Ricardo Almeida: bem-vindos à Antártida

Ricardo Almeida tinha uma colónia de pinguins-imperador a duas horas da base em que estava instalado

Texto de Ana Tulha

“Se anda aborrecido com o seu trabalho…” – foi esta a frase, desencantada num anúncio de emprego do British Antarctic Survey, no verão de 2015, que mudou a vida de Ricardo Almeida para sempre. “Tinham uma vaga para engenheiro eletrónico e o perfil correspondia ponto por ponto. Concorrer era quase uma obrigação”, recorda, num flashback ao momento em que trocou o trabalho numa consultora de software em Lisboa por uma experiência irreproduzível na Antártida – 61 semanas fartas em peripécias e imagens dignas de um filme de ficção científica.

“As auroras boreais foram uma das coisas mais espetaculares. E a duas horas de distância tínhamos uma colónia de pinguins-imperador”, descreve o alentejano de 36 anos que jura ter sido feliz num manto de… solidão. “Quando começou o inverno, as pessoas não essenciais foram embora e ficámos só 13. Os humanos mais próximos estavam a 800 quilómetros, numa estação alemã. Mas para mim o isolamento foi a parte mais fácil. Foram uma espécie de férias da sociedade”, atira, orgulhoso.

E, afinal, o que faz um engenheiro eletrónico num local recôndito da Antártida? “Essencialmente manutenção de equipamento.” Parece simples, mas a missão tem que se lhe diga. É que o trabalho de manutenção vai desde os radares atmosféricos – essenciais para os mapas meteorológicos – às câmaras de infravermelhos, passando pelas estações de GPS, que vigiam o movimento das placas de gelo. Depois, no inverno, quando a task force era mais reduzida, havia o resto: “Cozinhar, limpar, fazer vigília, o que fosse necessário para a nossa sobrevivência.”

Tudo numa realidade sui generis (na Antártida, tanto passou 107 dias consecutivos sem luz solar como teve sol durante 24 horas ininterruptas), que pode ser perigosa. “Quando a luz vem de todas as direções praticamente não há contraste. É tudo branco. A dada altura, ia com uma mota de neve e não me apercebi que estava a passar por um buraco enorme. Acabei por cair. Mas nada de grave.”

E se os 15 meses na Antártida lhe remexeram até a conceção das festividades – “a passagem de ano é muito estranha, porque à meia-noite está sol e o Natal acontece na altura mais trabalhosa, portanto acabamos sempre por fazer um ‘Fakemas’, um jantar de Natal improvisado quando a coisa acalma” -, o regresso também lhe abanou a realidade. “Os primeiros dias são estranhos. Até levantar dinheiro parece uma missão complicada”, explica, antes de se confessar: “Gostava muito de voltar!”