com vermelhidão, expondo à crítica a face e as mãos, dois cartões de visita por excelência no contacto com os outros. Uma vez foi o pai – que padece do mesmo mal, embora de uma forma menos agressiva – quem lhe disse: “Olha para esses lábios, era melhor usares um batom de cieiro”. Mas ele já usava.
O sofrimento no inverno, no que toca à pele, pode ser tanto físico quanto psicológico. “Fico um pouco complexado. Noto que as pessoas, como o meu pai, podem achar que somos desleixados porque ficamos com um certo mau aspeto, quando na realidade não é assim.”
Protetores labiais e cremes gordos para as mãos são os melhores amigos de Rui quando o frio chega em abundância. “Estou sempre a pôr creme e batom, mas ainda assim há alturas em que fico com as mãos e os lábios tão, mas tão secos, que até sangro.” Feridas em cima de feridas. E não há muito mais a fazer. “Bebo bastante água e hidrato muito a pele, mas fico sempre com o mesmo aspeto.” Morder as peles e molhar os lábios acaba por ser um tique de quem sofre, constantemente, desta condição. “É até quase instintivo.”
Todos os anos, a história começa com o mesmo capítulo. “Manchas vermelhas nos dedos. Depois vem a coceira, as peles a abrir. E, eventualmente as frieiras sangram. Ardem e doem.” Termina com as mãos ásperas e o incómodo pelas pequenas feridas. Há também um pecado que não consegue deixar de cometer: “Sei que fumar também não ajuda”. Além disso, não consegue usar luvas. “Não são práticas para mexer no telemóvel, nem para quando preciso de ir à carteira tirar o passe.” Em todo o caso, faz por minimizar os danos. “Na rua tento ter o máximo de tempo possível as mãos resguardadas nos bolsos.” Quanto ao nariz e à boca, já aqui se disse, nada mais pode fazer.
As palavras de Sofia Veloso cortam mais que o frio, quase siberiano, que por estes dias se faz sentir em Berlim. “Odeio o inverno de morte.” Já era assim quando vivia em Coimbra, de onde saiu há seis anos para ser “visual merchandiser”, responsável pela configuração das montras da Topshop, uma multinacional britânica. Só o trabalho explica que tenha escolhido uma cidade com invernos tão rigorosos e longos. “E ainda não me habituei.” Sofia sofre de má circulação periférica. “As extremidades do meu corpo estão sempre geladas.” Mãos, pés, nariz. Mesmo com cachecol e gorro a cara fica destapada. “Tudo gretado. Vermelho. Seco. Tenho sempre as mãos miseráveis e sinto muitas dores. Os lábios cheios de peles. Não há creme ou batom que me salve.”
Sofia, 37 anos, já se conformou com o desconforto. Usa os cremes mais gordos do mercado. Alguns afamados e caros. “À noite reforço bastante. É uma rotina. Ponho a atuar nos lábios, nas mãos, na cara. Fico assim de molho, mas não é fácil. Mal saio para a rua sinto logo o frio a fazer estragos.” E ainda que sinta que nada mais pode fazer, não deixa de ter creme e protetor labial à mão. “Se me esqueço estou feita, fico sem mãos e sem lábios.”
Magros, fumandores e mulheres
Quando está frio os vasos sanguíneos contraem-se e o aporte de oxigénio e nutrientes pela via sanguínea diminui, bem como a consequente produção de sebo cutâneo. Se a isto juntarmos o vento e a baixa humidade temos o cenário perfeito para a desidratação da pele. A necessidade de tomar banhos mais quentes e prolongados, bem como a maior probabilidade de estarmos expostos a ambientes com ar condicionado também fragiliza muito a pele. A uns mais do que a outros.
No entanto, há conselhos práticos gerais que podem ajudar. A secura cutânea (xerose), irritações, lábios gretados e frieiras são algumas das consequências do frio na pele. Limitar a exposição ao frio e agasalhar-nos devidamente, usando roupas quentes, luvas, gorros, cachecol ou lenços pode não parecer mas são ações muito importantes.
