A Websummit está a acabar. Podem respirar de alívio, marretas

Notícias Magazine

E eles vão-se embora. Hoje. Depois de ouvirem Al Gore falar do clima num novembro sem chuva durante a mais grave seca dos últimos anos. Amanhã ainda por cá andarão uns quantos Neils, Maries, Alisons, Jochens, Peter, Johans, Andrews, Ahmeds, Brahimis, mas a esmagadora maioria regressa hoje (muitos já regressaram) aos países de onde rumaram a Lisboa, capital mundial das ideias tecnológicas por quatro dias.

Eram fáceis de identificar. Não por terem ar de geeks de informática mas porque andavam nos transportes públicos com os cartões de acreditação ao pescoço. Nunca foi tão fácil ser simpático e tratar um desconhecido pelo nome como nestes dias. Eu ouvi um «Good morning Paulo» no metro na terça-feira passada e fiquei a achar que «estes estrangeiros são mesmo porreiros».

Eles vão-se embora e a quantidade de gente que achou tudo isto um circo de megaytes de bazófia onde o governo e a Câmara de Lisboa se puderam esfregar à vontade já pode voltar o nariz torcido para outro lado. E procurar outra coisa qualquer de que dizer mal.

Claro que ter pensamento crítico é bom. Pensar contra a corrente também. Não ir em carneiradas e embandeirar em arco aplaudindo tudo e mais alguma coisa é bom. Outra coisa, diferente, é aquela atitude meio jocosa, mistura de «a mim não me enganam» com «isto é tudo uma cambada de deslumbrados, vão mas é ver o país real».

Mas sabem uma coisa? Isto também é o país real. Isto faz parte do país real. Há uns anos, isto seria um fogo de artifício para inglês ver, com pouca influência na moral ou negócio de um Portugal a tentar manter-se à tona. Hoje não. Hoje, tudo isto começa a fazer parte da paisagem de inovação e modernidade a que nos vamos habituando. Que traz dinheiro e traz ideias. Que traz pessoas inspiradoras e outras que nos alertam para o mundo em que vivemos.

E qualquer criatura inteligente sabe que nada disto faz esquecer as mortes por Legionella nem o que ainda está por apurar sobre os incêndios. Não passa um pano nas reivindicações dos médicos, nas queixas dos professores. Não resolve o problema da seca extrema e do abastecimento de água.

Nada do que se passou no Parque das Nações, em Lisboa, nos últimos dias, tem efeitos imediatos no bem estar de muitas pessoas que não têm emprego, não têm casa, não têm dinheiro para chegar ao fim do mês, não têm operação marcada para o problema de saúde grave que têm. O que se passou aqui, nestes dias, não muda no imediato a vida de quem precisa. Mas pode mudar. Pode vir a fazer a diferença. Graças às apps e site e serviços de geolocalização, médico à distância, análise de tempo desperdiçado, comércio de produtos agrícolas, etc. Entre todas – e foram centenas – as ideias de negocio que passaram pela FIL nestes dias, é muito possível que muitas venham mesmo a mudar a nossa vida. Para melhor.

E essa ideia parola de que os jornalistas portugueses dão demasiada atenção ao microcosmos de Lisboa e dos potenciais negócios à beira-Tejo é apenas isso: parola. Se não forem os jornalistas a fazer chegar a toda a gente as ideias e negócios e comunicações inspiradoras que por ali passaram, quem será? Se não forem os jornalistas a dar conta do que por ali viram sessenta mil pessoas de noventa países, divididas por pouco mais de cem mil metros, que será?

Vá, eles vão embora e levam algumas startups, e plataformas digitais, e clouds, e big data e marketing content, e smart software e ideias de e-commerce. Outras ficam cá. As 270 startups portuguesas que marcaram presença no evento ficam cá. E por cá continuarão a fazer este mercado mexer. Com capital nacional e outro de investidores estrangeiros, da Comissão Europeia ou mecenas.

Algumas vão falhar, claro. Eles sabem. Não precisam que nenhum desconfiado lhes diga que isto das startups não são favas contadas. Claro que muitas destas não se vão aguentar. Mas julgam que eles não sabem? Julgam que estes empreendedores (eu sei que a palavra causa urticária, mas aguentem-se) não sabem disso? Não leram sobe isso? Não estão preparados para isso? Se calhar alguns já vão na terceira startup, já se endividaram, já perderam dinheiro, já se endividaram outra vez, já venderam a casa e tudo. Mas estão cá. No mercado. O tal que mexe.

Eles vão-se embora, mas o abanão que deram à economia fica. Estima-se que a ocupação hoteleira da cidade tenha atingido os 88% nestes dias e, no ano passado, esta gente toda a ocupar camas de hotéis e pensões por aí fora resultaram num aumento do preço médio por noite na capital na ordem dos 68%. «Um absurdo», dizem os marretas. «Quem se enche é o dono do restaurante e do hotel.» Pois sim. Mas também ganha o taxista, que teve mais clientes. O dono da empresa de tuk-tuk, que teve mais passageiros. Os donos das roulottes de street food, que, mesmo com o que pagaram para estacionar a carrinha de cachorros entre os pavilhões da FIL, saem de lá com mais dinheiro. Outra vez o turismo, claro. Mas é um negócio como outro qualquer e há gente a mexer-se para ganhar criar emprego e ganhar dinheiro com isso.

Por estes dias, em Lisboa, não houve deslumbramento. Houve ideias. E isso é bom, Houve também muita gente de cabeça enfiada no telemóvel, num mundo que, de tão digital, por vezes nos faz perder o sentido do que está à volta. Mas isso são outros duzentos.