Texto de Ricardo J. Rodrigues
Há dias, o jornal britânico The Guardian falava com uma série de ambientalistas espanhóis e afirmava que o Tejo estava em riscos de desaparecer. Do lado português, aponta-se o dedo a Madrid pela poluição, transvases de água e falta de caudal do maior rio da Península. «Se não chover no outono vamos ter faltas de água muito graves», diz Carla Graça, que coordena o grupo de trabalho da água na associação ecologista Zero. Em entrevista, a ambientalista explica que o estuário do Tejo sem água não é um cenário assim tão fantasioso.
O Tejo pode mesmo secar, como diz o Guardian?
A imagem de um Tejo completamente seco poderá ser verdade daqui a algumas décadas. Demorará algum tempo, mas é um risco real. Neste momento, estamos com problemas muito grandes no maior rio da Península ibérica. Antes de mais, no próprio caudal. Em duas décadas o rio perdeu 25 por cento da sua água, o que é verdadeiramente dramático.
E isso acontece porquê?
Temos tido secas cada vez mais frequentes, e as alterações climáticas explicam uma boa parte. Mas há outro fator determinante: os transvases de água feitos em Espanha. Uma parte das águas do Tejo é desviada para outros rios e isso é feito sem qualquer planificação ou estrutura – e sem que Portugal diga uma palavra sobre o assunto. Estes transvases estão a ser feitos ad-hoc, à medida das necessidades espanholas. A água que chega a Portugal vem em cada vez menor quantidade e com níveis de poluição cada vez mais elevados.
Menos água significa sempre água mais poluída?
O que acontece é que, quando chega às regiões de Madrid e Toledo, o Tejo já está a circular com um caudal baixíssimo. E depois os esgotos destas cidades são lançados para o rio sem tratamento adequado. Repare, existem cinco níveis para avaliar a qualidade química da água. Vão do excelente ao mau, e a água que chega de Espanha à fronteira é de má qualidade. Depois vai recuperando, tanto no caudal como na qualidade, por causa dos afluentes portugueses. Mas há sérios problemas. E também do lado de cá.
A Convenção de Albufeira, assinada entre Portugal e Espanha em 1998, rege em teoria os caudais dos rios internacionais. Está desatualizado?
Precisa de ser renegociado urgentemente. O que acontece agora é que Madrid está obrigado a cumprir um determinado caudal, e são feitas medições semanais e mensais para determinar que o país cumpre o contrato. O problema é que nem sempre há continuidade – os números semanais podem ser atingidos fechando a torneira seis dias e abrindo-a apenas no sétimo. Isto cria problemas muito graves de viabilidade do rio.
Nos períodos de seca Espanha tem de manter o mesmo caudal?
Não, e esse é outro problema. Em períodos de seca o acordo é interrompido. Como não sabemos quanta água é transvasada por Espanha é difícil percebermos se o fecho de torneiras é ou não legítimo. Portugal tem muitas culpas no cartório por não se saber impor face a Madrid. Deixámos que o transvase de águas pudesse ser colocado na esfera da soberania do país vizinho sem que acautelássemos os interesses nacionais.
Bem, Portugal pediu explicações a Espanha sobre o novo armazém da central nuclear de Almaraz.
Mas Espanha nem se dignou a responder – e isso mostra bem a atitude das autoridades de Madrid. A União Europeia prevê um plano único para a gestão das bacias internacionais, no Danúbio 10 países estão envolvidos na mesma questão. Espanha criou uma artimanha legal para que os transvases fossem colocados na esfera de soberania e Portugal nada pudesse dizer. Lisboa tem de se impor para renegociar a convenção. Temos demasiados exemplos de que o outro lado da fronteira não se vão acautelar os interesses portugueses.
Por exemplo?
Em 1986, houve um fuga radioativa da central de Almaraz para o Tejo. As autoridades portuguesas não foram sequer informadas, só souberam porque Portugal tem as suas próprias estações de monitorização. O corte de abastecimento de água a Lisboa chegou a ser equacionado sem que Espanha se dignasse a dizer uma palavra.
Como podemos avaliar o rio hoje em termos de radioatividade?
O Tejo tem de longe os mais elevados níveis de radioatividade dos rios portugueses, mas esses níveis estão abaixo do limiar de segurança.
E do lado de cá da fronteira, não há responsabilidades?
Há, e talvez o que acontece na zona de Vila Velha de Ródão seja o exemplo mais paradigmático. A Comissão de Acompanhamento da Poluição do Tejo assinala dois poluidores: a Celtejo, uma empresa de celulose, e a Centroliva, de transformação de azeitona. Esta última viu a sua atividade ser suspensa em fevereiro, estava a fazer combustão de biomassa altamente tóxica. Depois há descargas de metais pesados, nomeadamente níquel, cuja origem é muito provavelmente a indústria de celulose. São tóxicos e entram na cadeia alimentar.
Os incêndios deste ano vão afetar a saúde do rio?
Quando chegarem as primeiras chuvas vai ser inevitável que a biomassa carbonizada vá parar ao Tejo. Isto vai trazer componentes tóxicas para uma água que já regista níveis de fósforo três vezes superiores ao limite. Isto afeta a água que consumimos. Sobretudo na região de Lisboa, que é abastecida a partir de Castelo de Bode, no Zêzere, e onde se registaram incêndios de grande escala.
Renegociar a Convenção com Espanha chega para salvar o Tejo?
Não, precisamos de trabalhar em conjunto num novo modelo de gestão que fiscalize poluentes, regule a constância dos caudais, faça aproveitamentos fluviais. A nossa agricultura, quase toda de regadio, terá se se virar para o sequeiro. O Tejo está a morrer e precisamos de salvá-lo urgentemente.