Amores à distância

Ana e Nuno namoram à distância e passam o dia a comunicar pelas plataformas digitais (Foto: André Gouveia/Global Imagens)

Ana e Nuno disseram adeus numa estação de comboios, partiram para suas casas, nunca mais se viram, mantêm-se ligados pelas maravilhas da tecnologia. Mayank deita-se quando o sol nasce na Índia, para passar mais tempo com Sónia, que está em Vila Real. Isabel refugiou-se em Montalegre e Pedro vive em Ovar, sem poder sair da cerca sanitária. Romances em tempo de pandemia. Sem beijos. Sem abraços. Sem o toque.

Ana Miguel e Nuno Cunha perdem-se nos dias. Ele repete a pergunta: “Há quanto tempo não nos vemos?” E responde: “Não tenho bem ideia. Já vai há muito tempo, muito tempo”. Os dedos das mãos não chegam para contar esses dias. “A universidade fechou há três ou quatro semanas, não nos vemos desde então”, diz ela. Há um mês que não se veem olhos nos olhos, lábios nos lábios. Uma eternidade, parece-lhes. O amor continua à distância. A despedida não foi como deveria ter sido. Ninguém foi capaz de imaginar que a separação iria durar tantos dias, semanas, dobrar o mês. Nas suas cabeças, e corações, seria apenas mais um adeus, igual a tantos outros. Cada um ia para sua casa, Ana para Vila Nova de Gaia, Nuno para Braga. Mais uns dias e estariam juntos. Não foi assim, ainda não é assim.

A Universidade de Aveiro anunciou que ia fechar em meados de março, meteram-se no carro do colega Afonso, fizeram o caminho do costume a partir do campus de Oliveira de Azeméis, onde estudam. Ana ficou na estação de comboios de Campanhã, despediu-se do namorado. Nuno e Afonso meteram-se no carro e seguiram viagem para Braga. Nuno confessa: “Foi uma despedida normal, como se fosse mais um fim de semana, não esperávamos que fosse tanto tempo”. Ana desabafa: “No início, ninguém pensava que ia ser assim. Foi uma despedida muito fraca”. Sem todos os dados em cima da mesa. Não sabiam, ninguém sabia. Nuno já perdeu a conta às vezes que lhe apeteceu meter-se no carro e ir ter com Ana. Trava a fundo. “Não pode ser, muito menos agora.”

Conheceram-se na universidade, namorados oficiais há quatro meses, há mais meses neste amor. Ana, 19 anos, está no 2.º ano do curso de Design de Produto e Tecnologia. Nuno tem 20 e está no 2.º ano de Tecnologias e Sistemas de Produção. As seis dezenas de quilómetros, mais coisa menos coisa, que os separam não esmorecem o amor. Fazem planos à distância, há já uma viagem apalavrada a Amesterdão para o próximo ano, trocam mensagens no telemóvel, no WhatsApp, enviam imagens pelo Snapchat, veem séries juntos, fazem videochamadas quando dá vontade. Não há horas marcadas para os contactos tecnológicos. “Falamos o dia todo, todos os dias, quando vem à cabeça”, admite Nuno. “Estamos constantemente ligados o dia todo, ligámo-nos do nada, quando nos dá na telha”, conta Ana. Há bons dias ao acordar, boas noites ao deitar. E tanta conversa pelo meio.

Nuno Cunha e Ana Miguel conheceram-se na universidade. Namoram oficialmente há quatro meses. Agora, ele está em Braga e ela em Vila Nova de Gaia
(Foto: DR)

Nuno tem saudades. “Os dias não são iguais, não tenho a presença da Ana, e dos meus amigos. É muito complicado lidar com estas coisas. Disseram-nos que a escola ia fechar, que íamos para quarentena, mas não sabíamos que seria durante tanto tempo.” Ana também sente falta. “É estranho, são as saudades, estamos em casa, não acontece nada e não há temas sobre coisas novas.” Separação forçada, amor à distância. “Tem de ser, é melhor para toda a gente”, reconhece Ana. Nuno concorda e não quer criar expectativas, mas, nos seus pensamentos, talvez lá para meados de maio já possam estar juntos.

Namorar à distância, numa situação imposta, não desejada e não planeada, é um desafio constante. Esta distância tem razões que o coração tem dificuldade em digerir. “Cultivar o romance é uma necessidade, independentemente de a distância ser intermitente ou continuada”, adianta Catarina Mexia, psicóloga clínica e terapeuta familiar e de casal. Desenham-se planos, enviam-se mensagens, fazem-se telefonemas e videochamadas. “Partilhar sonhos, discutir um projeto de vida e como construí-lo em conjunto, pode ser, dependendo do estado evolutivo da relação, um bom tema para conhecer melhor o outro”, acrescenta a especialista.

