Texto de Cláudia Pinto
“A minha filha acabou de molhar a chucha na água do mar e colocou-a na boca logo de seguida. Também come areia. É maravilhoso”, ironiza Ana Sofia Matos, 37 anos, na entrevista telefónica realizada a partir de Isla Canela, Espanha, onde está a passar férias com o marido Luís Matias, de 43, e os três filhos: Simão, de sete; Isaac, de quatro; e Miriam, de dois.
Este tem sido o destino de férias de eleição. “Estamos perto dos serviços de saúde de urgência, o ambiente é muito familiar e gostamos de vir para cá. Comprámos um apartamento perto da praia e temos tudo aqui perto.”
A conversa com a “Notícias Magazine” aconteceu ao sexto dia de férias e só as gargalhadas e o sentido de humor de Ana afastam o stresse de ir de férias com filhos. “Nós já começamos as férias exaustos: com uma logística de três filhos, cada um com o seu feitio, não é fácil. A Miriam está na fase de testar os nossos limites e ser do contra: não quer ir à piscina, não quer ir à praia, não quer vestir o fato de banho.
O Simão é mais maturo e o Isaac quer imitar o irmão mais velho. Se um pede três bolachas, o outro também quer, mesmo que não tenha fome”, conta. “Ainda ontem disse ao meu marido para regressarmos a Lisboa que eu já não aguento mais.” Mas não foram. “Temos de pensar positivo: já só falta uma semana para voltarmos.” Ana Sofia é mais descontraída, Luís é mais meticuloso.
O marido tenta aproveitar o momento em família para desligar do trabalho e só responder a contactos mesmo urgentes. “Quando venho para a praia não trago telemóvel. Só ao fim do dia é que consulto os emails.” A prioridade, diz, é aproveitar o momento com os filhos. “Não quero pensar, um dia, que podia ter passado as férias a ver as descobertas deles e a fazer castelos da areia e que estive agarrado ao telemóvel.”
“Tudo é programado em função deles”
Susana Almeida, 40 anos, é mãe de Mariana, de seis, e de Tiago, de quatro. Em abril de 2017, fruto da privação de sono que os filhos lhe causavam, das birras da mais velha e de todo o caos que a maternidade lhe provocava, decidiu criar o blogue “Ser Super Mãe É uma Treta“, com mais de 30 mil seguidores no Facebook e mais de 8 mil no Instagram.
“Para onde quer que olhasse levava com visões perfeitas da maternidade que ficavam muito distantes do que eu vivia e sentia. Cansei-me dessa visão cor-de-rosa que serve apenas para encher as mães de culpa e de expectativas irreais.” Estava dado o mote para uma partilha que foi crescendo de forma completamente inesperada. Foi também Susana que criou o hashtag #ospaisnãotêmferias, aproveitando para partilhar momentos hilariantes com os filhos.
Nos últimos três anos, a escolha desta família do Barreiro tem sido Manta Rota, no Algarve. Este ano ficaram oito dias neste destino e uma semana perto de casa. “Se perguntarem aos meus filhos, a experiência foi excelente. Fizeram muita praia, piscina, comeram bolas de Berlim, passearam, almoçaram fora, andaram de carrossel e não lhes notei qualquer ruga de preocupação.”
Já para Susana e o marido, Bruno Vieira, 41 anos, apesar de terem sido umas boas férias, o cansaço esteve sempre presente. “A praia estava boa apesar de não nos termos deitado na toalha, de não termos dado mais do que dois ou três mergulhos por dia, de termos cozinhado quase todas as refeições, de termos dado banho aos miúdos duas vezes por dia, de termos carregado com toalhas, brinquedos e com eles, de termos feito piscinas, castelos na areia e jogado às raquetes e de termos acordado ainda mais cedo do que em casa”, comenta a blogger, assumindo que fica cansada só de se lembrar. “Os pais não têm férias. Se vamos com os filhos, estamos apenas a tomar conta deles num lugar diferente. Tudo é programado em função deles.”
Defendendo que os filhos é que conseguem aproveitar este período, Susana confessa que recupera quando regressa ao trabalho. Ana Sofia Matos corrobora: “Repito isto vezes sem conta: os pais deveriam ter férias das férias com os filhos. Canso-me muito mais nesta época do que a trabalhar”.
