«Isto ainda me parece um sonho», dizia ontem Edward Garry à jornalista Stephanie Clifford, da revista New Yorker, que há anos acompanha o seu caso. Depois de passar 23 anos preso e de sempre ter clamado inocência, o júri de um tribunal do Bronx, em Nova Iorque, aprovou por unanimidade a sua libertação.
Após a leitura da sentença, uma das juradas correu para Garry, abraçou-o a chorar e disse: «Lamento muito que isto lhe tenha acontecido.»
Garry foi identificado por fotografia por duas testemunhas. E foi preso com base nesse testemunho apenas. Afinal o culpado era um homem parecido com ele.
Edward Garry tinha 20 anos quando foi condenado pelo homicídio de um polícia reformado chamado Oswald Potter e que tinha ligações a um casino ilegal do bairro nova-iorquino do Bronx. Aconteceu em 1995.
Testemunhas dizem ter visto dois homens, um negro e um hispânico, entrarem na loja que servia de fachada à casa de jogo – o Irene’s New Hope Grocery. Depois de uma discussão acesa, vieram os tiros.
O polícia que investigou o caso era um novato chamado Peter Forcelli. Chamou essas testemunhas à esquadra e duas delas identificaram Edward Garry como o hispânico que havia entrado na loja e provocado a zanga que levou ao tiroteio onde Potter morreu.
Garry constava nos registos fotográficos da polícia porque meses antes fora detido por tráfico de droga. E foi com base nessas duas identificações positivas que foi detido, acusado e condenado a uma pena que podia ir dos 25 anos à prisão perpétua. Ficou na prisão de Sing Sing, na imagem.
«Meu Deus, acho que cometi um erro terrível», disse o polícia quando viu a foto de Garry ao lado do verdadeiro homicida.
Ele, no entanto, afirmou sempre que estava inocente. E, à quinta tentativa de levar novamente o caso a tribunal, conseguiu finalmente o acordo de um juiz de que a acusação tinha sonegado provas que o poderiam inocentar. Foi por isso que um novo julgamento foi marcado.
É que, anos mais tarde, um homem chamado Lawrence Broussard confessou noutro caso ter estado envolvido nos tiroteios do Bronx. Então uma ONG que investiga casos em que as sentenças são duvidáveis – a Exoneration Initiative – decidiu escavar a história de Garry e levá-la novamente à barra do tribunal.
Forcelli, o polícia que o tinha detido, foi chamado a testemunhar em 2001. Quando os advogados lhe mostraram uma fotografia de Garry e outra de um homem chamado Steven Martinez, que entretanto o Ministério Público tinha apurado ser o possível homicida, o antigo investigador caiu em si diante do próprio juiz: «Meu Deus, acho que cometi um erro terrível», disse.
Nos anos seguintes, Forcelli lutou para levar o caso de Garry novamente a tribunal – e enfureceu-se várias vezes nas audiências com toda a burocracia que implicava a reabertura do processo.
Finalmente, em 2016, o caso voltou a ser julgado. Forcelli foi uma das mais fortes testemunhas da defesa. E Garry foi novamente libertado, a semanas de fazer 43 anos. Tinha passado todos os seus vintes e trintas preso por um crime que não tinha cometido.
Assim que o tribunal anunciou a absolvição, o polícia dirigiu-se a Garry para lhe pedir desculpas pelo erro. E fez-lhe prometer que ele não deitaria o resto da vida por perdida. Mas que vida há de esperar um homem cuja única coisa que aprendeu a fazer durante décadas foi sobreviver a uma injustiça?