Planos, projetos, lugares felizes

Sónia Vaz e Mayank Dayal despediram-se como se houvesse um amanhã numa rua de Barcelona, Espanha, onde frequentam um MBA em Gestão de Empresas. Ela fez uma mala para duas semanas e partiu num voo de manhã bem cedo para Portugal. Ele levou-a ao táxi e, nessa tarde, partiu também com alguns colegas e com medo de que entre escalas fechassem as fronteiras e não conseguisse aterrar na Índia, em casa. Conseguiu.

O novo coronavírus atacava Espanha, a universidade passava temporariamente a aulas online, Sónia aproveitava para ir ao aniversário da mãe e a casa em Vila Real. Compraram as viagens a 10 de março, saíram de Barcelona no dia seguinte. Desde então, nunca mais estiveram juntos e deixaram quase tudo em Barcelona. Não sabem quantos quilómetros os separam, continuam ligados todos os dias pelas maravilhas tecnológicas. Mayank faz o horário português, menos quatro horas e meia do que no seu país. Deita-se, quase sempre, quando o sol está a nascer na Índia. Todos os dias, acorda com a esperança de que as fronteiras se abram e consiga um voo para Portugal.

Sónia conheceu Mayank em setembro do ano passado, em Barcelona. O namoro começou em novembro
(Foto: DR)

Sónia tem 30 anos, Mayank tem 28. Ela pediu licença sem vencimento de uma companhia de seguros, vivia e trabalhava em Lisboa, pediu um empréstimo para o MBA na IESE Business School, já com licenciatura em Economia e mestrado em Finanças. Ele deixou o emprego numa empresa de software indiana. Conheceram-se em setembro do ano passado, em Barcelona, o namoro começou em novembro. Vivem num registo intenso, aulas exigentes, professores implacáveis. Agora tudo é diferente. As saudades aumentam, trocam mensagens, fazem videochamadas, tiram fotografias durante as conversas, procuram os melhores memes para transmitir o que o coração sente, frequentam cursos online que a universidade disponibilizou, preparam aulas juntos.

“O meu local preferido é a galeria do meu telemóvel, com muitas fotografias nossas, das nossas viagens, do tempo que passámos juntos. Vejo-as e relembro esses dias. É extremamente difícil ficar longe um do outro, mas os momentos que tivemos juntos funcionam como um lugar feliz para nós”, salienta Mayank.

Um MBA em Gestão de Empresas, em Barcelona, foi o ponto de partida para o romance entre Sónia Vaz e Mayank Dayal. A pandemia separou-os – ela está em Vila Real e ele na Índia
(Foto: DR)

“A nossa despedida foi normal, que íamos voltar a ver-nos passado duas semanas”, recorda Sónia. A pandemia instalou-se na Europa, fronteiras aéreas e terrestres fecharam. “Foi duro, muito duro. O constante de notícias, a incerteza, o primeiro-ministro espanhol que ia prolongando o estado de emergência.” A ficha cai-lhe quando abriu um e-mail da universidade com o dia 17 de abril para o reinício das aulas. Depois, outro e-mail, 17 de abril já não será possível. “Se for em maio, vai ser muito bom.”

Sónia e Mayank planeiam um reencontro num dos primeiros países que reabra as fronteiras. “Algum sítio na Europa para ficarmos juntos”, diz ela. Mayank adiciona: “O plano é deixar a vida agitada por momentos e passarmos alguns dias apenas um com o outro”. Contam os dias para que isso aconteça, são otimistas, acreditam no futuro. “O amor parece diferente, acho que está mais forte a cada dia que passa, compreendemos a importância deste relacionamento. E isso aproximou-nos mais do que nunca e fortaleceu-nos como casal”, revela Mayank.

“O romance cultiva-se mantendo a serenidade, a empatia e o respeito pelas necessidades e estados emocionais do outro”
Margarida Vieitez
Mediadora familiar

Os abraços, o toque, os beijos, a proximidade física não são substituíveis. Nunca serão. Mas este tempo exige que assim seja. Margarida Vieitez, especialista em relações, mediadora familiar e de conflitos, aconselha tranquilidade. “O romance cultiva-se mantendo a serenidade, a empatia e o respeito pelas necessidades e estados emocionais do outro, conversando sobre as suas emoções e sentimentos, não permitindo que os diálogos versem apenas sobre a atual situação, entrando em contacto tantas vezes quantas sentirem vontade pelos mais variados meios virtuais.” Expressar o amor sempre que haja vontade. “Construindo afetos, ‘pontes emocionais’ e investindo na relação, reinventando gestos de ternura e surpresas, conversando sobre o projeto de vida a dois, sonhando e mantendo a fé e a esperança de que um dia, em breve, tudo estará bem”, completa.