As crianças exigem atenção permanente e as férias não são exceção. O facto de os pais terem de cuidar dos filhos 24 horas por dia, o que não acontece durante o resto do ano, pode ser extremamente desafiante. Catarina Lucas, psicóloga e diretora do Centro Catarina Lucas, em Lisboa, lembra que as férias também significam “uma alteração à rotina dos pais”, uma vez que “habitualmente não passam vários dias consecutivos, a tempo inteiro, com os filhos”. Algumas pessoas “precisam de usufruir de algum tempo sozinhas” e, com crianças, é difícil consegui-lo, por isso “é normal que exista algum estado de exaustão”.
Patrícia Fonseca, igualmente psicóloga, tem assistido a desabafos de pais, em consulta, que vivenciam este período do ano com bastante nervosismo. E neste, como em qualquer outro tema relacionado com crianças e vida familiar, não existem estratégias generalizadas. “Devemos sempre considerar o que é importante para cada família – algumas desejam umas férias de descoberta e de agitação. Outras preferem tranquilidade e estabilidade, em que as estratégias parentais irão ser completamente diferentes”, considera a também autora dos livros “O Martim Mora em Duas Casas” e “O Maxi no Mundo de Santiago”.
“Uma montanha-russa de emoções e sentimentos”
Nuno Gomes, 37 anos, e Inês Gomes, 35, estão casados há três anos e juntos há mais de 12. Têm um filho, Miguel, com dois anos e sete meses, e nas férias reservam sempre uma semana para a família. “Costumamos ir para Grândola. Alugamos uma casa e a ideia é partilhar o nosso filho com os avós e as tias e estarmos uns dias em ambiente familiar”, explica Inês.
Este ano a experiência não foi positiva porque Miguel acabou por adoecer e, apesar de haver uma rede familiar disponível para ajudar com o menino, ele trocou-lhes as voltas: doente, só queria o colo da mãe, o casal acordava ainda mais cedo e a cereja no topo do bolo foi a ida de urgência ao pediatra, em Lisboa, e o regresso definitivo a Carcavelos, onde residem, um dia antes do que estaria previsto.
“Ser pai é uma montanha-russa de emoções e sentimentos. A mudança é brutal e o plano é não ter planos”, afirma Nuno. O casal partilha gargalhadas quando relembra os momentos de maior stresse do período de férias. “Hoje não é o melhor dia para falar de férias com filhos porque o Miguel vomitou o carro do pai”, revela, divertida, Inês. Nuno tem passado alguns dias sozinho com o filho enquanto a mãe está a trabalhar e tem vindo a acusar algum cansaço.
Depois da semana no Alentejo, e com o filho já medicado, a família partiu para uma semana em Cabo Verde com amigos e a experiência foi mais recompensadora. “Superou todas as nossas expectativas. Estávamos apreensivos porque ele tinha estado doente, mas acabou por brincar muito com a Lara, de quatro anos, filha de um casal amigo, e sentimos imensa diferença na postura dele”, realça a mãe.
As férias serviram também para fazer o desfralde, o que trouxe alguns momentos fora da rotina. “O Miguel fez cocó numa loja em Cabo Verde”, partilha Nuno, com um tom ainda estupefacto. “Eu apressei-me a limpar e um amigo meu a tirar fotos para registar o momento. Não se tem noção do que é passar por isto”, assinala o pai, enquanto Inês se ri. Também ela trouxe algumas lembranças do Alentejo: “Tornei-me a melhor amiga do sabão azul e branco porque lavei roupa à mão todos os dias”.
“O primeiro ano foi horroroso”
É cansativo, é trabalhoso, traz discussões entre o casal ou com os filhos. É tudo verdade. Solução? Procurar o equilíbrio, como em tudo na vida. E a culpabilização que referia Susana Almeida – sentida pelos pais e muitas vezes imposta por preconceitos sociais – é também explicada por Patrícia Fonseca. “Alguns estudos revelam que muitos casais não assumem que sentem vontade de passar férias sozinhos, não só pela culpabilidade de deixarem os filhos à responsabilidade de outros, como também pela pressão social que ainda existe. Esses casais assumem em consulta que as férias conjugais fortalecem a relação e aumentam a predisposição para as tarefas da paternidade.”
