Uma palavra: desculpem

Notícias Magazine

Desculpem. Sim, já sei que isso não vai trazer vidas que se perderam. Nem sarar feridas. Nem reconstruir casas. Que nunca são só casas, e ainda menos no campo, mas memórias de vidas que delas fizeram lares. Não vai devolver os pastos em que os vossos animais se alimentavam, nem a paisagem.

Sim, se havia coisa que vos prendia aí, ao interior, como agora se diz, era o que torna o campo um lugar onde a expressão qualidade de vida faz sentido, vida autêntica. Os incêndios são mais uma das faces más dessa proximidade aos elementos.

Quero pedir desculpa na condição de jornalista, porque sei que neste lugar – e neste púlpito que é sempre uma crónica – não fiz tudo o que havia para fazer para vos proteger. Não fiz todas as denúncias para que não vos acontecesse o que acabou por acontecer. E eu sabia.

Cobri os fogos de 2006, vi o que foi feito e o que não foi feito, e hoje ouço a repetição de tudo o que se dizia. Com o agravamento climático. Encolhi os ombros quando devia ter gritado. Pior, esqueci-me.

Apesar do esforço que fazemos – recordo que esta é a revista que pôs na capa uma cabra montês e o Jornal de Notícias dá centenas de notícias regionais – talvez nada disso seja suficiente, nem vos dê a atenção necessária, a todos os que estão a cuidar deste país de que usufruímos.

Peço desculpa por nos lembrarmos mais de vós quando são vítimas, do que quando são os heróis desse interior esquecido – sobretudo pelo poder político – e são-no a maior parte do tempo.

As vossas fotografias publicamo-las quando estão em desespero, cabelos com fuligem, olhos vermelhos, gritos na boca. São boas fotos, mas não vos fazem jus. Devíamos ter-vos quando se aperaltam para almoços de domingo em que a família regressa à terra e se sente mais próxima das raízes que lhe dão ADN e alma, das quais vocês cuidam.

Peço desculpa a todos os afetados por este fogo que, como país, nos consome as entranhas a todos, mas a vocês destruiu um modo de vida. Ou a própria vida.

Não espero que me desculpem, mas peço que me cobrem a atenção que vos tem de ser devida daqui para a frente. Esta revista, a Notícias Magazine, acompanhar-vos-á, visitando a mesma aldeia onde o Ricardo J. Rodrigues esteve nesta semana – Vila Nova da Ventosa, em Vouzela -, durante os próximos meses. Queremos saber se já chegou a ajuda. O que foi feito. O que não foi feito. Não chegam demissões – é preciso mudar de ciclo.

Queria também pedir desculpa porque parece ser uma coisa em desuso – e em Portugal ainda mais. No reino do marketing, o que parece é, e pedir desculpa implica assumir culpa, responsabilidade. E se, como dizia uma amiga no Facebook, passamos a vida a ensinar às crianças que devem pedir desculpa, quando crescem habituam-se a viver num mundo em que é raro – e até mau – pedir desculpa, assumir erros, mudar de opinião.

Noutras culturas, o erro é sinal de aprendizagem, e há até empresas que não contratam quem não tenha errado, ou não o assuma. Aqui, houve um político que sempre esteve errado e era sobretudo elogiado por ser coerente. E outro que dizia que raramente tinha dúvidas e nunca se enganava. Sem corar. Desculpem, por isso.