Matar saudades num ecrã de telemóvel

Isabel Moura e Pedro Costa não se veem há um mês. Isabel, 43 anos, mora em Braga e está, neste momento, em Montalegre, em casa dos pais. Pedro, 51 anos, mora em Ovar, concelho em estado de calamidade, com cerca sanitária. Não pode sair, está em lay-off, a empresa onde trabalha fica fora do município vareiro. Dois anos e meio de namoro, veem-se aos fins de semana, por vezes um jantar a meio caminho, no Porto. Antes era assim, agora não. Lidam com a situação sem drama. Mensagens, telefonemas, vídeos no WhatsApp com frequência, todos os dias.

“Isto é único, nunca tal se viveu, temos de aceitar, não há outra solução. Podíamos passar de carro à varanda para nos vermos, mas com o Pedro na cerca sanitária nem sequer temos essa possibilidade”, repara Isabel. Pedro é pragmático. “A saudade existe, mas é o que é, é acatar a situação que temos, lutar contra ela não vale a pena. O WhatsApp e afins vão ajudando, adaptamo-nos às circunstâncias.”

Estavam juntos, em Braga, quando viram a notícia de um aluno infetado no instituto da Universidade do Minho, onde Isabel tinha estado na véspera, e onde frequenta o curso de Ciências da Comunicação. Foi a última vez que estiveram juntos. Isabel decidiu fazer a quarentena de duas semanas e depois partir para casa dos pais. Pedro regressou a casa, ao Furadouro, a Ovar.

Isabel é advogada, está em teletrabalho, tem ainda tarefas da universidade, vai estando ocupada. Pedro sai para o estritamente necessário, a praia e a avenida do Furadouro estão praticamente desertas, pouca gente, quase nenhum carro. Isabel confessa que quando desliga do teletrabalho, o tempo custa mais a passar. Pedro pensa que daqui a um mês talvez tudo volte ao que era. “Ninguém sabe o que vai ser um novo normal”, observa. Faltará pouco, acreditam.

“Uma relação à distância tem todas as vantagens da não partilha dos assuntos irritantes de um casal que já vive junto”
Catarina Mexia
Psicóloga clínica e terapeuta familiar e de casal

A ausência do toque é uma limitação. Por isso, segundo Catarina Mexia, é preciso reinventar gestos de ternura, alimentar a paixão, dar largas ao desejo. “É muito importante numa relação o sentimento de esperança num futuro que se constrói em conjunto e há pequenas tarefas que são uma forma divertida de o fazer, permitindo-nos conhecer o nosso parceiro um pouco melhor”, explica. Como aprender a dançar em casal através de vídeos para que no reencontro se coloque em prática o que se treinou à distância. De qualquer forma, há casais habituados a relações à distância, seja por motivos profissionais ou académicos. E esses, realça a psicóloga clínica, “tendem a ter uma comunicação mais aberta, falam mais sobre o relacionamento, têm menos discussões triviais, separam bem o horário de trabalho do tempo de lazer”. Há benefícios, portanto. “Uma relação à distância tem todas as vantagens da não partilha dos assuntos irritantes de um casal que já vive junto e, como tal, a possibilidade de mais tempo de qualidade.”

Seja como for, o amor pode estalar em plena quarentena, como a história do homem e da mulher que se apaixonaram em Nova Iorque, Estados Unidos. Ele viu-a a dançar no seu prédio. De varanda para varanda. Ele não quis perder tempo com tanto tempo que tinha. Enviou um drone com o seu número de telemóvel, recebeu uma mensagem como resposta. Marcaram um jantar no telhado cada um na sua mesa, conversaram por telefone, agendaram um passeio pela rua, respeitando o distanciamento. Ele meteu-se numa bolha de plástico, um pouco maior do que o seu tamanho, com um ramo de flores para uma curta caminhada pelo bairro com a sua nova paixão.

Este tempo de pandemia exige mais esforço ao coração. Catarina Mexia dá uma sugestão para a quarentena amorosa. Porque não escrever uma carta romântica? “A magia de uma carta em papel é algo que os mais velhos conheceram bem e que trazia toda a ansiedade boa da antecipação do que o outro teria para partilhar, mantendo assim uma chama acesa.” Margarida Vieitez acrescenta uma mensagem importante: “Quem ama protege e protege-se”.