Outra forma de contornar lesões é hidratar bem a pele. Aplicar cremes mais gordos no rosto e no corpo, de manhã e à noite, pode parecer perda de tempo e um aborrecimento, mas é uma rotina fundamental para prevenir e combater a secura cutânea. Além disso, o hidratante protege a pele das agressões infligidas pela radiação ultravioleta e defende do envelhecimento precoce. Contudo, não se esqueça que todos temos diferentes tipos de pele e convém adequar os produtos às nossas características.
E há cuidados especiais para zonas mais sensíveis. A pele em torno dos olhos é especialmente sensível e fina e merece que não a descuremos. Além disso, o creme para os olhos ou para a cara deve ser diferente do das mãos. Estas, por estarem constantemente expostas, devem ser hidratadas com fórmulas, por exemplo, resistentes à água. Por fim, os lábios. Aplicar um bom batom hidratante vai ajudar certamente a prevenir o cieiro, principalmente o mais agressivo.
Mas se a prevenção não resultar ou se não tivermos agido a tempo, também há soluções. Filomena Azevedo, diretora de Serviço de Dermatologia e Venereologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, explica que, no caso das frieiras, “podem ser aplicados corticoides localmente para atenuar os sintomas”. Nalguns casos “há necessidade de tratamento com medicamentos orais, para a circulação, durante os meses frios, para prevenir o seu aparecimento”. Já no caso dos lábios gretados a solução não vai muito além de reforçar, várias vezes por dia, a aplicação de cremes próprios.
As frieiras, que chegam a causar dor e a impedir o normal funcionamento diário, não são um problema exclusivo das mãos. “Resultam de alterações circulatórias e ocorrem nas extremidades: mãos, pés, orelhas, face.” Para se ter uma ideia, aponta Filomena Azevedo, podem, além da dor, “dar ardor ou prurido”. Esta condição não resulta necessariamente de desleixo. “Pode ter predisposição genética”. Sabe-se também que “é mais notório no sexo feminino” e “parecem ser mais frequentes em pessoas magras e também em fumadores”.
Em suma, a pele seca, que teremos tendência a desvalorizar, “pode originar descamação, fissuras e até eczemas”. Causam desconforto e dor. Bem como mal-estar perante os outros. Vale a pena dar mais atenção aos sinais? Vale.
Dicas para enfrentar o frio
Tomar banhos curtos e não muito quentes
Ainda que saiba bem chegar a casa e tomar um banho longo e quente após um dia de trabalho, talvez até depois de ter aguentado chuva e vento, opte antes por utilizar água morna e não durante muito tempo. Previne a secura da pele, as irritações cutâneas e a perda de humidade.
Não esquecer o exercício físico
As baixas temperaturas são pouco convidativas, mas isso não é desculpa para pôr o exercício físico de parte. Além de trazer benefícios à saúde em geral, reforçando o sistema imunitário, ativa a circulação sanguínea e aumenta a temperatura corporal. Vista algo quente e confortável e previna as frieiras.
Não sair sem gorro, luvas e cachecol
São alguns dos grandes aliados da pele. Aquecem e protegem. Não deixam que a temperatura corporal baixe, além de ajudarem a prevenir constipações. Enquanto resguarda partes sensíveis de tudo com que o inverno possa brindar – frio, vento, chuva ou neve -, ajuda a evitar vermelhidão, pele seca, lábios gretados e frieiras.
Cremes e protetores labiais à discrição
São cuidados que não devemos dispensar o ano todo, mas ainda mais no inverno. Manter a pele hidratada é importante para a proteger. Nesta altura, os cremes gordos podem ajudar mais do que os que são à base de água, já que criam uma camada protetora e retêm a humidade do corpo. O mesmo acontece com os bálsamos e protetores labiais. Evitando a par disto humedecer os lábios com a língua ou arrancar peles secas.