A luta pelo fim da mutilação genital feminina valeu a Nice Nailantei Leng'ete uma distinção da revista Time. Foi considerada uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2018.
Nice Nailantei Leng’ete ainda mal tinha recuperado da morte dos pais quando, no horizonte, se desenhou um novo revés: apesar de ter apenas oito anos, a jovem queniana preparava-se para se submeter à mutilação genital feminina (remoção ritualista de parte ou de todos os órgãos sexuais externos femininos).
Tanto que, no dia do ritual, ela e a irmã até acordaram às quatro da manhã, para se prepararem. Sim, prepararem, uma vez que, antes da prática, é suposto as meninas tomarem um banho de água gelada. A ideia é que a água fria sirva como anestésica para o ritual.
Mas, depois do banho, Nice começou a fintar o destino. Para isso, escondeu-se numa grande árvore, ao pé da casa do tio. A irmã foi atrás. E ali ficaram, até escurecer.
Depois, fizeram-se à estrada, até à casa de uma tia, que ficava a 70 quilómetros. À estrada, como quem diz. O medo de serem encontradas era tanto que fizeram o caminho pelo meio dos arbustos.
Mas o plano de fuga não correu bem à primeira. “Passado uma semana, descobriram que estávamos lá e o meu tio veio com um grupo de homens bater-nos e ameaçar-nos”, contou Nice Nailantei Leng’ete.
Não desistiu, ainda assim. Quando o dia chegou, voltou a fazer o mesmo. Mesmo que, desta vez, a irmã, receosa de voltar a ser espancada, tenha cedido à obrigatoriedade do ritual.
Nice não. Correu para o padrinho e só de lá saiu com a garantia de que não a iam forçar a ser mutilada durante um tempo, para que pudesse continuar a escola – regra geral, quando as meninas são circuncidadas, casam e deixam a escola.
“Eu vi a dor. Eu vi a morte. Desde os sete anos que assistia àquelas cerimónias na minha comunidade, com as meninas a serem submetidas à mutilação. Eu vi as minhas amigas saírem da escola e casarem-se. Eu queria continuar a minha educação”, contou.
Começava, assim, um trajeto que haveria de fazer da jovem queniana um símbolo na luta contra a mutilação genital feminina. Quase 20 anos volvidos, estima-se que Nice Nailantei Leng’ete já terá ajudado a salvar perto de 15 mil meninas.
Primeiro, porque a ousadia dela serviu de inspiração para outras meninas fazerem o mesmo. Depois, porque abraçou a causa como ninguém: começou por esconder as meninas que recorriam a ela em busca de ajuda; depressa passou a correr a aldeia para partilhar informações sobre saúde sexual e bem-estar.
A primeira prova incontornável do sucesso chegou em 2014, quando conseguiu convencer a comunidade em que vivia a renunciar oficialmente à prática da mutilação genital feminina.
Mas o trabalho ainda anda longe de estar terminado. “Ser capaz de proteger essas meninas mais jovens dessas práticas prejudiciais é o que eu quero fazer. É um trabalho importante. Quando vejo as meninas na escola, essa é a minha felicidade”, contou.