No caso dos três testemunhos que recolhemos, esta é uma hipótese muito válida. Ana Sofia Matos e Luís Matias reservam uma semana de férias para ambos: “A Miriam volta para a creche, o Simão e o Isaac para a escola, e nós aproveitamos para ir ao cinema ver filmes de adultos, que é algo que normalmente não conseguimos fazer; para ir aos restaurantes a que não vamos com eles, como o indiano e o sushi; ou então ficamos simplesmente a dormir e a descansar”.
Susana também segue esta tendência. Sem culpas. “Eu sei que é fácil romantizar a maternidade e colocar os filhos num pedestal, assumindo que todos os sacrifícios valem a pena. Mas se é verdade que sim, e que nos esforçamos para proporcionar aos nossos filhos umas férias incríveis, também é verdade que isso exige muito de nós, física e emocionalmente.”
Para a blogger, é importante que os pais não se esqueçam de guardar para si uns dias de férias por ano. “Férias sem os filhos. Até pode ser para ficarem a dormir o dia todo enquanto eles estão na escola, para irem um fim de semana para fora ou para irem à praia sozinhos.” Ana Sofia acrescenta: “Claro que é muito bom e recompensador ter férias com eles mas também acaba por ser extenuante”. O marido Luís aligeira: “É muito cansativo mas vamos adotando estratégias para tornar a tarefa mais fácil de ano para ano. Ainda assim, não me canso mais em férias do que no trabalho”.
Nuno e Inês viajavam pelo menos de três em três meses, todos os anos, antes de serem pais. Desde o primeiro ano de vida de Miguel que estipularam a realização de uma a duas viagens ao estrangeiro por ano, a dois. “O primeiro ano foi horroroso”, admite Inês, ao recordar a escapada de três dias a Praga. “Jurei que nunca mais viajaria com ela”, adiciona Nuno. O filho tinha apenas nove meses. Mas no ano passado foram a Veneza, e este ano escolheram Florença como destino. Do que Nuno tem mais saudades é da liberdade de voltar de férias à última hora, um dia antes do regresso ao trabalho, e de ficar sentado no sofá, no regresso, sem preocupações. “Agora não. Temos de preparar o banho, jantar, pô-lo a dormir.”
O escape de Nuno é ir ver os jogos de futebol do Benfica ao estrangeiro com amigos. “Já prometi ao Miguel que o levaria ao Estádio da Luz no nosso último dia de férias juntos.” Ana Sofia Matos aproveita para correr ao final da tarde mas chega a levar o filho mais velho como companhia. Luís reserva uma hora para ler revistas especializadas de temas a que não acede durante o ano. Susana dedica-se ao blogue, vai ao ginásio e aceita todas as sugestões de familiares para programas com filhos. “Vale tudo”, salienta. Inês considera que o facto de terem escolhido viajar com amigos que também têm crianças, e num regime de “tudo incluído”, facilitou a tarefa.
“É importante que os pais pensem em atividades prazerosas, tanto para eles como para os filhos, preferencialmente de relaxamento e desaceleração. Não têm que ser exclusivamente pensadas para os mais pequenos, mas sim de modo a poder envolver toda a família”, defende Catarina Lucas. Desligar é a opção. Mesmo com filhos.
Como descansar nas férias com filhos?
1 – Pedir ajuda
Se os pais tiverem suporte familiar, pode ser útil pedir ajuda e libertar um dia para os próprios.
2 – Combater rotinas
Alternar a dinâmica familiar e social nas férias. Poderá ser benéfico usufruir de uns dias de férias com a família de origem e amigos.
3 – Cancelar as rotinas
Promover espaços de liberdade para pais e, sobretudo, filhos. Sem horários ou regras, todos poderão realizar as atividades de que mais gostam. Já bastam as rotinas ao longo do ano.
4 – Sempre em sintonia
É essencial haver concordância entre o casal nas decisões parentais e nas regras a desenvolver durante as férias com os seus filhos.
5 – Desligar do trabalho
É importante não transferir as preocupações laborais para o período de férias nem passar demasiado tempo no telemóvel ou noutros recursos tecnológicos. Aproveite os momentos em família demonstrando dedicação.
6 – Organizar, organizar
As férias com os filhos exigem preparação, organização, logística e disponibilidade, para a qual algumas famílias não estão verdadeiramente preparadas, pois já vão de férias cansadas das exigências do dia-a-dia. Este período deve também ter o propósito de unir a família.