Texto de Sara Dias Oliveira
Quase tudo é possível. De umas calças de ganga condenadas ao lixo podem nascer minissaias ou um saco bem catita. De uma velha t-shirt elástica e com bainha pode surgir um gorro de bebé. Um casaco furado pelas traças pode transformar-se numas calças de rapaz. Duas mangas de camisola podem ser aproveitadas para perneiras e uma camisa que não se usa para uma bolsa para o tablet. Estas e muitas outras ideias originais fazem parte do livro Re-Use (ed. A Esfera dos Livros), no qual a autora, Zélia Évora, dá orientações para transformar o velho em novo, nessa missão de transformar vestuário.
Reciclar não é o termo correto. Upcycling é que é. «Upcycling é o processo de criar algo novo e melhor de um artigo velho, ou tornar um artigo existente em algo melhor do que o seu original», explica Zélia no livro. E mais. «O upcycling pode ser feito utilizando ‘lixo’ pré-consumido: o caso de restos de cortes de tecidos ou materiais como, por exemplo, restos de peças fabris. Ou ainda pós-consumidos, que usa peças já no final da sua vida útil, como peças de vestuário estragadas, que já não servem.»
Aqui há alguns pontos de interrogação. «O que mais gosto no upcycling é a possibilidade de questionar culturalmente o que é considerado ou não lixo, o que é ou não velho, bonito ou feio, e transformar uma peça com história, que foi usada por nós, ou por uma avó, preservando o seu passado e oferecendo-lhe uma continuidade afetiva.» Prolongar a vida das peças também é fazer um favor ao planeta. Pois claro.
«O que mais gosto no upcycling é a possibilidade de questionar culturalmente o que é considerado ou não lixo, o que é ou não velho, bonito ou feio», diz a autora.
Conceito esclarecido é tempo de pagar nas ferramentas. Tesouras, alfinetes, agulhas, giz de alfaiate, fita-métrica e régua de corte, corta-fios, abre-casas, cortador rotativo, tapete de corte, linhas de alinhavar, linhas de costurar. E moldes. Pode precisar de tudo ou só de alguns utensílios e não tenha medo de cortar. «Afinal, em projetos cujo principal objetivo é salvar e transformar, não fará mal ter mais uma costura, mais uma aplicação, menos um pormenor. Menos é mais. Mantenha as coisas simples, especialmente no início. A ideia é salvar o que ama, mas não deixar de divertir-se enquanto trabalha.» Conselhos de Zélia Évora.
Transformar umas calças em saia não é complicado. Estendem-se numa mesa ou no chão, mede-se a altura que se quer, faz-se uma marca com alfinete ou giz de alfaiate. Dobra-se a calça ao meio e corta-se com a tesoura. A calça fica sem pernas, estende-se e corta-se rente à costura, na parte da frente e na parte de trás. A calça está quase uma saia, pega-se nas partes que sobraram e escolhe-se um pedaço de outra peça para tapar a falha.
Para transformar um pano de cozinha num avental precisa de um pano, claro está, de um bolso de calça de ganga usado, 200 centímetros de fita de folhos e fita de viés, três vezes a largura do pano. E de uma t-shirt pode sair um gorro para os miúdos. Só precisa de uma camisola ou de uma peça com elasticidade e que tenha uma bainha já feita. Basta um molde, aproveitar a bainha, e a peça que estica.
ZÉLIA ÉVORA
Zélia Évora nasceu no Canadá, tem um ateliê nas Caldas da Rainha, criou o Gang da Malha com Filipe Almeida Santos para tirar pessoas que faziam tricot de casa e ocupar os cafés da sua cidade. Trabalhou durante 24 anos como administrativa, mudou de vida, estabeleceu-se por conta própria a fazer chapéus e outros acessórios. Em 2016, criou o projeto Re-Uz para dar vida a velhas roupas. Re-Use é o segundo livro, depois de A Terapia do Tricot (ambos editados pel’A Esfera dos Livros). Tem dois filhos, Alice de 6 anos e Rafael de 12.