A acne nos adultos causa mais estragos do que se possa pensar. Com o tempo, as marcas começam a sulcar tanto no plano físico como psicológico. Mas a história não tem de terminar assim.
Quando se fala em espinhas, a nossa cabeça pensa automaticamente no eterno problema da adolescência. Aliás, a acne é a característica física mais marcante da puberdade. Neles e nelas. Ou pelo menos, habituamo-nos a essa ideia. Como também se tornou banal acharmos que tudo não passa de uma fase.
Foi assim que Catarina encarou o horror diário quando, pelos 14 anos, começou a notar as muitas protuberâncias no rosto que antes era macio. Só que os anos passaram e as borbulhas não. Secavam umas, nasciam outras. Algumas doíam. Nem sempre era tarefa fácil deixá-las viver sem as espremer.
Ao fim de algum tempo, as marcas começaram a sulcar-lhe a testa, o queixo e as bochechas. “Para disfarçar punha cada vez mais base. Mas a sensação que tinha era que assim ainda se notava mais.” As pesquisas na Internet não ajudaram. Tentou receitas caseiras, como pôr pasta de dentes. Nada. Começou a tomar a pílula, mas não melhorou. “Se tivesse ido a um médico mais cedo teria conseguido controlar este aspeto que tanta vergonha me deu e ainda dá.” Hoje, com perto de 30 anos, Catarina desabafa: “As espinhas tiraram-me anos de vida e levaram, aos poucos, grande parte da autoestima. Nem sei como consegui ir tendo namorados”.
Jorge, com 25 anos, começa a ter os mesmos dilemas. “Já são dez anos a ter espinhas novas, todos os dias. É um desespero. Nunca me sinto bem à beira dos meus colegas, porque a fase da adolescência já lhes passou há muito.” Está farto de ouvir piadas sobre o seu aspeto. E nem deixar crescer a barba tem ajudado. “Se as escondo no queixo e bochechas, não há nada que possa fazer na testa.” Ouvir dos pais que é normal fez com que adiasse a ida ao médico. “Tenho uma consulta para a semana.” E nessa hora de atendimento deposita todas as esperanças de se ver livre “deste horror”.
Resistência, hormonas e genes
Como explica Inês Lobo, coordenadora de Dermatologia do Hospital CUF Porto, a acne é a dermatose mais frequente nas sociedades ocidentais e ocorre quando se verifica oclusão do orifício folicular (em termos comuns, poro fechado), há um aumento da secreção sebácea (quando as bactérias se concentram) ou ocorre uma inflamação na pele.
“Embora não sejam conhecidas diferenças claras nos fatores causais entre a acne na idade adulta e na adolescência, estudos demonstram que, no adulto, a acne tem origem em três fatores fisiopatológicos principais.” Um, a resistência das bactérias ao tratamento da acne, “o que pode causar estimulação crónica do sistema imunológico, iniciando e exacerbando lesões inflamatórias”. Dois, especificamente no caso das mulheres, “a existência de níveis hormonais superiores ao normal” que estimulam a inflamação. Três, “haver predisposição genética em mais da metade dos doentes”.
A especialista refere ainda que “existem evidências de que as dietas ocidentais, com alto teor glicémico e ácidos gordos saturados, podem aumentar estas moléculas causadoras de inflamação e que, por conseguinte, intensificam o risco de acne. Por contraposição, uma dieta de baixo teor glicémico pode reduzir significativamente a gravidade da acne e melhorar a sensibilidade à insulina.” O stresse, aliado à redução na qualidade do sono, é outro aliado da prevalência crescente de acne, principalmente em mulheres, as que mais mostram sofrer com esta condição.
Inês Lobo diz também que a acne na idade adulta, ao contrário da adolescente – que responde mais rápido ao tratamento – “é caracterizada por uma evolução mais crónica, com recidivas frequentes que requerem uma terapêutica de manutenção a longo prazo”. E porque cada caso é distinto, cada pessoa deve fazer o seu tratamento. “Contudo, no adulto é mais frequente a necessidade de proceder a combinações de medicamentos tópicos e orais.”
O uso excessivo de cosméticos, como as técnicas de maquilhagem que Catarina aplica para esconder a sua condição, “pode constituir um problema e agravar a situação”, nota a dermatologista. “É aconselhável uma consulta para avaliar qual o tipo de tratamento mais adequado.” E quanto mais cedo isso acontecer, mais depressa se “evita que as formas iniciais da acne se transformem em lesões inflamatórias”. Até porque o mais certo é os rostos virem a sofrer de pigmentação pós-inflamatória e consequentemente ficarem com cicatrizes. Tal como aconteceu com Catarina. Esse também é “um dos grandes medos” de Jorge.
E apesar de subestimado, conclui a coordenadora de Dermatologia do Hospital CUF Porto, o impacto psicológico da acne “é geralmente significativo”.
A caminho da depressão
Liliana Nunes, psicóloga no Serviço de Psicologia e Orientação de Penafiel e professora no Instituto Superior de Ciências Educativas do Douro, foca o mesmo ponto. A acne, “enquanto doença dermatológica crónica, pode provocar um grande impacto no indivíduo que se vê fortemente afetado no estado psicológico, nas atividades quotidianas e nas relações pessoais e sociais”. Diminui a autoestima, distorce a autoperceção e baixa a autoconfiança. O que pode conduzir “ao afastamento social”, provocar “altos níveis de ansiedade” e, em casos mais graves, “levar à depressão”.
No sentido de mostrar a importância do tema, Liliana Nunes socorre-se de dois estudos. Um do Reino Unido, realizado pela plataforma “The Health Improvement Network”, que confirma “a relação entre pele e saúde mental”. Após analisar milhares de pessoas, entre 1986 e 2012, concluiu-se que “pacientes com acne têm 63% mais risco de desenvolver depressão do que aqueles que não têm a pele afetada por nenhuma condição aparente”. A outra pesquisa, feita pela Associação Britânica de Dermatologia, “mostra que 54% dos adultos que têm ou já tiveram acne afirmaram que a doença de pele teve impacto negativo na sua autoconfiança, e 22% revelaram que sentiram a sua vida social abalada por causa da pele”.
A psicóloga avança que os doentes com acne manifestam mesmo mais problemas nas esferas psicológica, emocional e relacional, quando comparados com pacientes que sofrem de asma, epilepsia, diabetes e artrite. Não é por isso de estranhar que a sua opinião vá ao encontro da de Inês Lobo: é preciso procurar ajuda o quanto antes. “As pessoas afetadas pela acne devem ser levadas a sério. E se o dermatologista notar essa necessidade, além de prescrever o tratamento, pode orientar para a marcação de uma consulta de psicologia ou psiquiatria.”